abril 14, 2019

Ao longo de séculos, o direito a emigrar - ou, pelo menos, a atravessar fronteiras, com um projecto próprio, ainda que de curto prazo  - foi fortemente condicionado e, em certas épocas, e, em muitos casos, mesmo proibido. E mais ainda para as mulheres, que, até para acompanharem os maridos, por muito altos que fossem os cargos por eles ocupados na Administração das possessões do Império, só raramente conseguiam a necessária autorização régia...
As primeiras políticas de emigração foram, assim, como reconhecem os especialistas neste domínio, simples medidas restritivas de um êxodo quase sempre visto como desmesurado. Das Ordenações Filipinas à Constituição de 1976,  podemos dizer que não houve, nunca, autêntica liberdade de circulação. Colocava-se á saída do cidadão toda a espécie de obstáculos (vigilância policial, licenças, custo exorbitante de passaportes...) ou facilitava-se mais, ou menos, de acordo com as conveniências do Estado. Eram os interesses colectivos, tal como os viam os poderes legislativo  e executivo, que prevaleciam sempre.  O direito individual à emigração (e, por maioria de razão, ao agrupamento familiar) não existia, era mesmo doutrinalmente inconcebível, salvo na visão de alguns raros precursores da modernidade. 
Todavia, dois problemas maiores se foram pondo a sucessivos governantes: um derivado da sua própria incapacidade de proceder a uma avaliação de todas as consequências positivas e negativas  da expatriação em massa,  o outro da capacidade de desobediência dos portugueses na sua determinação de partir, a bem ou a mal (isto é, clandestinamente). 

Reportando-se a tempos recentes, aos da emigração em sentido estrito, findo o ciclo (ou ciclos) de colonização, Miriam Halpern Pereira fala  em "ambiguidade" das políticas repressivas - uma palavra que é possivelmente a mais ajustada à compreensão do que foi uma aparente incapacidade estatal de dar cumprimento a uma tão longa lista de leis e regulamentos restritivos da expatriação. É realmente de admitir, como hipótese mais provável, que o laxismo na aplicação da lei  se deva, essencialmente, à indecisão entre conter excessos  - porventura até no não saber precisamente onde começavam os excessos -  e a sofreguidão em aproveitar aa benesses em que eles sempre se traduziam a breve trecho - as remessas que equilibravam as contas externas! Uma espécie de debate íntimo sobre os "prós" e "contras". do fenómenos, que redundava numa solução de compromisso à portuguesa - mantém-se a lei, mas não a força da lei... Não admira que a emigração clandestina representasse, cronicamente, cerca de um terço do total, assim largamente  consentida, como que ignorada, sem o ser.
Este lusco fusco de ambiguidade falta, porém, a  fracassos rotundos de politicas pensadas e gizadas com um claro escopo. Penso na tentativa de desviar as correntes migratórias do Brasil, para as colónias de África, sobretudo para Angola, logo que o Reino Unido se desuniu  de Lisboa, e, independente, se converteu em Império e, depois, em República. Foi uma primeira tentativa falhada de fazer de Angola “um novo Brasil” - frase que se havia de popularizar no século seguinte, na primavera marcelista, a propósito de uma segunda tentativa de colonização e desenvolvimento, que apelaria aos que em números que rivalizam com os de hoje se dirigiam para França e outros países estrangeiros .
Tentativas utópicas, porque não estavam nos horizontes dos Portugueses (o que estava era mesmo o Brasil em oitocentos ou a França, na segunda metade de novecentos). E, como a história mostra, em matéria de emigração o povo ganha sempre a partida…
O 25 de Abril e a Constituição de 1976 vieram, finalmente, consagrar o seu direito de livre circulação, de sair e de regressar livremente à terra de origem


(publicado no jornal "As artes entre as Letras")

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