abril 29, 2019

VIAGENS DA CHINA


VISITAS DA CHINA

1 - A auspiciosa visita do PR Marcelo Rebelo de Sousa à China (todas as suas viagens vêm sendo auspiciosas), trouxe-me à memória o meu primeiro contacto com altos dignitários chineses.
Aconteceu em 1988, estava eu há pouco tempo no exercício de  funções de Vice- Presidente da Assembleia da República. A minha primeira tarefa protocolar consistiu em acompanhar o programa da visita oficial, ao nosso País, de uma Delegação da Assembleia Popular da China. Visita pioneira na história multissecular das relações sino-portuguesas (em 2017, o "Público" noticiava a chegada a Portugal, numa visita "inédita", do  Presidente da mesma Assembleia, a convite do Presidente da AR  Ferro Rodrigues - a  iniciativa teve, com certeza, aspetos inéditos, sobretudo um acento "inédito" mas questões económicas, que hoje comandam o relacionamento dos dois Países, ainda que, como convite de um Presidente da AR ao homólogo chinês. fosse, de facto, o segundo, depois do de Victor Crespo, mais de 30 anos antes). Imprecisões históricas, a que já estamos habituados, num patamar diferente das "fake news", porque se devem exclusivamente a ignorância..
Voltemos, pois, a 1988 e a esses três dias intensos de conversações, passeios por Lisboa, Sintra e Porto, receções não só na Assembleia e na Embaixada da China, como  nos municípios, e," last but not least", de audiências com o Primeiro Ministro (Cavaco Silva) e o Presidente da República (Mário Soares).
À época,  a Assembleia Nacional Popular era não só o maior parlamento do planeta, como tinha, certamente, os mais velhos dirigentes  de entre todos os parlamento do mundo. O Chefe da Delegação, um Vice.Presidente, andaria pelos 80 anos e a média de idade do restantes  membros não estaria muito longe dessa idade ("grosso modo", o dobro da minha e da dos deputados portugueses, que me acompanhavam). Não obstante a diferença geracional e as especificidades culturais, estabelecemos fácil convívio a conversas fluia naturalmente. As paisagens e monumentos, a gastronomia ou a música, agradavam visivelmente aos nossos hóspedes. De qualquer modo, tudo era feito "by the book" segundo os canônes da diplomacia parlamentar.

2 - O imprevisto estava, porém, para acontecer onde menos se esperava - no Palácio de Belém..Para compreender o sucedido, é preciso dizer que o conjunto das delegações chinesa e portuguesa constituía um grupo alargado, uma vintena de pessoas,  somando intérpretes e secretários. Por isso, em São Bento, com o Primeiro Ministro, estivemos presentes nas conversações, os visitantes e, pela parte portuguesa, apenas eu. Os demais ficaram na sala de espera. O Prof Cavaco Silva, tinha vindo da China meses antes, e falou longamente dessa sua inesquecível experiência, sempre formal, não só porque esse é o seu estilo, mas também porque julgava que assim o exigia a etiqueta oriental. Notei que usava uma curiosa super abundância de adjetivos - possivelmente porque os considerava do agrado dos interlocutores, Em suma, esforçou-se bastante para ser o perfeito anfitrião, e, a meu ver, saiu-se bem.
Dali, o cortejo seguiu diretamente para Belém. Tal como na reunião anterior, atendendo a que o salão presidencial, em condições normais, não dispõe de assentos para tanta gente, os mesmos deputados aceitaram continuar de fora. Contudo, o Presidente Soares, especialista como era em praxes parlamentares, estranhou ver-me desacompanhada de colegas e perguntou : "Veio sozinha?"  Ao que tive de dizer: "Não, Senhor Presidente", explicando que os outros estavam na antecâmara, porque os serviços do protocolo entenderam ser impossível acomodá-los ali dentro. O Doutor Mário Soares, indignado, levantou-se, de imediato, exclamando que era um parlamentarista e não podia permitir que os nossos deputados não fossem recebidos na audiência. Mandou chamar os deputados, mandou vir mais cadeiras, começou ele próprio a trazer as que estavam arrumadas em recantos da sala. Uma incrível movimentação, um reboliço, homens transportando cadeiras, reorganização da ordem de precedências, coisa rápida, à portuguesa... E só depois de todos estarmos devidamente enquadrados naquele salão elegante, mas relativamente pequeno, se iniciou uma conversa que o Presidente conduziu com a mestria e a cordialidade costumeira, com o seu espontâneo à vontade, querendo saber as impressões dos visitantes sobre o que tinham visto até então. Eu só queria adivinhar a impressão que o extraordinário episódio suscitara neles, cerimoniosos orientais, segundo estereótipos aceites!..  

3 - Para o saber, não tive. afinal, de aguardar muito. À saída, esperava-nos um coletivo de jornalistas, uma multidão de microfones e câmaras de televisão para entrevistar o Chefe da Delegação chinesa. Ele, habitualmente calmo e pausado, fez uma intervenção viva e empolgante, para felicitar Portugal por ter um Presidente que era uma figura admirável, um grande humanista, etc etc. O  elogio  continuou por vários minutos! Por fim, um dos interlocutores lembrou que também fora recebido pelo Primeiro Ministro e perguntou-lhe como correra esse encontro. Ao que ele respondeu, em duas sonoras e breves palavras: "Correu bem".~
 Fiquei elucidada...  Moral da história: qualquer que seja o público, a idade, a mentalidade, a etnia, o quadrante partidário ou quaisquer outras particularidades, o que é genuíno tem muita força, muito impacte. O Presidente  Marcelo é, como o Presidente Soares era, capaz de gerar uma grande proximidade  não só com o seu próprio povo, mas com todos os povos, em todos os pontos cardeais. Mário Soares  conseguia projetar Portugal com esse seu dom de simpatia e compreensão universais. Marcelo, ao que parece, também possui o dom! Ei-lo na China a somar resultados.

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