maio 20, 2018

DA EMIGRAÇÃO ATUAL À DIÁSPORA FUTURA

O tema da emigração portuguesa é, para mim, que tenho trabalhado neste setor ao longo das últimas 3 décadas, uma escolha que sugeri, sobretudo porque é bem atual. Com uma singularidade: é atual há mais de 500 anos! . Sabemos quando e como começou, mas não vemos o seu termo na linha do horizonte .Começou com a Expansão, com um projeto régio de controlo dos caminhos marítimos do comércio e de colonização de vastos territórios, mas continuou em ciclos intermináveis de expatriação, que foram desígnio ou necessidade individual. E, sobretudo após o declínio do que poderemos chamar o 1º império português, o do Oriente, com a concentração de esforços na construção do império brasileiro, de tal forma, se interligaram, de facto, os processos colonização e emigração, que se torna impossível aos historiadores traçar com nitidez as franteiras entre um e outro - tarefa que do ponto de vista teórico, jurídico, pareceria fácil, mas que o não é numa perspetiva sociológica e política. Na verdade, emigrava-se, em larga escala, para essa imensa colónia, muito para além do que a Coroa via como desejável para os seus escopos. Claramente o diz Joel Serrão, ao escrever que o êxodo assumia, de uma forma crescente, um carater puramente migratório. Comprova-o, de resto, a política de restrição ou proibição das saídas, que é, com algumas exceções, uma constante ao longo de séculos de história legislativa, neste domínio. Como salienta Joel Serrão e a maioria dos outros estudiosos deste fenómeno numa apreciação diacrónica, foi esta a única política de emigração que conhecemos tradicionalmente. A revolução de 1974 foi, em matéria de políticas de emigração, a única digna desse nome - e veio revelar a importância daquela antiga e singular coexistência de realidades distintas,ao que julgo com uma grande preponderância de projetos individuais e familiares da "pura emigração", implicou modos de relacionamento entre os povos que deram destinos diferentes, opostos aos impérios de fronteira terrestre, que se desfizeram em novas formações nacionais, e às diásporas, que permanecem, na fronteira cultural, com uma vocação de eternidade, dentro e fora do antigo espaço colonial . A descolonização teve, para além do mais, a virtude de permitir a emergência deste outro mundo da lusofonia e da lusofilia, até então completamente subvalorizado ou ignorado. "Há um Portugal maior do que o império que se fez e se desfez", proclamava numa celebração do Dia Nacional, Vitorino Magalhães Godinho. Pouco depois, em 1980, o Primeiro Ministro Sá Carneiro, reconhecia que Portugal foi um País de colónias, hoje é uma" Nação populacional, uma Nação de comunidades" Ainda que no discurso político a Diáspora possa parecer um sucedâneo de coisa perdidas, nunca o foi , nem é.Já existia autonomamente. Mas poderemos talvez considerar que foi a nossa grande descoberta contemporânea. Uma tardia e feliz viagem de achamento...de encontro ou reencontro com quem lá estava desde há muito, no descaso dos governos... A comemoração do 40º ano passado sobre a revolução do 25 de Abril, que decorreu em 2014, foi, pois,para todos os que se interessam pela complexa e multifacetada problemática migratória na vida nacional, um tempo de reflexão sobre o seu significado para Portugal e para os Portugueses, com a promessa, que viria a ser cumprida, de liberdade e de democracia, não só no território, mas nas comunidades do estrangeiro. Um processo abrangente, para todos os Portugueses, também para os da emigração e da Diáspora. Deles falarei em breves palavras. A revolução do 25 de Abril é, neste domínio, uma data maior, a maior de todas, porque veio romper com os obstáculos de ordem jurídico- administrativa à decisão individual de emigrar, rompendo com políticas multisseculares de limitação ou proibição das saídas - mais ainda para as mulheres do que para os homens. Na verdade, o êxodo sem fim dos portugueses pelo mundo, num contínuo encadeamento de ciclos, não fora, nesse passado longo, como disse, nunca, inteiramente livre. E a democracia nascente vinha também restituir aos emigrantes o seu direito de cidadania, de participação política, contra uma tradição de absoluta exclusão da comunidade nacional, uma verdadeira "capitis diminutio", que os atingia mal atravessavam a fronteira terrestre para viver no estrangeiro. Foi, pois, uma revolução de princípios e conceitos, com imediato reflexo a nível dos direitos individuais. A centralidade dada às questões da emigração revela-se, na cronologia das medidas políticas tomadas nesta área, antes de mais, pela criação, logo em 1974, de uma Secretaria de Estado da Emigração. A nova Secretaria integrava os serviços preexistentes do Secretariado Nacional da Emigração, a partir dos quais se haviam planificado e executado, nas vésperas da Revolução, as primeiras medidas de apoio social e cultural às comunidades do estrangeiro, sobretudo na Europa. Todavia, é com o novo regime que essas políticas embrionárias se vão desenvolver, nomeadamente no que respeita à representação política, à aceitação da dupla nacionalidade, à defesa activa dos direitos dos portugueses, à atenção dada ao associativismo, ao ensino da língua, à informação (alguns anos mais tarde, potenciada com as emissões da RTPI, um privilegiado instrumento ainda hoje subaproveitado), ao apoio ao regresso voluntário ao País, através de um conjunto de benefícios fiscais e de empréstimos a juros bonificados. para aquisição de casa própria ou para lançar empreendimentos - medidas cuja eficácia se viria a comprovar nos anos seguintes. A reinserção de centenas de milhares de portugueses, vindos, sobretudo, de França e de outros países do nosso continente, foi de tal modo por eles planeada neste contexto, que se consumou numa infinidade de regressos "invisíveis”. Estou já a pensar na década seguinte, antecipando avanços conseguidos: a revolução significou, no imediato, a vontade de consolidar um “estatuto dos expatriados”, mas só depois este foi sendo materializado, em novas configurações de direitos, e em práticas, a um ritmo lento, que é o ritmo a que mudamos preconceitos e mentalidades. Há ainda muito por fazer para uma "cidadania de iguais", fora das fronteiras geográficas, isto é, para corporizar o projecto de representação política e de igualdade de direitos no campo social e cultural, erradicando, de vez, o "paradigma territorialista" dominante até 1974. Até então, a ausência no estrangeiro implicava a perda de todos os direitos políticos e da própria nacionalidade (se os portugueses voluntariamente adoptassem a de outro país e, no caso das mulheres, mesmo contra sua vontade, automaticamente, pelo casamento com estrangeiros) e\ de outros direitos, como o do acesso ao ensino da língua, de que o Estado nacional não curava - as primeiras políticas de intervenção, em meados do século XX, limitavam-se ao acompanhamento da viagem atá ao ponto de chegada, onde os emigrantes ficavam entregues a si próprios. Foi a dinâmica do associativismo, que, nos países de acolhimento, soube, quase sempre e por todo o lado, substituir-se ao Estado. O trânsito para o" paradigma personalista", na definição de Bacelar de Gouveia, ir-se-á concretizando num estatuto de direitos de cidadania à medida da Nação e não só da terra portuguesa. Um novo Direito, um "acquis" da Democracia. O nº 1 do art. 46º da Constituição de 1976 estabelece que : "Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos políticos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos". Pela primeira vez, os portugueses emigrados são eleitores de representantes na Assembleia da República, mas não ainda com um “voto igual”. De facto, o nº 2 do art. 152º, restringe a aplicação do sistema proporcional aos círculos territoriais e o regime de exceção vai servir para impor, na lei eleitoral, um teto de apenas quatro representantes em dois círculos próprios da emigração, europeia e transoceânica, com menos de 2% do total dos membros da Assembleia, para uma população que se estima em 30% - embora se deva reconhecer que são muito menos de 30% os potenciais recenseados no estrangeiro. Nos outros actos eleitorais, a Constituição de 1976 exigia a residência no território nacional (art. 124 para o PR) ou na área territorial da autarquia (art. 246º nº1 para as freguesias e art. 252º para os municípios). No que respeita às regiões autónomas, não há dispositivo semelhante, mas a questão não foi equacionada nos respectivos estatutos político administrativos. O sufrágio na eleição presidencial viria a ser alcançado, entre públicas controvérsias e difíceis negociações inter partidárias, na revisão Constitucional de 1997, com as exigências formuladas no nº2 do art. 121: "A lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional". Mais restritivo é ainda o nº 2 do artº 115, que prevê a sua participação nos "referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito". Nos referendos já realizados os emigrantes não foram consultados, por terem sido vencidas as propostas que lhes davam esse direito. Não poderei alongar-me, aqui, sobre as vicissitudes de processos de legiferação, em que fui interveniente, ao longo de mais de 20 anos, sempre em favor do alargamento do estatuto político dos expatriados, a nível nacional, autonómico e autárquico, com base em exemplos do direito comparado - como o de Espanha que atribui aos seus expatriados o direito de voto a todos os níveis. Direi, apenas, em síntese que, a meu ver, entre nós, os partidos atuaram, regra geral, de acordo com as suas subjectivas expectativas sobre o sentido de voto dos emigrantes. Os que se consideravam por ele prejudicados desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão do eleitorado da diáspora, artificialmente engendrada pelos prosélitos do sufrágio. Ao fim de 40 anos de experiência democrática já não restam dúvidas sobre o irrealismo dos receios: no estrangeiro o universo eleitoral é reduzido e estável, com cerca de 260.000 recenseados e cada vez maiores taxas de abstenção. Na Espanha, só a Galiza tem muito mais eleitores do estrangeiro e, sobretudo, muito mais votantes. Creio que o clamor sobre a anunciada avalanche de votos "de fora", que, redobrou a partir da aprovação da Lei nº 73/8, popularmente chamada "lei da dupla nacionalidade", se ficou a dever a confusão entre emigrantes recentes - os que, tendo passaporte português, podem recensear-se voluntariamente e, em larga maioria, note-se, não o fazem - e os da Diáspora, cuja ligação ao País passa por laços afectivos e pela intervenção cultural, não pela política. A meu ver, há que deixar aos próprios emigrantes e seus descendentes a escolha da forma de manifestação dos seus sentimentos de pertença, não sendo, pois, legitimo nem desvalorizar nem pretender retirar à minoria de participantes na vida política os seus direitos inalienáveis, em nome de uma maioria que se reconhece em outras formas de "ser português". Um organismo criado na confluência destas diferentes vertentes de afirmação de pertença foi o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), nos moldes originalmente propostos pelo DL nº 373/80. Nele tinham assento representantes eleitos das associações, independentemente de serem ou não de nacionalidade portuguesa. Era uma órgão consultivo do Governo, presidido pelo MNE, uma plataforma de encontro e articulação de acções entre comunidades dispersas e praticamente desconhecidas entre si, e de co-participação nas políticas destinadas a um mundo tão plural. Um órgão de consulta pensado para as duas vertentes, para a emigração antiga, com a força das suas aspirações e projectos culturais, e para a mais jovem, com a pressão dos seus problemas e reivindicações sociais. Nem sempre foi fácil o diálogo entre ambas e teria sido talvez preferível, como continua a propugnar Adriano Moreira, a instituição de estruturas específicas para cada uma delas. No CCP, a última acabou por ter mais visibilidade e mais voz, deixando na sombra os consensos naturais no domínio cultural - que é sempre, por excelência, o lugar de uma solidária partilha das raízes matriciais - e focando, essencialmente, as questões laborais, sociais e políticas do quotidiano, as divergências ideológicas e partidárias, que, fora como dentro do país, se confrontavam na sociedade portuguesa. Foi, assim, o espaço de uma esplêndida vivência democrática, que, porém, desde a primeira hora, marcou o Conselho com uma imagem de conflitualidade mais do que de cooperação e solidariedade, que, por sinal, existiram em muitas matérias. Terá sido essa aparência mediática que, a partir de 1988, levou o governo a suspender as suas convocatórias, a silencia-lo, antes de o substituir por uma estrutura insólita, composta de múltiplos colégios eleitorais, que era patentemente inoperacional. Em 1997, o CCP ressurgiu em novo figurino, passando a ser eleito por sufrágio directo e universal, ou seja, reservado a emigrantes com nacionalidade portuguesa. O Conselho teve, assim, várias vidas entrecortadas, um percurso acidentado, em cuja fase inicial pude intervir mais diretamente, como membro do governo, em representação do MNE. Depois, por inerência de funções, como deputada do círculo de “Fora da Europa”, continuei a colaborar nos trabalhos de conjunto, acreditando sempre na sua capacidade de ser o grande "forum" democrático da emigração. Uma espécie de 2ª Câmara consultiva, uma "assembleia" - título que passou a assumir, ultimamente, o antigo "Conséil" francês. Uma instituição que deveria ser consagrada na arquitectura da Constituição, para ficar ao abrigo do poder discricionário dos governos. O tema foi discutido na AR, em 2004, por iniciativa da Sub comissão das Comunidades Portuguesas, a que eu, então, presidia . A ideia persiste, foi ali analisada construtivamente por eminentes constitucionalistas e pode vir a ser lei, um dia, não sabemos se e quando... No domínio das políticas da emigração e da diáspora avança-se a par e passo. Falar de uma e outra, em conjunto, não significa esquecer que há uma gradação no conhecimento e reconhecimento público, que subvaloriza a realidade da diáspora face à da emigração do presente. Os movimentos migratórios sempre foram vistos, e ainda o são, numa perspectiva principalmente economicista. - envio das remessas, investimentos e benfeitorias locais, o chamado "comércio étnico", tudo o que é materialmente palpável - desvalorizando outros aspectos, como o esforço para expandir o espaço cultural português na densa rede de instituições, de que são feitas as comunidades portuguesas. Na ligação entre movimentos migratórios e diáspora, aqueles surgem como causa (ou concausa) e esta como sua dimanação, graças à enorme propensão associativa, com que nos temos singularizado, em todos os tempos e lugares. Comunidades organizadas, espaços de vivência nacional... Sabemos que a revolução de 74 veio derrubar uma ditadura, pôr fim ao impasse de uma guerra sem sentido e sem futuro, fechar um ciclo colonial e repor o Estado nas suas fronteiras geográficas europeias. Não veio, antes pelo contrário, pôs fim a essa presença universal dos portugueses, que sempre teve "vida própria" numa espontânea convivialidade, em relações de vizinhança e de cooperação, à margem dos desígnios ou poderes do Estado. É certo que a nossa tradição migratória começou o seu curso ligado ao projecto do Estado de expansão marítima e de colonização de possessões, mas logo o transcendeu. Um projeto estatal aparentemente desmesurado e para o qual não havia paradigma, não havia lições a aprender... Era enorme o risco de perder o certo pelo incerto, mas nunca faltou gente para servir a incerteza da aventura, indo cada vez mais longe, dominando um todo geográfico cada vez mais vasto, a partir de uma população de somente cerca de um milhão pessoas. Logo no século XVI, o movimento envolve quase um terço da população total – mais de 280.00 homens, segundo Vitorino Magalhães Godinho. Uma impressionante média anual, que sobe no século seguinte para cerca de 8.000, no século XVIII para 40.000 e atinge novos máximos nos séculos XIX e XX. Estamos a falar, globalmente, de números na ordem de milhões. E as partidas assumiam, como disse, cada vez mais, o carácter de aventura individual, privilegiando o imenso Brasil. As políticas que procuravam regular os fluxos migratórios iam inevitavelmente no sentido de os restringir, ou mesmo de os proibir. Movimentos incessantes, uma autêntica cultura de expatriação... Talvez por isso os historiadores da emigração portuguesa (Joel Serrão, por exemplo) não resistam a olhar as partidas ininterruptas de 500 anos e não apenas de 150 ou 200 anos de migrações, em sentido estrito. De facto, não se consegue traçar, com precisão, os contornos da passagem de um ao outro dos fenómenos – o último a suscitar maior confronto entre vontade do Estado e a do povo, entre uma emigração que os governos não pretendiam naquela dimensão, ou para aquelas paragens. Ou que queriam apenas temporária, mas que os protagonistas converteram em definitiva, sobretudo quando se generalizou a saída de mulheres, de famílias inteiras. O regresso definitivo era a parcela menor e não aumentou após a independência do Brasil, que continuou a atrair vagas (crescentes...) de portugueses. As duas grandes migrações de retorno aconteceram só na segunda metade do século XX: a da Europa, voluntária, bem preparada, gradual, ano após ano, atingindo o auge nas décadas de oitenta e noventa - e a de Africa, no curto período da descolonização, súbita e dramática, com cerca de 800.000 retornados a Portugal e muitas dezenas de milhares a reemigrar. O Brasil foi, então, único país que abriu as fronteiras a todos os portugueses, sem olhar a idade, formação profissional, saúde ou fortuna. Um gesto de fraternidade muito concreto, a não esquecer! O retorno de África vinha em contra corrente, depois da maior emigração de sempre, que fora a dos anos cinquenta e sessenta, apenas estancada, em setenta, pela crise económica mundial. Saíram então quase 2 milhões (para a Europa mais de 1.200.000, para novos destinos transoceânicos, como a Venezuela, Canadá, RAS, Austrália, mais de 500.000). A chegada, em 74/75, de quase um 1.000.000 de portugueses parecia uma situação impossível de gerir. Não foi. Fica para a nossa história e para exemplo geral, o modo como superaram perdas e mágoas inenarráveis, encontraram lugar no país e contribuíram para o seu desenvolvimento. Sucesso assente em políticas de integração, na solidariedade familiar, mas principalmente nas próprias pessoas, no seu perfil empreendedor, na sua vontade de recomeçar a vida, num meio tão diferente, relativamente tão pequeno. Impressionante foi a sua aceitação local, o seu ascendente, revelado no número dos que foram eleitos para cargos autárquicos, logo nas primeiras eleições livres. Um tema a merecer mais estudo e mais destaque do que o que lhe tem sido dado. É sobre as causas sociais e económicas da emigração portuguesa que as atenções se têm concentrado. Há as estatísticas das partidas dos homens, a que se juntam as do retorno das remessas. Por trás dessa densa cortina de números, mal se adivinhavam outros feitos, outras verdades. A Diáspora era praticamente ignorada, não só pelos políticos, como pelos tratadistas e investigadores da nossa emigração. Até à convocação dos Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, em 1964 e 1967, por iniciativa de Adriano Moreira, presidente da Sociedade de Geografia, ninguém dedicara mais do que uns breves parágrafos à existência de comunidades portuguesas, organizadas numa base institucional, que lhes garantia a sobrevivência, para além das primeiras gerações de imigrantes (coisa que ninguém imaginara possível). Ora, de facto, tudo o que políticos e académicos viam como compensação de um êxodo de tamanha dimensão - as riquezas do comércio, da exploração de recursos de vastas possessões, e, em cada época, as remessas de emigrantes, tiveram o seu tempo e com ele se desvaneceram. O que resiste é a parte que escapou à perceção de todos - a criação pelos Portugueses de um incomensurável espaço de lusofonia e de lusofilia, a língua, as comunidades portuguesas, e para além delas, um mundo de memórias que hibernam, à espera de uma chamada, de uma aproximação, para ressurgir. Citando Jorge de Sena :“solúvel e insolúvel este povo, na memória dos outros e na sua própria”. Serão estas as maiores das retribuições de um êxodo excessivo - a virtude do excesso… Em primeiro lugar, a língua. A língua, viva em todos os continentes, é muito mais o resultado desta expatriação voluntária, em massa, e do relacionamento quotidiano entre os portugueses e os seus vizinhos de outras falas, do que do poder soberano exercido num território. O uso da língua não se decreta sem falantes! Veja-se o caso paradigmático do Brasil, para onde foram tantos portugueses, contrariando leis e ditames dos governos, que procuravam canalizar essa corrente migratória para as colónias de África (onde, aliás, nem sequer estavam criadas as condições efetivas para o seu aproveitamento). Medidas polémicas, contra as quais se insurgiram os que viam nas novas correntes migratórias condição necessária para preservar a herança linguística e afetiva num Brasil independente, aberto ao acolhimento de outros europeus. Afonso Costa foi um dos que tomou partido, claramente: "Não cometamos o crime de lesa pátria de embaraçar a emigração para o Brasil ou de ali nos deixarmos vencer por qualquer outro povo migrante". Em causa via, certamente, a língua, sobre a qual Joaquim Nabuco, discursando no Gabinete de Leitura do Rio de J, no 4º centenário de Camões havia proclamado: “A tua glória não precisa mais dos homens. Portugal pode desaparecer, dentro de séculos, submergido pela vaga europeia, ela terá em 100 milhões de brasileiros a mesma vibração luminosa e sonora ” (100 milhões, então, mais de 200 milhões agora!). António Cândido, no 4º centenário da Descoberta do Brasil, celebrado a 19 de Maio, no Teatro de São João, do Porto, enunciara, por outras palavras, a mesma ideia - força: “Temos uma longa vida nacional. Não nos escasseiam meios de a nutrir, não nos falece a coragem para a defender. Mas, se, por fatalidade acabássemos, se (…) uma terrível catástrofe geológica submergisse esta parte do continente europeu (…) lá ficariam no Brasil para sempre, o seu sangue, a sua alma, a sua língua. E, noutro passo: “Poderá a história ser esquecida, poderá o interesse volver-se contrário: resistirá a tudo a afinidade espiritual, a aliança pela língua será eterna.” Língua europeia, americana, africana, asiática, universal. Legado de partilha de vida, de convivência de gente comum, que a força do poder imperial não contaminou… Uma última referência às comunidades da emigração - comunidades inteiramente construídas pelos cidadãos, perante o absoluto descaso do Estado. O fim do império coincide com a atenção dada às comunidades, antes apenas se podendo excecionar as realizações de Adriano Moreira, os dois grandes Congressos, dos quais emergiram a “União das Comunidades de Cultura Portuguesas" e a "Academia Internacional de Cultura Portuguesa". Vitorino Magalhães Godinho afirmou numa celebração oficial do dia 10 de Junho: “Há um Portugal maior do que o Império que se fez e desfez e que é constituído pelos portugueses, onde quer que vivam” Também Sá Carneiro vê um Portugal maior :“Foi uma Nação de colónias. Hoje não é apenas uma Nação territorial, é uma Nação populacional, uma Nação de povo (...)“uma Nação de Comunidades”. “É uma cultura, mais do que uma organização rígida”. A existência da nossa Diáspora precedeu, assim, em vários séculos o seu conceito, o seu reconhecimento. Diáspora que soube organizar-se, para sobreviver, através de um poderoso impulso associativo. No Brasil, o primeiro e o máximo paradigma, com os Gabinetes de Leitura, os Liceus e os Grémios Literários, instituições muito prestigiadas, com as Beneficências e os seus hospitais, que estão entre os maiores e melhores do país, com grandes clubes sociais e desportivos. Por todo o lado onde se fixaram, os portugueses deram vida duradoura a organizações centradas naquelas três áreas (cultura, apoio social, tradições de convívio), associações idênticas nos seus propósitos, apesar de se ignorarem entre si. Semelhança que se deverá ao facto de se inspirarem em modelos da terra de origem. Portugal, o país das migrações sem fim... Assistimos hoje a um dramático recomeço de ciclo , a exigir dos governos o cumprimento dos seus deveres constitucionais em políticas de defesa dos direitos dos emigrantes e de difusão da língua e da cultura. O êxodo dispersa agora os portugueses por uma multiplicidade de países em todos os continentes, acentuando a que já era uma das características da nossa emigração. Mais emigrantes, mais mulheres, esperança de mais diáspora futura, mais Portugal no mundo

maio 16, 2018

SÉRGIO, UM TREINADOR PORTISTA, UM TREINADOR À PORTO 1 - Para mim, festejar um título é sempre subir ao céu (ao céu muito azul), mas o campeonato ganho neste maio de 2018, foi especialíssimo! Fez renascer a esperança no recomeço de um longo ciclo vitorioso, e acordou memórias da primavera de 1956, de um outro campeonato alcançado contra a predestinação, o impossível, ou, talvez, afinal, simplesmente, forças mais ou menos ocultas. 1956! A primeira vitória azul e branca no meu tempo de vida, quando o centralismo nacional ditava o vencedor antecipado, com regras não escritas, mas cumpridas (como nas eleições em ditadura). Só os da minha geração (privilégio da idade) podem comparar, em tudo o que têm de espantosamente semelhante, duas equipas separadas por mais de sessenta anos de história - a de Yustrich e a de Sérgio Conceição. Em ambas, sobressai o treinador, que as impulsiona à sua imagem, unindo um coletivo, em que todos são iguais. Ambas entram em campo de rompante, e partem para o ataque, com a intensidade que o líder lhes inculca, sem nunca vacilar ou desistir. Ambas se apresentam desfalcadas de nomes sonantes, parecendo de menos para o feito enorme que se lhes exige. De fora, poucos acreditam que o conseguirão, porém, eles - Sérgio, como Yustrich, e os seus jogadores - não têm dúvidas, só certezas de alma! Se quisermos ir ao pormenor, poderemos ver no veloz gigante que é Marega um avatar de Jaburú, no artista que é Brahimi o de Hernâni, e em Sérgio Oliveira o de Monteiro da Costa, "quinta essência" da entrega à luta e de orgulho nas cores da camisola. 2 - Um regresso ás origens... de resistência à adversidade e ao desfavorecimento dos poderes instalados. A primeira vida do FCP decorreu, invariavelmente, assim. Mais obstáculos, mais dificuldades, forjaram o seu caráter. Triunfos com a dimensão da utopia, criaram a sua mística. O sumptuoso troféu que o Povo da cidade lhe ofereceu quando, num "match" particular, derrotou o nº 1 do mundo, um Arsenal no apogeu, era já o prenúncio de uma ambição sem limites, que havia de levá-lo ao patamar proibido - o de campeão do mundo de clubes. A segunda vida do FCP começa, (como não poderia deixar de ser), numa revolução libertária, em 1974. A revolução chegou ao futebol, com uma inesperada "viragem a norte" e a marca de Jorge Nuno Pinto da Costa. [44 anos depois, note-se, semelhante rotura está ainda por fazer na política, onde o centralismo, herdado da ditadura, mantém o cerco às atividades económicas, culturais, sociais, fora de Lisboa]. Em liberdade, o FCP pode ser igual, Em igualdade, pode ser superior. Do plano nacional ao internacional. Não era milagre, era organização, modernidade, rigor, liderança... As estruturas organizacionais criavam valores, convertendo jovens desconhecidos, vindos de todo o lado, em estrelas, e apostando em técnicos e treinadores portugueses, que ganharam fama universal - na senda de Artur Jorge e de Mourinho. Dir-se-ia o "toque de Midas"! 3 - A época de ouro teve o seu ocaso numa longa e dura a travessia do deserto de títulos. Em 2017, com o plantel depauperado e um orçamento zero para contratações, por imposição das regras de "fair-play" financeiro, parecia não haver treinador de renome que aceitasse um convite do FCP. E eis que surge em cena um "voluntário", capaz de trocar o certo pelo incerto, disposto a reduzir a metade o valor do contrato que o ligava a um dos grandes de França e pronto para a missão impossível de salvar o Dragão - o seu clube. Sérgio, o resistente, que desde menino soube viver com pouco, conviver com a injustiça e nunca se dar por vencido. Não era, ao que consta, uma primeira escolha, mas foi, sem dúvida muito melhor do que qualquer outra teria sido. À chegada, deixou bem claro que vinha para ensinar, não para aprender. E assim foi. Consigo trouxe, de facto, não só o saber muito de futebol, em termos teóricos e práticos, mas também "a arte de ensinar a arte", de levar cada um a redescobrir-se, na sua capacidade de evolução, não apenas individual, mas como parte de um todo. Não é para qualquer um - é só para génios! Como Mourinho, que, nas primeiras declarações, afirmou que, no ano seguinte, iria fazer do Porto campeão - e fez! - para tal lhe bastando dois reforços do Leiria e um do Setúbal, contratados a custo reduzido, Chamavam-se Derlei, Paulo Ferreira e Nuno Valente, aos quais se juntou o incomparável Ricardo Carvalho, que andava emprestado. Paradigmático, na tradição de Mourinho, o modo como, inteligentemente, conseguiu adaptar as disponibilidades à sua ideia de jogo (ou as táticas às disponibilidades...), como transformou em mais valias, jogadores " descartados" pelos seus diretos predecessores. Recuperação profissional, recuperação humana, numa rota de transcendência, de emoção, que, de imediato, passou às bancadas, e arrastou multidões no movimento imparável para a vitória Assombroso o ensinamento de Sérgio, que vale tanto para avaliar o passado recente, (nomeadamente, a "performance" dos seus antecessores) , como para preparar o futuro, de preferência com ele. Sérgio Conceição foi um jogador que admirei imensamente e um treinador em quem sempre acreditei - o que, em tempos recentes, só com Villas Boas acontecera. No que estava muito bem acompanhada. Antes de ser, nesta segunda veste, entronizado na história do FCP, já ele era o herói do povo. E o povo também jogou neste campeonato!

maio 13, 2018

carta a um primo que não gosta de futebol - SOBRE O MEU FCP CAMPEÃO

Muito obrigada pelo "Vivó Puarto"! No sotaque mais tradicional até pode ser "Bibó Puarto"... O que me faz lembrar um episódio passado com Mário Soares (estou sempre a lembrar-me dele, mas a verdade é que é figura central da maioria das memórias divertidas da minha passagem pelas margens da política). No que respeita a futebol era a tua alma gémea. Não só não o apreciava como o conotava com o velho regime. Quem gosta não pensa assim, a beleza do jogo resiste a qualquer tentativa de aproveitamento político. Eu, por exemplo, com a ditadura só conoto o Benfica, "clube do regime", clube imperial, arrogante, megalómano, símbolo do poder, não do desporto... Voltando à história do Dr Soares: ele não valorizava o espetáculo nos relvados, mas respeitava a instituição, não faltando às comemorações dos títulos, que o FCP, em democracia, passou a ganhar com regularidade. Encontrei-o, várias vezes, no pavilhão das Antas,naturalmente, mas num ano, não sei porquê. houve, também, celebrações a sul, no casino do Estoril. E lá estava o Presidente Soares e eu ao seu lado, em representação da Assembleia. O programa foi absolutamente atípico - não houve discursos, nada... apenas o jantar, acompanhado por um "show", repetitivo, pois os diálogos e as canções eram-nos apresentados em português e, depois, em inglês... Tenho uma vaga ideia que envolvia piratas... O Dr Soares suportava o "show" de olhos fechados, como que a dormitar, e, quando as as luzes se apagavam, e "acordava", logo que ouvia o som das palmas. Até que, do fundo da sala, alguém soltou um brado, que encheu a sala: "Biba o Puarto, c-----!". (C----- , a versão branda do gripo de guerra, que, nas celebrações deste ano, nos Aliados, fez furor). O Dr Soares abriu os olhos, voltou-se para mim e disse: "Até que enfim, alguma coisa de genuíno!" A Dr.ª Maria Barroso pertencia à mesma escola de pensamento. Custava-lhe ver o sobrinho Eduardo Barroso a alardear, o seu clubismo (sportinguista) na TV e parecia-lhe estranho o facto de ele ser muito mais conhecido no país inteiro pelo seu expressivo discurso nesses programas ligeiros de comentário do que pela sua excecional classe como cirurgião (pioneiro dos transplantes, em Lisboa, como o nosso primo Mário foi, a norte, no Santo António). O Alfredo Barroso é, também, mestre nesta ciência e sportinguista, como o primo Eduardo, embora muito mais comedido na análise. O tio Mário Soares, pelo contrário, fazia gala em revelar o seu desinteresse na matéria. Segundo me contou um ilustre dirigente portista, o Dr. Soares, que assistia assistia a um jogo no camarote presidencial, no momento em que as equipas entravam em campo, perguntou-lhe, com toda a naturalidade: "Quantos são de cada lado?".(Esta é história, que não posso garantir, não a testemunhei...). Eu nunca pertenci ao "plantel" daqueles programas semanais de grande audiência, exceto um,da RTP, em que os comentadores eram numerosos e chamados rotativamente, de longe a longe, e em que me recordo de ter coincidido, com José Lello e com Alfredo Barroso. Foi há tantos anos, que já me esqueci como se chamava... Mas estive, muitas vezes, em outros esporadicamente dedicados ao futebol, em entrevistas do "Expresso da meia noite", das manhãs e tardes da RTP/Porto, da Sónia e do Jorge Gabriel, do Malato e da Merche, ou, em Lisboa, da Maria Elisa. E, durante mais de um ano, participei num programa semanal, de 2ª a 6ª feira, na Rádio Comercial, com um título de sabor sulista: "Os cinco violinos". Cada um dos cinco intervenientes tinha um dia da semana reservado para o seu apontamento de um a dois minutos - lido pelo telefone. Como eu, então, viajava constantemente, falei de destinos tão longínquos como Hong-Kong, Buenos Aires, Los Angeles, Tóquio... ou mais próximos, como Paris e Bruxelas, sem falhar uma única vez... Foi obra!. Com o Zé Lello, num desses debates, a figura central foi o Jardel, na sua última fase, já de declínio no Sporting. Mesmo tendo deixado o FCP, Jardel continuava sendo o meu ídolo e, ali, me tornei a única voz que se levantava em seu favor, com os argumentos de um afeto antigo... No intervalo, enquanto tomávamos café. o Zé Lello informou-me, direto e sintético : "Manuela, já não posso mais ouvi-la a falar do Jardel - parece a Santinha da Ladeira!". Com a Merche, o pomo da discórdia foi o celebrado Ronaldo. Ela considerava-o o melhor do mundo e pedia apoios para uma espécie de "abaixo-assinado", que corria mundo, a exigir esse reconhecimento. Eu, pelo contrário, achava que superior a Ronaldo, e muito mais influente na produção de jogo da seleção, era Deco, o melhor jogador que vi em campo, em toda a minha vida. Só tarde demais, depois de ter discorrido, alegremente, sobre as superiores qualidades do meu favorito, é que, de súbito, me lembrei que a Merche era namorada de Ronaldo! Ela, muito simpaticamente, não levou a mal as minhas palavras, mas, em conversa, depois que as luzes do estúdio se apagaram, perguntou-me, com amável curiosidade: "A Manuela é amiga do Deco?". Esclareci que não, só o conhecia a muitos metros de distância, do relvado dos estádios... Com o Jorge Gabriel, na véspera de um FCP-SCP, em que o palco estava cheio de adeptos das duas claques, com os seus coloridos cachecóis, o dissenso foi sobre guardas-redes, o do Sporting, que era a escolha de Scolari para a seleção (uma escolha que nos custou o campeonato da Europa...), e o do Porto, o mítico vitor Baía. Como o tempo estava esgotado, a imagem passava já com as letras e o som do genérico, eu recorri ao único meio ao dispor, levantei-me e gritei "Baía", logo secundada pela claque azul e branca, aos saltos, no que eu os acompanhei. A imagem falou por si - um final feérico. Foi impulso, porque, em regra, na TV sou mais contida... Nessa tarde, uma amiga da minha mãe telefonou-lhe a contar que me tinha visto, no ecrã, a dançar! Tudo isto te deve parecer bizarro... Se, porém, no futebol não partilhámos gostos, já no óquei em patins estamos e estivemos bem sintonizados, desde crianças. Também eu seguia, pela rádio, os relatos da seleção. O entusiasmo clubista era incomparavelmente menor, pelo menos aqui no norte, porque os campeões eram lá de baixo (Paço de Arcos, etc). Um dia, quando a seleção estava em estágio, escrevi aos jogadores, a pedir autógrafos e eles responderam-me, de imediato. Guardei sempre a carta como um tesouro, que, agora, tenho de procurar. No colégio do Sardão, as infra estruturas desportivas eram esplêndidas - parecia um colégio inglês: "court" de ténis, ginásio polivalente, mesas de ping-pong, campos de volei, andebol e basquetebol, pistas para bicicletas e até um ringue de patinagem. Só faltava a piscina. Lugar já havia, muito bonito, rodeado de uma pérgola, mas a obra não avançou por questões atinentes aos bons costumes... Entre as freiras, a ala conservadora e a progressista nunca se entenderam quanto ao traje: fato de banho normal ou um modelo especial, com saia até ao joelho (como era obrigatório na ginástica e nos desportos de campo). O pior era o ritmo de vida do internato, o desconforto dos dormitórios, os duches de madrugada, a missa matutina, a anteceder o pequeno almoço, as marchas de braços atrás das costas pelos longos corredores, o confinamento (embora numa grande casa rodeada de uma enorme quinta, que terá pertencido a Almeida Garrett). O melhor era desporto, que, contando os tempos de recreio, me ocupava várias horas por dia. Horas felizes! Nem sei se era particularmente dotada para a prática desportiva, ou não. Penso que não, mas compensava qualquer défice com velocidade e entusiasmo, levando tudo (e todas) pela frente. Temível... No futebol, imitava o Séninho, um célebre extremo do FCP, que batia todos na corrida, e arriscava sair pela linha de cabeceira, com a bola... O Séninho acabou bem a carreira, do Porto transitou, com um contrato milionário, para a América, onde, então, o "soccer" dava os primeiros passos. Para a cultura americana, falta ao "soccer" o condimento da violência, que abunda no futebol americano e no óquei sobre o gelo, que não é muito mais "civilizado". A última vez que assisti a um jogo de óquei foi em Toronto e, por sinal, a equipa mais dura estava a ganhar, e o espetáculo decorria mansamente. Para compensar a sensaboria, os grandes ecrãs, suspensos do teto, transmitiam imagens terrivelmente agressivas de jogos anteriores, para "animar a malta". Fiquei estarrecida... O futebol feminino, que só conheço pela TV, é muito bonito, menos violento, menos faltoso e cada vez mais tecnicista. EUA e Canadá apresentam excelentes seleções, a par da China, da Alemanha, da Suécia, do Brasil... Nós estamos longe do topo, mas vamos evoluído. Todavia, as Doroteias do Sardão, nos anos 50, tinham colocado o futebol no "index". Proibição e penas pesadas para chutos na bola! Nada que me dissuadisse de organizar partidas clandestinas. Em geral, começávamos pelo legalíssimo andebol, que passava a futebol, logo que víamos a vigilante, sentada num canto e absorvida em leituras e orações. Um dia, porém, numa pausa da leitura, houve uma que percebeu a diferença entre as duas modalidades... Presumiu - e bem - que a responsável pelo desacato era eu e denunciou-me. Fui, de imediato, levada ao gabinete da Madre Superiora, em estado de crescente preocupação com a sentença que me esperava. Os castigos rotineiros pouco me ralavam. O mais comum era escrever qualquer coisa edificante, umas 500 vezes. Neste caso, poderia ser: "As meninas bem comportadas não jogam futebol". Ou, em alternativa, ficar isolada nas pequenas celas onde decorriam lições de piano - fora do horário das lições, naturalmente. Durante uma ou duas horas, era coisa muito agradável, ca companhia de um livro ou de um caderno para escrever (uma vez deixei-me lá ficar pela noite dentro e as freiras andaram angustiadamente à minha procura e, quando deram comigo, esquecida no quartinho do piano, pediram-me desculpa, em lágrimas, e, de seguida, deram-me um jantar melhorado. Na verdade, a porta estava aberta, eu podia ter saído, mas estava distraída, estava bem... Porém, castigo para delitos mais graves podia chegar à proibição de saída no fim de semana. A bomba atómica dos castigos, raramente aplicável, porque, na verdade, atingia a família inteira. Pessimista, era o que eu antecipava no trajeto de ida ao encontro da Superiora. Ela recebeu-me, com um inesperado sorriso e disse-me palavras ainda mais inesperadas. Em síntese, isto: "Manuela, o futebol não é um desporto próprio para meninas. Não podes organizar jogos com as tuas colegas. Nunca mais! Mas eu compreendo a tua paixão pelo futebol e por isso, para ti, vou abrir uma exceção. De hoje em diante, tens a minha autorização para jogar - as outras não! As "Madres" também podem ser pessoas sensíveis e com sentido de humor... Para mim, foi um momento inesquecível, porque lhe achei muita graça e porque, assim, ficavam garantidas as minhas 48 horas de liberdade e uma provável excursão dominical ao estádio das Antas. Claro que continuei a organizar torneios de futebol, em que era a maior goleadora, e, que me recorde, nunca mais fui apanhada em flagrante delito. Pertenci sempre ás "seleções" do colégio, nos desportos permitidos, o que não significava grande coisa. Apesar de termos um excelente treinador (Edgar Tamegão, campeão em não sei quantos desportos). a matéria prima era tão fraca, que nunca fomos longe. Tal como a Raquel fico nervosa quando pressinto risco de fracasso nas minhas equipas e, cada vez mais, evito enervar-me... Noutros tempos, aguentava firma na bancada. Tenho, há muitos anos, o meu lugar anual na bancada central do Dragão e estou prestes a receber o meu emblema de ouro (podiam ser muitos mais, não fosse o hiato, de que falo adiante). De qualquer modo, nos jogos mais emocionantes, cedo o meu cartão a uma afilhada, bisneta da Tia Carolina, a Teresa, que é tão "fanática" como eu, tem menos cinquenta anos e nervos de aço! No lugar ao lado, senta-se o irmão, António. Faz anos em julho, mês de renovação de assinaturas, pelo que lhe ofereço o lugar anual como presente. É o meu companheiro habitual no Dragão, quando lá vou, como, nos meus tempos de juventude, eram os seu bisavô Serafim e o seu avô António. Não falhávamos um jogo nas Antas. Em criança era com o meu pai que ia ao estádio, e foi ao seu lado que festejei o "meu" 1º título do FCP, em 1956 (depois de 13 anos sem conhecer a euforia da vitória). O treinador era Yustrich, um brasileiro, de Minas Gerais, de ascendência alemã. O nosso ídolo! Um vanguardista, no que respeita a treino, estágios, concentração na véspera dos jogos - na altura. o "jamais vu"... As vedetas de então ensaiaram uma variante da "revolta na Bounty". Foram todos borda fora, e, depois, ele conseguiu fazer uma equipa fantástica. Homem de afrontamento, afrontou também a direção, o presidente Dr Cesário Bonito e os outros. Acabou despedido, com p povo azul e branco, ao seu lado, então e para sempre! Muitos portistas, entre eles o meu pai, ano auge da indignação, rasgaram o cartão de sócio. Portistas de alma, mas não de cartão... No ano seguinte, o FCP voltou à rota descendente, e poucos títulos nos deu, até aos tempos novos da revolução de 74. No futebol, a revolução foi capitaneada por Pinto da Costa. O centralismo perdeu, a regionalização avançou. Na política, não! 44 anos depois, Portugal continua a ser dos países mais centralizado da UE, uma espécie de México da Europa... E, por hoje, basta de futebol! Prometo não voltar ao tema.

março 09, 2018

2014 No EXPRESSO - O DIREITO DE NÃO EMIGRAR

Ex-secretária de Estado da emigração, criticou, num colóquio, em Paris, a forma como é encarada pelos Governos a diáspora portuguesa. DANIEL RIBEIRO, CORRESPONDENTE EM PARIS Social-democrata e considerada uma das maiores especialistas portuguesas da emigração, Manuela Aguiar disse, terça-feira, num seminário sobre a emigração portuguesa, na Universidade da Sorbonne, no centro de Paris, que não é apenas o atual secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, que não é ouvido sobre a matéria pelo Governo: "Aconteceu com todos e eu sei do que falo porque já exerci essa função". De acordo com Manuela Aguiar, os governantes portugueses desprezam os secretários de Estado. Numa alusão quase direta ao famoso "piegas" do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, acrescentou: "Dizem-se em Portugal as maiores barbaridades sobre a emigração, como aquela de sair da zona de conforto... se ouvissem as pessoas que sabem do assunto e o secretário de Estado, que não diz isso, não profeririam tais barbaridades, infelizmente ninguém o ouve". "Emigra-se por várias razões, verifica-se atualmente uma brutal vaga de emigração, devido à crise e ao desemprego, mas sobretudo porque as pessoas sentem uma total falta de horizontes", acrescentou a presidente da Associação Mulher Migrante que organizou o seminário em conjunto com Isabel Oliveira, diretora do departamento Línguas Estrangeiras Aplicadas da Sorbonne. "Portugal, durante estes 40 anos de democracia deu aos portugueses o direito de partir e de regressar, mas ainda não lhes deu o direito de não emigrar", acrescentou Manuela Aguiar. A histórica militante do PSD alertou igualmente para a existência, em Portugal, de ideias que apontam para acabar com a Secretaria de Estado das Comunidades. "Em Portugal gosta-se mais de falar em imigração do que em emigração, e creio que existe a ideia de pôr também a Secretaria de Estado a tratar da imigração, o que é evidentemente um erro". Os números do "drama nacional" "Existe em França uma nova diáspora em condições péssimas de precariedade", sublinhou pelo seu lado a diretora da Sorbonne. No colóquio, participaram diversos especialistas e ainda os deputados do PS e do PSD pelo círculo da Europa, Paulo Pisco e Carlos Gonçalves. Este último salientou que - além da fuga de cérebros do país, realçada por Paulo Pisco como um "drama nacional" - "o grosso do contingente dos novos emigrantes não tem formação e foge à pobreza". Victor Gil, especialista sobre fluxos migratórios no Ministério dos Negócios Estrangeiros e antigo Conselheiro Social na Embaixada portuguesa em França, referiu dados interessantes na sua intervenção, designadamente que nos últimos dois anos saíram por ano do país mais de 111 mil portugueses, "um número de emigrantes semelhante ao verificado noutros momentos difíceis, nomeadamente nos anos 1920 e 1960". De acordo com estimativas citadas por este especialista, Portugal perdeu, nos últimos anos, um quinto dos trabalhadores qualificados. No que respeita à área da saúde, disse que as estimativas apontam para a saída de cerca de um terço dos enfermeiros formados nas escolas portuguesas. Ainda no que respeita à emigração qualificada, Victor Gil citou um estudo segundo o qual são os engenheiros portugueses os que mais emigram, seguidos de licenciados em Economia e Gestão, Ciências Sociais, Tecnologias da Informação e Medicina e Saúde. Quanto aos países de destino dos emigrantes, o especialista informou que se mantém a tendência dos anos 1960/70 de preferência por países europeus, "principalmente para França, que me parece ser o país para onde se dirige um quinto da nossa emigração, e também para a Suíça, a Alemanha, o Luxemburgo e mais recentemente para o Reino Unido"

fevereiro 28, 2018

ENTREVISTA do jornal "TERRA MINHOTA"

1 - A ASSOCIAÇÃO MULHERES MIGRANTES VEM PROPOR A COMEMORAÇÃO DO DIA DA COMUNIDADE LUSO BRASILEIRA EM MONÇÃO. PORQUÊ? Monção é uma escolha perfeita, porque foi de terras do Minho que partiu a maioria dos emigrantes e dos colonizadores do Brasil. Foi a elas que regressaram os chamados "brasileiros de torna viagem", os portugueses mais ou menos enriquecidos, que se converteram em grandes mecenas e em contadores de relatos fascinantes de um Mundo Novo, o que levava a que cada vez mais conterrâneos os imitassem, atravessando o mar, em busca de fortuna. Nem todos a alcançaram, mas quase todos, de algum modo, trouxeram bem-estar às suas famílias, progresso às suas regiões e ao país, ao mesmo tempo que criavam um outro país, imenso. Muito deve o Brasil a um número incontável de monçanenses e, através deles, muito deve Monção ao Brasil. É disso que vamos falar no Colóquio, na data simbólica da sua descoberta pela expedição de Pedro Álvares Cabral. Desde 1967, por uma iniciativa legislativa do senador brasileiro Vasconcelos Torres, o 22 de abril está oficializada como "Dia da Comunidade Luso Brasileira". Nos termos da lei, cabe aos Governos organizar as comemorações, mas, na prática, tem sido a "sociedade civil" a fazê-lo, de norte a sul do Brasil - sociedade civil ou, mais precisamente, o poderoso movimento associativo da emigração portuguesa, muitas vezes em parceria com municípios, como o de São Paulo e de Santos ou com as autoridades de cada Estado. Este ano, por exemplo, o Governador do Rio Grande do Sul instituiu não só um dia mas uma semana de festejos, em honra da "Comunidade". Em Portugal, a data tem andado quase completamente esquecida. Julgo que Monção será, em 2018, a nossa única Câmara Municipal a celebrar condignamente, a efeméride. Acho importante destacar este facto e tudo faremos, a Drª Arcelina Santiago, ilustre e ativa monçanense, e eu para que tenha o merecido eco junto na nossa Diáspora. 2 - É CURIOSO QUE ESTE PROJETO SEJA PRIORITÁRIO PARA UMA ASSOCIAÇÃO DE MULHERES.... Para nós, faz sentido um grande empenhamento no projeto, porque somos uma associação, formada por mulheres e homens que se preocupam, essencialmente, com questões de emigração, de cidadania e de igualdade - igualdade de género, não discriminação de minorias étnicas e de estrangeiros - , nos vários aspetos em que as consideramos, tais como a defesa do interculturalismo e da aproximação dos povos através dos mais fortes laços que unem os Estados, e que são os laços humanos, aprofundados pela partilha de vidas e experiências, pela convivência e amizade. Vemos como exemplo admirável desta união pela convivialidade a história do Brasil, uma história que nasce das migrações portuguesas, e com elas se continua, antes e sobretudo depois da independência do país. Ao longo de séculos, para lá que se dirigiu um êxodo sem fim de portugueses, e, crescentemente, desde fins do de oitocentos, de mulheres portuguesas. Com elas e com eles, se construiu a nação onde mais se expandiu a lusofonia, num espaço cem vezes maior do que o nosso território! É uma aventura fantástica do nosso passado, que devia ser aprendida, aprofundadamente, no programa das escolas, na disciplina da história de Portugal. Neste colóquio chamaremos a atenção para isso e para o futuro que poderemos dar a essa aventura, bem viva na comunidade luso-brasileira, na língua comum, nas afinidades culturais, no genuíno afeto dos dois povos. Um afeto que se revela tanto mais quanto melhor se conhecem!. No colóquio de 20 de abril, convidamos à reflexão sobre as formas de potenciar o conhecimento mútuo, num tempo em que há, felizmente, recomeço de partidas para o Brasil, a par do fenómeno inédito de uma imigração significativa de brasileiros entre nós. O título do colóquio expressa exatamente a vontade que nos anima de explorar e de divulgar as variadas facetas do mundo luso-brasileiro, através da partilha de saberes e de memórias, dos resultados de investigações científicas, de pesquisas jornalísticas, de vivências pessoais, de recordações familiares. Penso, por exemplo, em cartas, objetos, fotografias, relatos orais... É uma tarefa inadiável e infindável! Todas as terras deveriam seguir o exemplo de Monção, e iniciar a recolha sistemática de material documental e iconográfico relativo à sua Diáspora. Em alguns casos, esse esforço pode constituir um primeiro passo para a organização de um museu da emigração local e, em qualquer caso, será uma valiosa contribuição para o museu de âmbito nacional, de que tanto se tem falado e que há-de arrancar um dia... Muito me regozijo por constatar a recetividade com que a ideia está a ser trabalhada, aqui, pela Autarquia, pelas instituições, pelo jornal Terra Minhota, e também pelo Governo, pelo Secretário de Estado Mestre José Luís Carneiro, com cuja presença contamos nesse dia. É um esplêndido projeto de recuperação e salvaguarda de memórias, assim aberto a todos, a académicos, a políticos e diplomatas, a técnicos de emigração, a professores e alunos, a antigos emigrantes, a quaisquer cidadãos interessados numa jornada que será uma espécie de nova "viagem de descoberta" do Brasil. 3 - A PENSAR MAIS NA DESCOBERTA DE CABRAL OU NA ATUALIDADE? Sim, como disse, a escolha da data tem o seu valor simbólico, contudo o colóquio quer ir além da evocação dos feitos e acontecimentos de há quinhentos anos. Procura resultados práticos no relacionamento não só entre os Estados, mas entre gente concreta, procura mobilizar para a ação.. Acreditamos na possibilidade de dinamizar a fraternidade na comunidade transnacional de que somos parte, de despertar o sentimento de pertença, também deste lado do Atlântico. O ambiciosos objetivo é menos difícil se começarmos pelas terras de "tradição brasileira", como são as do Minho!. Para isso, contará muito o diálogo entre as gerações, a procura das raízes pelos mais novos. Não são só os brasileiros que precisam de saber mais sobre o seu passado português. Nós, de igual modo, temos de ir desvendando o nosso passado brasileiro - os nossos antepassados, os parentes que por lá andaram ou por lá ficaram, alguns dos quais já só vivem na recordação dos mais velhos e são um precioso legado para os gerações atuais ou vindouras. O projeto "ateilers de memória", que o "Terra Minhota" tão bem noticiou, é um dos meios de aprofundar a tomada de consciência da existência desta Comunidade, que, enquanto realidade sociológica se deve a um vai-vem migratório multissecular, embora seja recente (de meados do século XX), enquanto estrutura jurídica, que veio instituir a "cidadania luso-brasileira". O estatuto de cidadania luso-brasileira não foi uma proposta do governo português, foi uma reivindicação natural dos nossos emigrantes (nessa época, mais de um milhão!), aceite, espontaneamente, sem controvérsias, pelos políticos brasileiros. Na sua primeira formulação, no "Tratado de Amizade e Consulta" de 1953, assinado no Rio de Janeiro, o estatuto incluía uma ampla liberdade de circulação, de residência, de estabelecimento para os nacionais de um país no outro e a concessão dos direitos da nacionalidade, que não fossem incompatíveis com as respetivas Constituições. Em 1969, uma emenda à Constituição brasileira veio reconhecer explicitamente aos portugueses direitos civis e políticos a nível local, estadual e federal, incluindo o sufrágio nas eleições legislativas. Portugal soube, então, dar a reciprocidade de tratamento aos brasileiros e, em 1971, foi celebrado por ambas as partes a "Convenção de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros", consagrando, nomeadamente, o acesso à magistratura judicial e o direito de voto num órgão de soberania, o parlamento. Se compararmos este estatuto de direitos com o da "cidadania europeia" constatamos que já na década de 70 conseguimos ir muito mais longe do que ainda agora vai a União Europeia (onde a participação política continua limitada ao nível autárquico...). Em 1988, o Brasil tomou de novo a dianteira e, na revisão constitucional desse ano, alargou o estatuto de direitos políticos, equiparando plenamente os portugueses aos brasileiros naturalizados, sob condição de reciprocidade - isto é, com direito de voto em todas as eleições, a possibilidade de serem deputados, membros do governo federal ou juízes dos tribunais superiores. Portugal levou treze longos anos e três processos de revisão constitucional, até dar reciprocidade de direitos políticos aos brasileiros, o que só veio a acontecer. em outubro de 2001. Não há, no nosso tempo, no mundo inteiro, comunidade que consagre estatuto semelhante - o que é muito revelador da fraternidade real, que sobra entre brasileiros e portugueses e falta, ao menos em grau e intensidade, entre europeus, na União Europeia. 4 - A EMIGRAÇÃO FEMININA VAI ESTAR EM FOCO? Obviamente, sim!. Temos a preocupação constante de a retirar do esquecimento em que ficavam, desde sempre e até à atualidade, as mulheres migrantes, mas na perspetiva de um movimento global das migrações, reunindo mulheres e homens que se preocupam com os problemas da persistente desigualdade entre os sexos neste domínio, onde as discriminações assumem, com frequência, caraterísticas especiais, tanto na integração na sociedade estrangeira, como no meio português. Este tende a ser muito conservador, pondo, em regra, mais obstáculos à plena participação das mulheres do que a sociedade de acolhimento, onde as mulheres se integram mais depressa e melhor, levando com elas a família inteira para novos patamares de prosperidade. Foi uma Mulher do norte, a Professora Engrácia Leandro, da Universidade do Minho, a primeira a mostrar, numa brilhante tese de doutoramento, esta surpreendente realidade. O seu estudo centrou-se apenas na região de Paris. mas a situação no resto da França é semelhante, e até também o é em outros países, onde as emigrantes acederam à autonomia económica pelo trabalho remunerado e pela aprendizagem da língua e dos costumes, normalmente mais depressa do que os maridos, pelo facto de trabalharem no setor dos serviços, em contacto diário com os naturais desses países. No Brasil não se põe o problema da língua e há especificidades, também, na forma de inserção. Na emigração tradicional, que ascendeu às classes média ou média/ alta, as mulheres são, em regra, "donas de casa" e praticamente invisíveis na direção das grandes associações portuguesas. Tudo como dantes!.. . Não assim entre as mais jovens. que se afirmam nas mais prestigiadas profissões e carreiras, e participam em atividades cívicas ou políticas..Não sendo embora tema central do colóquio, falaremos de portuguesas que foram, no Brasil, exceções à regra, no século passado, caso da grande escritora feminista Maria Archer e de Ruth Escobar, uma portuguesa do Porto que, para além de ter sido uma grande atriz e empresário de teatro vanguardista, foi a primeira mulher eleita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - e ao abrigo da Convenção da Igualdade, pois nunca se naturalizou brasileira. 5 - DIZ-SE QUE, EM QUALQUER EVENTO, O SUCESSO SE MEDE NO DIA SEGUINTE... O QUE ESPERA DESTE COLÓQUIO, COMO RESULTADO CONCRETO? Espero, sobretudo, que os participantes do colóquio vivam no futuro este espírito de descoberta contínua do Outro, sendo o Outro, neste caso, a grande potência cultural, linguística e económica, que é o Brasil. Espero que todos se sintam mais orgulhosos de Portugal e mais brasileiros, como eu me sinto desde uma primeira visita ao Rio de Janeiro, para as comemorações do 22 de abril de 1980. Em síntese, a mensagem é esta: somos todos luso.brasileiros!.

fevereiro 25, 2018

2017 - Portugal o país das migrações sem fim , em estatísticas...

EMIGRAÇÃO - CERCA DE CEM MIL PORTUGUESES ABANDONARAM PORTUGAL EM 2016 Emigração está a cair desde 2013 Há 2,3 milhões de portugueses emigrados Remessas dos emigrantes passam 3,5 mil milhões 22.02.2018 Há 2,3 milhões de portugueses emigrados, segundo as contas do governo. E só em 2016 - ano dos últimos dados oficiais - cem mil pessoas abandonaram o país. Mas números da emigração estão em queda desde 2013, ainda que as saídas de Portugal continuem, de acordo com o último Relatório da Emigração, divulgado em dezembro, "em níveis que, na história recente, só têm paralelo com os movimentos populacionais dos anos 60 e 70". Em 2013, atingiu-se o pico das saídas: só num ano, cerca de 120 mil pessoas abandonaram Portugal. O número baixou para 115 mil em 2014 e para 110 mil em 2015, tendo estagnado nos cem mil em 2016. Para o abrandamento da emigração, refere o relatório, terá contribuído "a retoma económica". Mas também a interrupção dos fluxos migratórios para Angola e para o Reino Unido, culpa da “acentuação da crise do petróleo e da aprovação do Brexit". No espaço de um ano, a emigração para Angola baixou 42% e para o Reino Unido caiu cerca de 6%. Apesar de os valores das saídas continuarem altos, a emigração mudou nos últimos anos. Se nas décadas de 1960 e 1970, os portugueses que emigravam tinham baixas habilitações e escolhiam maioritariamente países como o Canadá, a França, o Brasil ou a Suíça, na última década, tem-se assistido à saída de portugueses com mais habilitações literárias e que escolhem novos países. Na última década, a emigração portuguesa tem sido sobretudo europeia. E a lista de países que receberam mais novos portugueses em 2016 comprova-o. O Reino Unido lidera a tabela dos principais destinos da emigração portuguesa desde 2011. Assim, em 2016, estes foram os principais países europeus destino dos emigrantes portugueses: Reino Unido - 30 543 portugueses França - 18 700 Suíça - 10 123 Alemanha – 8810 Espanha – 7646 Fora da Europa: Angola – 3908 Moçambique – 1439 Brasil - 1294 Os destinos que mais subiram entre 2015 e 2016 foram o Canadá (32,7%), Espanha (15,2%) e Holanda (5,4%). Remessas dos emigrantes passam 3,5 mil milhões As remessas dos emigrantes portugueses subiram 6,3% em 2017, ultrapassando pela primeira vez a barreira dos 3500 milhões de euros, de acordo com os dados divulgados ontem pelo Banco de Portugal. Por seu turno, as remessas dos imigrantes desceram 2,8%, para 518,2 milhões.

fevereiro 20, 2018

SOBRE O 37º CONGRESSO DO PSD 1 - MULHERES DESAPARECIDAS EM CONGRESSO Há dois anos, em Espinho, saudei o que parecia ser o princípio da emergência das mulheres dentro do PSD e falei, esperançosamente, não ainda em fortes ventos de mudança, mas numa "brisa de social-democracia à sueca". De facto, a lista da direção do partido tinha uma maioria feminina entre os vice-presidentes e a paridade no conjunto da Comissão Política (nos outros órgãos do partido já não era bem assim...). Agora, há apenas duas mulheres numa Comissão Política solidamente masculina e, nos outros órgãos institucionais, neste aspeto, também nada de novo e de bom se nos oferece. Ainda nem as contas fiz de percentagens, bastou-me olhar o palco dos eleitos para ter a certeza do tremendo desequilíbrio de género, que assim se deteta a olho nu. Mas o mais dececionante é perguntar onde estão,o que fizeram de positivo, ou como se posicionam para o futuro essas mulheres que o "passismo" inventou nas suas listas... Todas elas surgiram num congresso para desaparecerem no seguinte. Na cena política portuguesa muitas têm sido as figurantes para a fotografia, e muito poucas as protagonistas para a história 2 - OS HOMENS QUE QUEREM SER FUTURO Nesta lista, a dos protagonistas prováveis da vida futura do PSD - lista que que é mais importante de todas - só há mesmo homens! E poucos. Rui Rio, naturalmente, Entre os mais novos, destacaria, pela sua inteligência e moderação, Paulo Mota Pinto, no centro-esquerda e, no centro.direita, para além do nosso conterrâneo, Luís Montenegro, por exemplo, Carlos Moedas. . Foi bom que Montenegro tivesse surgido como a grande surpresa do Congresso na oposição a Rui Rio. Por um lado, veio acabar com a utopia do consenso perfeito, que é coisa que não existe em nenhum partido democrático. Não quero dizer que não deva ser tentada e levada tão longe quanto possível e acho que muito bem andou Rio quando a procurou com Santana Lopes, Depois de uma campanha eleitoral correta nos discursos, segui-se uma magna reunião com o mesmo nível de civilidade (se descontarmos os apupos a Elina Fraga, que, graças a isso, se tornou o único nome feminino daquela espécie de clube fechado de notáveis). Montenegro surgiu na hora certa, a tempo de dizer que o simpático e popular Santana não passou de "estrela convidada", cabeça de cartaz num tempo breve. Mais significativo ainda: a tempo de dizer que Passos Coelho terminou ali um ciclo e saiu, com uma ovação final, não só do pavilhão do evento, como da vida partidária. Excelente prognóstico de futuro, porque como afirmava Sá Carneiro, sempre atual (os génios têm o privilégio de ser intemporais): "Portugal precisa tanto de mudança, como de moderação". É, sem dúvida, excelente, ter dos dois lados do PSD (o tal partido que vai do centro-.direita ao centro- esquerda), homens reformistas, pragmáticos e dialogantes. 3 - DA POLÍTICA AO FUTEBOL Eu gosto de separar as águas, entre a política e o futebol. Como portista que sou, separo, mas não à maneira do Rio, evidentemente! Se no partido estou no seu setor ideológico, em termos de futebol pertenço ao clube de Montenegro. Seja.me, pois, permitido, terminar numa nota de bom-humor, muito supersticioso.. Rio é o homem que nunca perdeu uma eleição na vida, por mais improvável que fosse a sua vitória (à atenção de António Costa...). E é também o líder que, quando está no poder, dá imensa sorte ao FCP! Com a má vontade dele, em relação ao futebol em geral e ao FCP em particular, o Porto costuma ganhar. Assim seja!

fevereiro 13, 2018

RECENSEAMENTO GERAL NA EMIGRAÇÃO (POR UM UNIVERSO DE VOTANTES OU DE ABSTENCIONISTAS'?) 1 - A anunciada proposta do governo socialista de promover em larga escala o recenseamento eleitoral dos portugueses do estrangeiro é de saudar, entusiasticamente. Antes de mais, porque significa um corte com o passado, uma espécie de estrada de Damasco do PS neste domínio - um artido que, não sendo monolítico, sempre teve militantes tão "sufragistas" como eu, no que respeita aos direitos políticos dos emigrantes, por sinal e não por acaso, os mais conhecedores da Diáspora, como José Lello ou o ex-deputado Carlos Luíz. Porém, embora ocupassem importantes lugares institucionais, eram uma irremediável minoria,e, como diz o ditado popular "uma andorinha não faz a primavera".. . Em 1980, quando o governo da AD, a que eu pertencia como estreante na pasta da emigração, fez uma primeira tentativa - modesta! - de alargar de 30 para 60 dias o prazo de recenseamento no estrangeiro, viu a sua proposta de lei chumbado por PS e PCP, A maioria da AD era tão diminuta que bastou a ausência de 2 ou 3 deputados retardatários, para sofrer no hemiclo, a sua única derrota, num mandato de 12 meses..Para o processo de recenseamento, que estava a ser organizado no meu gabinete, foi a pior das surpresas...Mesmo assim, o número de inscritos aumentara em 80% num só mês, ultrapassando a barreira dos 100.000 inscritos. 2 - A questão estava partidarizada, por demais! PS e PCP temiam o voto dos emigrantes que consideravam irremediavelmente "reacionário", acusando o PSD e CDS de tentarem crescer à custa dessa "clientela". Um preconceito que já vinha de trás e limitara, na Constituição de 1976, a participação política dos expatriados à eleição dos seus deputados (em círculos próprios. com um teto baixíssimo de 4 representantes em 250, que constituía, e constitui, a única exceção ao princípio constitucional da proporcionalidade pelo método de Hont. As propostas do PSD no sentido de consagrar o direito de voto dos emigrantes na eleição presidencial não fizeram vencimento nas revisões constitucionais de 1982 e de 1989, por oposição dos adversários do costume. Em 1996, o PSD foi mais longe e, pela voz de Marques Mendes, condicionou toda a negociação para o acordo do "bloco central", indispensável para garantir os necessários dois terços para a revisão constitucional, ao reconhecimento desse direito, assim como do direito à participação nos processos referendários. Foi uma vitória histórica, mas incompleta, porque, num compromisso muito "à portuguesa" acabou por ceder à exigência socialista de restringir a capacidade eleitoral dos expatriados àqueles, condicionando-a à comprovação da existência de laços de ligação efetiva a Portugal (fórmula vaga, cuja interpretação se remeteu para as leis eleitorais, onde, naturalment,e o acalorado dissenso prosseguiria por longos anos). .3. Quase 40 anos depois, os recenseados são cerca de 300.000. A "comunidade política nacional" no estrangeiro é, pois, diminuta, quando se compara com os cerca de cinco milhões das "comunidades portuguesas" e continua excluída das eleições autárquicas e autonómicas, e, em termos práticos, dos referenda, também. Na Espanha, só a Galiza tem muito mais inscritos e, note-se, com taxas de abstenção muitíssimo mais baixas, tanto nas eleições regionais como nacionais, Entre nós, os votantes têm sido aproximadamente 30.000 nas legislativas (voto por correspondência) e 10.00 a 12.000 nas prsidenciais (voto presencial). A abstenção ronda os 90% no sufrágio postal, e sobe para cerca de 96% quando implica deslocação (em muitos casos de dezenas ou centenas de quilómetros...) às mesas de voto. Situação escandalosa!´Pode imaginar-se, em democracia, coisa pior? Pode: o recenseamento automático, como por um golpe de mágica, de mais um milhão de inscritos nos consulados, que, assim, passam diretamente, sem serem ouvidos nem achados, para os cadernos eleitorais... Os não recenseados não são, previsivelmente, os cidadãos mais zelosos do cumprimento do dever cívico de votar, pelo que é de antever um dramático aumento das taxas de abstenção. na verdade, apesar da boa intenção que preside à iniciativa governamental a solução parece mais própria para criar um dilatado universo de abstencionistas do que de votantes... Mas e boa intenção não pode ser desperdiçada - este é o momento certo para os partidos se reencontrarem no diálogo, assegurando o aprofundamento do estatuto de direitos políticos dos emigrantes (voto, em condições de igualdade nos "referenda", nas autárquicas e regionais, aplicação do sistema da proporcionalidade ou aumento do número de deputados dos círculos de emigração, revisão das modalidades de voto (livre opção individual pelo voto em urna ou por correspondência, utilização de novas tecnologias), reforma do Conselho das Comunidades, como órgão de representação específica dos expatriados. Dar conteúdo ao estatuto de direitos será requisito essencial de mobilização dos emigrantes para a participação no quadro de um recenseamento tão facilitado quanto possível. Este é o tempo em que ter mais de um mihão de emigrantes nos cadernos eleitorais deixou de ser uma utopia!

fevereiro 04, 2018

RECENTRAR O PSD

1 - A democracia portuguesa fez-se, no pós 25 de abril, com a criação de partidos, que procuraram o máximo de distância em relação ao regime deposto de ultra-direita: o PSD de Sá Carneiro solicitou a adesão à Internacional Socialista, que não conseguiu por oposição do PS ; o CDS, antes de se tornar PP, considerava-se "rigorosamente ao centro"; o PS, no "slogan" dos comícios e das marchas cívicas, proclamava-se como "partido socialista, partido marxista". Ao longo dos anos seguintes, o marxismo do PS, o esquerdismo do PSD e o centrismo do CDS foram-se diluindo, numa progressiva conformação à realidade sociológica dos respetivos eleitorados, enquanto o PCP permanecia bastante igual ao que era nos primórdios da revolução. Comum a todos era, porém, a existência de tendências ou alas, umas mais visíveis e ativas do que outras (em alguns casos levando à dissidência). Na verdade, podíamos dizer que a esquerda do CDS confinava com a direita do PSD e a esquerda do PSD com a direita do PS... Divergindo, embora, numa pluralidade de domínios, estes três partidos partilhavam a crença na democracia representativa, e na pertença à CEE e à Aliança Atlântica. Não por acaso, é nesta última área que o atual governo do PS, apoiado numa esquerda anti-europeísta e anti-NATO, tem encontrado maiores dificuldades - das quais se fala pouco, porque nem os "media" nem a opinião pública nacionais lhes não dão a devida relevância. A esta maioria encontrada no parlamento não falta, pois, legitimidade, nem boa articulação institucional, em particular com o Presidente da República e, também, a nível da política interna da UE, E nem sequer lhe falta aceitação popular. O seu "calcanhar de Aquiles" é, a meu ver, a impossível concordância em matérias fundamentais de política europeia e internacional, sobretudo no que respeita aos compromissos europeus e atlânticos de segurança e defesa. Eis o que não lhe augura um grande futuro para além de 2019, embora seja justo realçar que com a sua existência se abriu, em Portugal, o leque das alternativas plurais, à esquerda e à direita. 2 - Os partidos podem e devem evoluir, procurar novos projetos e relações interpartidárias, novos intérpretes das suas doutrinas. Não devem é romper com princípios fundamentais, ultrapassando o ponto fatal da descaraterização e perda sua identidade. O PSD do passado recente estava, na minha ótica, em cima de linha de fronteira, se é que a não tinha já ultrapassado. Penso na sua governação, nas políticas de austeridade, (impostas de fora, mas só até certo ponto) que atingiram, em particular, jovens forçados a emigrar em massa, reformados, funcionários públicos e trabalhadores por conta de outrem, pauperizando as "classes médias" e os mais desfavorecidos. Políticas que só não foram bastante mais longe porque o Tribunal Constitucional o não permitiu...Tivesse esse PSD formado governo, de 2015 em diante, e os mesmos continuariam, previsivelmente, a pagar a parte de leão do preço da austeridade - em primeira linha, os pensionistas (a "peste grisalha".na expressão sintomática de um jovem militante deste PSD). Fora do campo económico, discurso não menos extremista - contra cidadãos portugueses de etnia cigana - foi impunemente permitido a candidatos autárquicos, a par de tomadas de posição da bancada parlamentar contra o alargamento dos direitos dos estrangeiros, nomeadamente em matéria de nacionalidade. Impossível, no passado, com Sá Carneiro, com Mota Pinto, com Balsemão e, no futuro, (assim o espero), com Rui Rio! O "passismo", ou, pelo menos a sua facção mais radical, parece-me mais próximo" do "Tea-party" do que da CDU de Angela Merkel! Nada tinha a ver tinha comigo, que nunca escondi afinidades com o PSD sueco ou alemão ou com os Liberais do Canadá e dos EUA.... 3 - Todavia o deslizamento direitista no PSD começou muito antes do advento do "passismo", acentuando-se com a ascensão ao poder dos líderes da "Nova Esperança", primeiro no partido, em fins do século XX, e, seguidamente, no governo. A "Nova Esperança", relembro, surgiu na meia década de oitenta para combater Mota Pinto e o chamado Governo do "Bloco Central". Os seus nomes mais sonantes eram (os então mais jovens e mais aguerridos) Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa e Durão Barroso. Com Marcelo, o PSD abandonou a Internacional Liberal e Reformista, a que pertencia desde o tempo de Sá Carneiro, e aderiu ao PPE, onde hoje coexiste com o CDS. Com Barroso envolveu-se na trama da guerra do Iraque e com Santana num governo de má memória. A questão do Bloco Central foi agora, por sinal, uma das que maia visivelmente separou Rui Rio de Santana Lopes. Outras razões havia, mas esta bastava para decidir o meu voto a favor de Rio. Acredito que ele tornará viável o diálogo interpartidário para as tão faladas e sempre adiadas "reformas estruturais, quer o governo seja PSD, quer seja PS. Diálogo sem complexos, sem excluir, eventualmente, outros parceiros, à esquerda ou à direita. O presidente eleito do PSD vai, com certeza, recentrar o partido, (onde passarei a reconhecer-me, como dantes!). E vai, muito provavelmente, contribuir para recentrar toda a vida política portuguesa
 ESPINHO E OS SEUS CONTRASTES


1 - Muito haveria a dizer, objetiva e subjetivamente, nesta matéria. Se perguntássemos aos Espinhenses o que de bom e menos bom hoje apontam à sua cidade, teríamos, por certo, as mais variadas respostas. com algumas constantes...
Não pretendendo fazer, nem mesmo de forma sintética, um balanço geral desses contrastes, limitar-me-ei a referir dois casos, um pela positiva e outro pela negativa - apenas dois, escolhidos simplesmente porque, neste mês de dezembro, me suscitaram reações contraditórias. À semelhança do que acontece num dos programas desportivos que costumo ver na televisão, vou dar o meu "topo e fundo", de fim de ano.   

2 - No fundo, a falta de cinema. Não de salas, porque temos três e todas excelentes, mas de espetáculos regulares. Imperdoável em Espinho, que foi uma das primeiras terras a aderir à sétima arte! Todos os grandes filmes, em sucessivas décadas do século XX, aqui passaram, como os mais jovens podem constatar, visitando o FACE, onde o Dr Armando Bouçon mantém, em permanência, uma mostra de cartazes antigos, (que vão rodando, pois são imensos!)
Quando eu era jovem, já algumas das pioneiras casas de espetáculos tinham desaparecido, mas as duas existentes estavam no seu apogeu: a do Teatro São Pedro e a do Casino. Ao ritmo de um filme por dia, em cada uma, tínhamos ao dispor sessenta sessões por mês. Quantas vezes, para não perdermos  nenhuma das que aconteciam em simultâneo, íamos a uma à tarde e a outra à noite!
A sessão das 21.30, no Casino, apresentava, em determinados dias da semana, ao intervalo, atuações ao vivo de artistas consagrados (recordo, por exemplo,  Simone de Oliveira ou Tony de Matos). No Teatro São Pedro, os intervalos eram sempre uma festa, cheia de luzes, refulgindo sobre enormes retratos emoldurados de vedetas de Hollywood, e sobre uma elegante multidão em movimento em direção ao café bar, nos átrios ou nas escadas que ligavam a plateia aos balcões. Um espetáculo dentro do espetáculo! O filme podia até desiludir, mas não a "movida" de gente, tão semelhante à da Avenida, embora num espaço de convívio mais íntimista e requintado, que fazia o preço do bilhete valer a pena.
E agora?  Agora, já não há o Teatro S Pedro, que foi lamentavelmente demolido, na década de oitenta, para dar lugar a um prédio de andares, sem história e sem estilo arquitetónico, embora com o  compromisso de manter aberta uma sala de espetáculos, que está lá, mas afeta a outros fins. O Casino, cuja sala também está lá e é, sem dúvida, uma das melhores que há no país. há muito encerrou, igualmente, as portas à sétima arte.
Resta o Multimeios, que vem ensaiando uma programação de produções populares, que pouco público atraem. E não admira, pois nem sequer assegura o mínimo de regularidade - abre quando abre e fecha quando fecha. Em princípio, um filme por semana, com erráticas intermitências, algumas longas. como as deste dezembro de 2017: até ao dia 6, esteve em cartaz o medíocre "remake" de um famoso policial de Agatha Christie (Crime no Oriente Expresso);  seguiram-se duas semanas de pausa; a 21, reabriu, com estreia de "Star War. o último Jedi", que se conservará em exibição até 3 de janeiro. (Para crianças: "O gangue do parque",  de  21 a 28,  e "A magia dos póneis", de 28 a 3 janeiro). 
Devo acrescentar que, este domínio, também poderia estar no meu "topo", mas só graças aos festivais -  CINANIMA, FEST, Cinema imersivo... Todos, sobretudo o CINANIMA, colocam Espinho no "mapa mundi" da cinefilia, mas sem espetáculos 365 dias por ano não se ganha a nova geração para esse mesmo mundo.

3 - No topo, coloco o nosso Centro de Saúde.
 Há dias, enquanto ouvia o programa da manhã da Antena 1, em que os ouvintes criticavam duramente o setor da saúde, de norte a sul do país, pensava: podem ter razão no que respeita às suas terras, às urgências dos hospitais. à regressão geral, que os cortes orçamentais vão, gradualmente, provocando no sistema, mas a crítica desenfreada a que se entregam, durante o seu minuto de notoriedade, contrasta com a realidade que conheço na unidade de saúde de Espinho. Aqui, a organização das consultas, embora haja que marcar com alguma antecedência, é eficaz. As funcionárias da receção são simpáticas e despachadas. O "médico de família" é competente, amável e recebe-me à hora marcada, com uma pontualidade raras vezes vista na medicina privada. Os médicos fazem equipa com enfermeiros, e não interferem na sua esfera de autonomia. Esta conjugação de especialidades, garante a qualidade dos serviços, não só de medicina como de enfermagem. Sei-o por experiência vivida: qualidade superlativa! Há uns tempos, fui operada (muito bem) num afamado hospital privado do Porto. O pior foi o posterior tratamento para fechar a ferida aberta por um longo corte cirúrgico, que teimava em não fechar completamente. Durante mais de três meses corri para o dito hospital, constantemente. Por fim, fiquei por minha conta, e decidi recorrer ao centro de saúde, onde solução encontrada pela Enfermeira Patrícia me curou em quarenta e oito horas. Quem sabe, sabe! Aqui fica o meu público testemunho do que considerei um verdadeiro milagre. 
E, por isso, afirmo convictamente: perdemos o nosso excelente  "hospital de proximidade", com todas as valências que nos oferecia (uma perda tremenda"), atravessamos tempos difíceis, corremos o sério risco de desbaratar, um pouco por todo o lado, o serviço nacional de saúde, de que justamente nos orgulhávamos no quadro europeu, mas ainda assim, podemos confiar em pessoas, que, com o seu saber e experiência, resistem à crescente falta de meios. Assim seja, até que estas políticas de austeridade sejam coisa do passado...

dezembro 12, 2017

AS ACADEMIAS DO BACALHAU E A QUESTÃO DE GÉNERO - UM CASO EXEMPLAR DE EVOLUÇÃO

Em 1980, por gratificante "dever de ofício", como membro do Governo responsável pela emigração, iniciei um infindável roteiro de viagens ao mundo da nossa Diáspora, que até aí desconhecia na sua verdadeira dimensão, como era comum, e ainda hoje é, entre os portugueses que de deixaram ficar no território das fronteiras geográficas. Cheguei à África do Sul, em setembro desse ano, já com a experiência de contactos com coletividades portuguesas de três continentes, e, assim, facilmente, pude detetar, viver e sentir a absoluta singularidade das Academias de Bacalhau, enquanto novo modelo de reunir os portugueses para fazerem coisas grandes na campo dos valores do humanismo, da lusofonia, da entreajuda, em ambiente de tertúlia, a partir da festa, de ditames e rituais, que se diria (e bem...) inspirados nas tradições académicas, numa fraternidade de jovens de espírito, se não de idade...  Nos momentos divertidos em que levantava, baixava e bebia um copo de vinho no meu primeiro " gavião de penacho", pensava: "que ideia tão bem achada e tão bem conseguida!". Estava em Joanesburgo, na Academia-mãe, num almoço certamente mais formal do que habituais, mas onde (não obstante esse "senão"...), o espírito da festa se mantinha intacto. Entre tiradas de humor, graça "académica" e boa disposição geral, ao lado do mítico fundador Durval Marques, aprendi que nas Academias, já então pujantes em toda a África Austral, ninguém se ficava no "convívio pelo convívio". Eram todos militantes da intervenção solidária na sociedade! Aprendi que a ação se desenrolava, sempre, em dois tempos sucessivos: o do almoço de amigos, puramente lúdico, com as suas regras estritas de convivialidade, as proibições (como falar de religião, de política...), cuja infração frequente, garantia multas pesadas: o da gestão dessas bem voluntárias e eficazes "multas" em favor da comunidade. Com essas verbas lançaram,por exemplo, a primeira pedra do Lar de Terceira Idade de Joanesburgo, que talvez seja o melhor de todos os que existem na Diáspora , prestaram assistência aos refugiados de Moçambique e Angola, em 1974 e 1975, e prosseguem, hoje nos quatro cantos da terra, projetos adequados ao perfil de cada comunidade, ás suas aspirações culturais ou a apoio aos desfavorecidos.
Esse primeiro "almoço de descoberta", logo me tornou uma incondicional admiradora de tão fabuloso paradigma de "ridendo" fazer o bem ! Ainda por cima, correspondendo a esse sentimento de genuína adesão a princípios e práticas das "Academias", fundadas na amizade, na alegria de conviver e na vontade de tornar o mundo melhor, vi-me aceite como membro honorário de tão distinto círculo! Não era, aliás, a primeira portuguesa a ser assim chamada ao convívio dos auto-designados "compadres". Na altura, os almoços e, com eles, a titularidade de associado,  eram, em regra, reservados aos "compadres", mas tudo o que se passava em horário pós-laboral, jantares, ceias, abrangiam as mulheres, as "comadres".  Era a evidência de que a "praxis"  se baseava num relacionamento preexistente - o do almoço, na pausa do trabalho, entre profissionais (todos homens, porque a metade feminina estava, de facto, ausente desse círculo) , o do jantar, naturalmente, para famílias inteiras. E, por que nunca foram uma espécie de "clube inglês" segregacionista,, quando as Academias chegaram a comunidades onde as mulheres partilhavam  com colegas homens o meio profissional, logo se abriram à sua plena participação e prontamente as vimos assumirem a presidência - o que nas instituições mais tradicionais foi um caminho longo
Defensora, como sou, de uma associativismo misto, onde os géneros de completam como fator de progresso, compreendo a existência de organizações femininas - ou masculinas - quando moldam realidades  de cooperação, que de outro modo são prejudicadas, esperando sempre vê-las evoluir para um harmonioso encontro de todos. Até também neste aspeto, as Academias de Bacalhau nos deram uma lição de boas práticas, na rota dos bons princípios!

novembro 28, 2017

UMA GERAÇÃO DE TRIUNFADORES - FORA DA GAIOLA DOURADA



 1 -  Os “empresários de sucesso” da Diáspora entraram no discurso dos políticos nos anos noventa, de um tal modo que ficaram subalternizadas outras vias ou expressões de sucesso, que eram evidentes se olhássemos para além do que os governantes valorizavam, o que realmente tinham querido e conseguido, através do projecto
migratório, os seus próprios protagonistas, fossem eles operários da construção civil, porteiras de Paris ou os seus filhos, que começavam a aceder às universidades e a novas profissões (um deles, no século XXI seria o realizador desse filme “de sucesso” sobre a vistosa galeria de estereótipos da emigração parisiense, que é o mínimo que se
pode dizer de “A gaiola dourada”.).
Havia, também, inevitavelmente, casos preocupantes de frustração ou fracasso, mas eram a minoria, entre os que aportaram “a salto” a terras de França.
Na década de 80, os primeiros estudos, concluídos em Paris, vieram dar fundamentação científica a essa nova visão da realidade, de uma realidade que evoluíra. E dela se fizeram eco, na altura, não só os políticos, os media, mas  grandes nomes da emigração, como Eduardo Lourenço, que, escrevendo precisamente sobre aqueles compatriotas (a propósito do livro “a mala de cartão” de Linda de Suza) os considerou “uma geração de triunfadores”.
Académicos franceses, como Chombart de Loewe (prefaciando a tese de Engrácia Leandro "Familles Portugaises  Projects et Destin"), corroboravam esse juízo sobre os portugueses, atribuindo à força da família o papel central nos melhores resultados, em geral, por eles alcançados, em comparação com imigrantes de outras nacionalidades.

 2 – A família, ou seja,a vinda das mulheres! Mulheres e homens trabalhando, lado a lado, não apenas, como acontecia na tradicional expatriação de homens sós, para ganhar dinheiro e com ele dar futuro aos filhos, mas
também para lhes dar um futuro muito diferente, através da educação, da instrução formal, da formação. Para que à mobilidade geográfica se seguisse a mobilidade social. Para que a segunda geração não ficasse
acantonada no gueto profissional dos pais – que é o risco fatal que sempre correm os jovens sem sucesso escolar.
A França, com mais de 70% do total dos portugueses que se dirigiram à Europa, na segunda metade de novecentos, é assim um grande exemplo, que prima pela qualidade, como pela quantidade, e embora, do ponto de vista material, o balanço positivo se possa estender a toda a emigração deste período no quadro europeu, não é prudente extrapolar as conclusões a que se chegou neste país… No que respeita à simples remuneração do trabalho, haverá outros que até se superiorizam, mas o bom desfecho de um processo migratório não depende apenas disso… A componente económica determinante à partida, acaba por ceder terreno a outras componentes do projecto de vida no estrangeiro – a convivial e afectiva, a cultural, a educativa…Ser aceite, ser igual... A
consciência da importância destas facetas imateriais nasce da própria dinâmica da aproximação aos outros, emerge da integração ao mesmo tempo que vai fazendo a integração.  E não foi semelhante por todo o
lado…
Há já décadas (pelo menos desde os anos 80), que em sociedades prósperas, como a alemã, a luxemburguesa ou a suíça se detectou, através do competente acompanhamento de Conselheiros Sociais das
Embaixadas e dos técnicos dos serviços sociais, um geande número de casos de crianças portuguesas atiradas para o gueto do ensino especial, apenas porque não dominam suficientemente a língua de aprendizagem na escola…Não são aceites, não são iguais...
É dramático. É inadmissível que 30 anos depois, isso aconteça, nos mesmos países, sem que os Governos tenham tomado providências – o português, talvez, porque não possa, os desses países decididamente
porque não querem… Paradigmas não faltam, desde os antigos esquemas de ensino bilingue nos EUA (curriculum escolar dado na língua materna, até que o aluno se possa exprimir em inglês…) até ao acompanhamento dos alunos por falantes do seu idioma (experimentado pela Holanda para meninos cabo-verdeanos).
Fica a dúvida sobre a intencionalidade destas "políticas de indiferença", que contribuem, em concreto, para manter as segundas gerações confinadas ao leque de actividades dos pais.
A recente onda de choque causada nos nossos media pela notícia da proibição do uso da nossa língua no recreio de algumas escolas, cheias de crianças portuguesas, no Luxemburgo, é apenas um sintoma de males maiores. Esses males -  a inadaptação, o insucesso escolar que é o
maior de todos -  têm de ser objecto de pesquisa aprofundada, se preciso for, promovida pelo nosso governo, em parceria com centros de estudo…Urgentemente!
Onde há, na Europa, fora da França uma plêiade de jovens políticos luso-descendentes (que ousam se afirmar-se como tal!), empresários, aos milhares, professores universitários, campeões desportivos – umpouco de tudo? Em França, este "sucesso" começou na escola,naturalmente…

outubro 17, 2017

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS - OS GRANDES AUSENTES 1 - Nesta campanha os grandes ausentes foram os emigrantes, Sobre eles não ouvi uma só palavra, apesar de a Constituição da República Portuguesa, desde 1976 até hoje, lhes vedar qualquer forma de participação, ao nível local. O direito de voto foi-lhes, sim, reconhecido, no processo eleitoral para a Assembleia da República, desde os alvores da democracia, ainda que limitado à eleição de quatro deputados (uma espécie de quota minimalista). Seguiu-se, após anos e anos de protestos e reivindicações, vindos das comunidades do estrangeiro e dos seus representantes, a concessão do sufrágio nas presidenciais e nos "referenda" de âmbito nacional - com algumas restrições absolutamente injustificadas... Muito estranho que a sua exclusão nas eleições autonómicas e nas autárquicas, venha sendo, sobretudo nestes últimos tempos, objeto de escassa contestação. No que respeita às Regiões Autónomas, a Lei Fundamental, garante o direito de iniciativa às respetivas Assembleias Legislativas mas, apesar de algumas tentativas de o consagrar, nenhuma foi ainda por diante. Não assim nas autarquias, onde se exige uma revisão constitucional, que passa pelo entendimento entre os maiores partidos portugueses. Não quer isto dizer que os autarcas e a sociedade civil, tanto na emigração como dentro do país, não possam e devam mobilizar-se para colocar na agenda política esta questão, que é, acima de tudo, uma questão de cidadania. Os emigrantes são portugueses de pleno direito, tal como os vê a própria Constituição, ao assegurar-lhes o sufrágio no que respeita a órgãos de soberania. São, juricamente, parte da Nação e a Nação começa na terra em que nasceram. É à sua aldeia, (ou vila ou cidade) que os prendem, porventura, os laços fortes. É nelas que mais investem, é a elas que regressam, todos os anos, em verdadeiras peregrinações de verão ou que sonham voltar, em definitivo Face a um quadro semelhante, outros países europeus - o caso paradigmático da França - concederam aos seus expatriados o direito de voto nas eleições municipais várias décadas antes de o alargarem ao âmbito nacional. Nós começamos ao contrário. Isso, agora, pouco importa. Importa é que se complete o estatuto de direitos o mais depressa possível, com o voto dos emigrantes nas autárquicas! É tempo de relançar o tema caído no esquecimento, de exigir ação aos políticos, para darem força de lei à ligação telúrica dos emigrantes à terra-mãe. 2 - Esta é uma realidade que ninguém ousará pôr em dúvida, mas que nenhum candidato ousou fazer bandeira eleitoral na longa e mediática campanha a que acabámos de assistir. Admito que alguma voz solitária se tenha levantado em seu favor, talvez no interior quase desertificado pelo êxodo para o estrangeiro (ou para o litoral, dentro do país), mas, se isso aconteceu, não teve o devido eco ou impacto... O mesmo se pode dizer sobre o voto dos estrangeiros no nosso país, que é concedido sem restrições, sob condição de reciprocidade - o que. a nível local, se me afigura errado, discriminatório, porque todos são, afinal, "vizinhos" e merecem, participar, do mesmo modo, na "res publica", Ou seja, não devem ser penalizados pela falta de abertura, ou mesmo de democracia, nos seus Estados de origem, tanto mais quanto essa pode ter sido uma das razões determinantes da sua partida para e emigração ou o exílio. Até dentro do espaço da CPLP é notória a divisão. Entre os nossos eleitores estão Brasileiros ou Cabo verdeanos, porque Brasil e Cabo Verde nos concedem iguais direitos. Angola ou Moçambique não, pelo que se encontram eleitoralmente sem voz os seus nacionais que connosco vivem. A meu ver, cabe-nos dar, unilateralmente, o bom exemplo, quer se trate de lusófonos, ou de norte coreanos ou paquistaneses.... O número de estrangeiros recenseados é, aliás, baixíssimo - apenas 26980, o que corresponde a cerca de 11% do total. 12992 são nacionais da UE e 13988 pertencem a outros países. O número de eleitores da UE vem aumentando, gradualmente, desde o início do século, o dos outros países foi em crescendo de 2000 a 2007, atingindo nesse ano o apogeu, com 19727, e vem diminuindo, desde então, sinal claro do declínio da imigração por motivos de ordem económica, obviamente. Porém, com tão baixa taxa de recenseamento entre eles, é enorme a "margem de progressão", como se diz no futebol As autoridades nacionais e os autarcas devem, pois, chama-los a essa forma de convívio democrático, que é umavia por excelência para a sua plena integração. Em França, na nossa comunidade, que era pouco participativa, foram os líderes associativos, que mais tentaram (e conseguiram) mobiliza-la. com um slogan que é válido universalmente: "Quem não vota, não conta". Hoje o número de eleitores e, sobretudo, de eleitos de origem portuguesa em França é verdadeiramente impressionante! 3 - Nós queremos contar tanto com os nossos imigrantes como com os nossos emigrantes, para sermos mais e para sermos melhores. Queremos um Portugal mais multicultural e mais cosmopolita, onde os estrangeiros, as suas culturas, o perfil dos seus países de origem tenham mais visibilidade e mais simpatia. Um Portugal onde os Portugueses expatriados estejam politica e afetivamente mais próximos. No dia em que puderem votar na sua terra, os autarcas vão ter de os ouvir, de procurar saber onde estão (hoje não sabem, ou têm apenas uma noção vaga...), de os visitar, de conhecer os seus problemas e os seus anseios e de lhes dar resposta. Acho que os emigrantes ganharão muito com isso - e as suas terras ainda mais. A começar pelo crescimento demográfico no mapa eleitoral, que, em alguns concelhos será significativo, a continuar no reforço de solidariedades e de intercâmbios, a culminar na projeção internacional de cada terra, transmutando a ausência física dos seus munícipes em presença no mundo. Maria Manuela Aguia