abril 14, 2019
TONDELA COMENDADOR BRÁZ
1 - É um privilégio poder dar um breve testemunho nesta sessão de homenagem ao com AB, em Tondela, sua terra natal, no centenário do seu nascimento. A exposição que acabámos de visitar dá-nos bem a ideia do Homem, do emigrante corajoso, que atravessou os mares e conheceu o mundo, o cosmopolita, movido pela alegria de conviver, por uma insaciável curiosidade sobre outras realidades e formas novas de fazer desenvolvimento económico, sempre pronto a partilhar ensinamentos e experiências. Um empreendedor, que juntava intuição e energia, capacidade de inovação e um bom gosto inato, com que sabia acrescentar ao rasgo profissional a componente estética . Na expressão que entrou para ficar no discurso político (sobretudo desde que Portugal aderiu à CEE), o Comendador Bráz era um "empresário de sucesso" - o paradigma do Português, com que se impunha a imagem moderna do país na Europa e nos demais continentes. Merece, sem dúvida, esse título de honra, mas, como os melhores dos nossos emigrantes, foi mais do que um grande empresário: foi um mecenas, um Humanista, um patriota, um dos grandes construtores das comunidades portuguesas, dispersas no mundo 2 - Permitam-me que o destaque, em especial, nesta faceta, olhando as comunidades, o seu papel e a sua dinâmica em sucessivos ciclos de migrações maciças e em praticamente todos os destinos, situando a obra deste compatriota tão ilustre num vasto movimento, que ele encarna superlativamente. Ele pertence a uma pleida de compatriotas, cujo trajeto é, regra geral, lembrado, antes de mais,pelo sucesso individual, empresarial, e pelo mecenato com que contemplou a terra de origem, ficando esquecido, ou em plano secundário, o seu envolvimento comunitário, no estrangeiro. Uma razão mais para sublinharmos este último domínio até porque é nele, ou através dele que se convertem em agentes ou protagonistas da História da emigração e das Comunidades Portuguesas, que não temos sabido valorizar como parte da vida e da História nacional. 3 - Não as "comunidades" de que comummente se fala como mero sinónimo de "emigração", realidade estatística, número global (aliás, quase invariavelmente, pouco rigoroso, em sucessivos ciclos de êxodo, incontido e incontável), mas as comunidades estruturadas numa multifacetada rede de instituições de cultura, de convívio, de beneficência, que constituíram a face escondida e a mais importante retribuição do fenómeno migratória nacional. Mais importante, afinal, do que aquela que se contabilizou, conjunturalmente, nas remessas e divisas de montantes astronómicos, de que os governos se mostravam ávidos para minorar os desequilíbrios das contas públicas. Não surpreende, pois, embora se possa lamentar, que o foco de todos os estudos e registos, e a preocupação dominantes de todas as políticas públicas tenha sido essa componente material, e, com ela, a dimensão quantitativa da expatriação, avaliada em números, como expressão dramática da "ausência", sem cuidar das formas de vivência coletiva na emigração, da dinâmica associativa, em que se funda e se continua um espaço de "presença" intemporal e universalista. 4 - As comunidades portuguesas, como realidade orgânica, foram, ao longo dos tempos, sobretudo desde a segunda metade do século XIX, uma criação espontânea dos portugueses, em cada sociedade de acolhimento, uma resposta eficiente e dada com caráter sistemático às necessidades das pessoas, através do apoio aos recém-chegados e aos mais desfavorecidos, da entreajuda e do convívio. As preocupações culturais logo se seguem: a preservação de costumes, de modos de estar, o ensino da língua e da história aos jovens, a transmissão da herança ancestral, na afirmação de uma identidade nacional da qual é parte o fraternalismo e a convivialidade entre vizinhos - e que, por isso, não é conflitual, nem agressiva, mas fator de cooperação e inclusão. É assim numa rede, em regra, diversificada, de associações de fins sociais, culturais, recreativos, que se foi suprindo a falta de políticas públicas do Estado nacional... Os estudiosos da emigração portuguesa apontam o tradicional descaso dos governos com a sorte dos nacionais, desde que abandonam o território, e apontam às políticas de emigração uma constante e quase exclusiva finalidade de condicionar, limitar ou proibir fluxos de saída, considerados excessivos, até quando destinados ao povoamento de possessões ultramarinas - caso, nomeadamente, do Brasil, onde os imparáveis fluxos migratórios iriam em crescendo após a independência, com a mesma tónica de espontaneidade. Por isso, é difícil traçar a linha de fronteira entre as partidas que se enquadraram no projeto estatal de colonização e as, a que foram assumindo, mais e mais, os contornos de fenómeno puramente migratório. E, a meu ver, uma tal ambivalência, terá tido, por todo o lado, os seus reflexos no modo de trato e convívio com as populações locais e com outros imigrantes, num relacionamento mais próximo e fraterno, de cujo rasto antigo e difuso emana o mundo atual da lusofilia. Nas palavras de Jorge de Sena: "solúvel e insolúvel este povo, na memória dos outros e na sua mesma". 5 - O excesso acentuava-se, em cada novo ciclo, como os números claramente mostram, desde o século XVI, e era visto como um risco para a sobrevivência do país no seu berço territorial. Contudo foi, como hoje sabemos, o declínio demográfico não aconteceu, até novecentos, e esse excesso contribuíu, decisivamente, para o enraizamento da língua e de uma forte componente cultural no Brasil independente (aberto ao ingresso em massa de outras migrações), bem como em outras possessões do império, e um pouco por todo o lado, no que chamamos a nossa Diáspora. Num balanço realizado à distância de séculos, somos tentados a afirmar que o futuro deu razão aos milhões de emigrantes, que daqui se foram, movidos por um sonho proibido, Afinal mais efémero foi o império, cujas riquezas que, em cada época, se ganharam e se perderam, do que as comunidades que, ainda hoje, estão vivas nas terras onde a aventura da Expansão nos levou de Oriente a Ocidente, a nível planetário.. As comunidades sobreviveram às primeiras levas de emigrantes, existem com caraterísticas bastante semelhantes, acompanhando os movimentos migratórios, os de oitocentos, ou mesmo anteriores, tal como os contemporâneos, e podem ser consideradas a nossa última descoberta Até ao século XX, poucos investigadores se deram conta da existência das comunidades (ou "colónias" de emigrantes, como então se dizia) - Afonso Costa, Emídio da Silva... E mesmo eles não se aperceberam do seu significado, da sua capacidade de sobrevivência no encadeamento de gerações, ou seja da sua estruturação como autêntica Diáspora. Diáspora sem exílio, mas nem por isso com não menor apego aos valores matriciais, que se vão passando à descendência como herança.. 6 - A descoberta das comunidades coincide com o fim do império, e não certamente por acaso .Ninguém o enunciou melhor do que o Primeiro Ministro Sá Carneiro, em 1980: "Portugal foi um país de colónias, hoje é um país de comunidades"." Uma Nação de Comunidades, uma Nação populacional". Ou numa sua inspiradora definição, em que acentua valores imateriais da sociedade civil: "Portugal é mais uma Cultura do que uma organização rígida". É nesse ano de 1980 que surge no organograma do Governo, consequentemente, pela primeira vez uma Secretaria de Estado da Emigração e das "Comunidades Portuguesas", e que se procura desenvolver, articulando-as, mas distinguindo-as, com meios próprios, políticas sociais para a emigração, e políticas de dominante cultural para a Diáspora, representada num Conselho Mundial das Comunidades Portuguesas. Todavia, já anos antes, por iniciativa do 1º Presidente eleito General Ramalho Eanes o substantivo "comunidades" começara a integrar a denominação oficial do 10 de junho : Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesa. É o momento em que se anuncia o Portugal moderno, na sua perfeita dimensão humana e cultural - uma cultura viva e em em expansão universal. Orador nas comemorações solenes dessa data, VMGodinho di-lo com meridiana clareza : "Portugal é mais do que o império que se fez e desfez, está presente com os Portugueses, onde quer que vivam" (cito de memória). 7 - Os governantes, os académicos, os cidadãos em geral, podem e devem reconhecer este mundo português, com a dimensão universalista que confere à Nação Portuguesa, na continuidade de uma aventura histórica que organizações da sociedade civil, com os seus fins e meios próprios, tomaram como missão sua. E, porque assim foi e assim é, há que atribuir todo o mérito pela existência - fundação e preservação - das comunidades, verdadeira extensão extra-territorial do País, aos emigrados, não ao Estado. Eles partiram, mas não se perderam na dispersão geográfica, fatalidade prevista pela sabedoria popular e académica... Eles não abandonaram Portugal, levaram-no consigo, como tão finamente intuiu Jaime Cortesão. Reuniram-se, e, em cada novo destino, dando provas de uma propensão associativa muito superior à que revelam no país, recriaram em instituições semelhantes àquelas que conheciam, verdadeiras sociedades portuguesas, com os seus costumes, modos de estar, idioma,crenças e valores, em suma, fidelidade às raízes e à Pátria - e uma espantosa capacidade de transmitir a herança cultural, de preservar a vida das comunidades, num longo encadeamento de gerações. Ao invés do que julgaram os académicos mais interessados pelo fenómeno, do ponto de vista sociológico (como os já referidos Professores Afonso Costa e Emídio da Silva), não se tratava de um movimento saudosista de emigrantes, estreitamente nacionalista, e destinado a apagar-se no termo do seu trajeto pessoal. Daí o podermos falar de Diáspora! 8 - Apontar a existência das comunidades, colocá-los no cerne do discurso político sobre a emigração (um pouco como um seu sinónimo), não significa conhece-las rigorosamente. A maioria dos portugueses, incluindo políticos, jornalistas, funcionários, que delas falam com desenvoltura, nunca as visitaram nos seus centros nevrálgico, nem participaram nas suas atividades concretas, nem leram os seus jornais...Vão, assim, a França, à Africa do Sul ou ao Brasil, sem se aperceberem do espaço português que lá se nos oferece... Aliás, podemos ir mais longe e afirmar que as comunidades também não se conhecem nem colaboram entre si, fora das fronteiras de um país (ou, até só de uma região, de uma cidade..). . Eu própria, quando por dever de ofício, há quase 40 anos, comecei o meu roteiro de contactos - que não mais terminou - por este outro Portugal sem território, me vi surpreendida, nas viagens circulares, em que ia e vinha, atravessando mares e continentes. sem nunca me sentir no estrangeiro - saíra de casa, como se nunca tivesses saído. De princípio, tudo me parecia irrealidade, até me familiarizar e me apaixonar por essa realidade, por esse outro Portugal. 9 - Esse "Portugal maior" não é um "troppo" de retórica, nem um mito pós colonial.E também não é um guetto de inadaptados, de mal com a terra que deixaram e com aquela onde se encontram. É o Portugal recriado pelo Comendador António Braz e por Portugueses da sua estirpe, ao longo de séculos. Tem a sua grandeza, o seu espírito, a seu fraternalismo. Ele é um expoente máximo dessas virtudes, que são comuns a milhões de compatriotas, os que as viveram no passado, como os que hoje as transportam para o futuro. É preciso afirma-lo, contrariando ideias feitas sobre a emigração. Até em organizações e cimeiras internacionais (como as "conferências dos ministros responsáveis pelas migrações no Conselho da Europa...) constatei uma tendência a desvalorizar o associativismo de imigrante, vendo-o nessa perspetiva - - que procurei combater ativamente com o "paradigma português" - um movimento associativo, que , um pouco por todo o lado, começa por ser um poderoso fator de apoio à integração individual e vai sendo, em cada fase do ciclo migratório um verdadeiro espelho do percurso coletivo. Não é, nem pode ser este semelhante em economias e sociedades que oferecem oportunidades muito diversas aos respetivos imigrantes, tendo em conta a sua formação e qualificações, à partida bastante homogéneas - numa grande maioria, trabalhadores rurais e operários, com baixa escolarização. A longa experiência portuguesa de dispersão mostra que as economias mais desenvolvidas, como as do velho continente europeu, são as mais adversas à ascensão social, quando comparadas com as facilidades à iniciativa individual, empresarial, no chamado "novo mundo", onde se fizeram, logo na primeira geração, as médias, as grandes e as extraordinárias fortunas. E, naturalmente, o nível de prosperidade, o estatuto social dos sue membros, refletem-se na dimensão do todo institucional das comunidades em concreto. Há, ainda hoje, a par das associações que recriam a atmosfera de uma pequena aldeia portuguesa tradicional, as grandiosas instituições beneficentes, culturais ou´desportivas do Brasil, da África do Sul, da Venezuela ou Califórnia. Todas são constitutivas de comunidades em sentido orgânico em que se sedimenta o espaço extra-territorial da Mátria, recriado e projetado com os mesmos objetivos essenciais, prosseguidos com meios e em círculos de influência muito díspares. Em suma, o Impulso que os determina é sempre a vontade de serem, no seu círculo local, à medida das suas possibilidades, presença cultural portuguesa, ponte entre duas sociedades em que, por igual, se revêm e de que se consideram plenamente parte. . A dupla nacionalidade, adotada em 1981, no quadro de uma política para as comunidades da Diáspora, vem, afinal, apenas, subsumir esta realidade. Não é uma utopia, corresponde à vida, a sentimentos profundos de dupla pertença - integração sem assimilação. 10 - O Comendador António Braz é, como disse, um rosto inesquecível deste Portugal redimensionado pela expansão das suas comunidades da emigração, pelo querer e portuguesismo da sua Gente, Foi nesta faceta de "construtor de comunidades" que o conheci, em 1980, e aprendi a admirá-lo e por isso, de entre todas as que poderia escolher, a saliento. E também porque se orna mais fácil, dando o seu exemplo, falar destas comunidades, do significado que assumem para o País, como ponte, feita de uma infinidade de pontes a ligar-nos na geografia humana, pontes lançadas entre um passado e um futuro português... . Sim o seu exemplo! As virtudes que reconhecemos aos nossos antepassados - a natural capacidade de aceitar e ser aceite pelos outros, de os envolver num trepidante intercâmbio de produtos, de instrumentos, técnicas e saberes, levados de continente a continente. Com moderno empresário foi isso mesmo o que conseguiu, levando ao sul da África, tradições da América do Norte! Como cidadão, soube, da mesma maneira, lutar pelo progresso, fazer amigos, grangear prestígio, que repartiu com a sua comunidade e o seu País. Criou associações, fundou um jornal de grande qualidade, (um dos melhores de todo o espaço da lusofonia!). Era,em fins do sec XX, o grande patriarca da comunidade portuguesa da Àfrica. Quem mais teria conseguido dar às comemorações da passagem pelo Cabo da Boa Esperança o seu momento mais alto, com a simbólica oferta de um monumento a Bartolomeu Dias,colocado no mais nobre lugar da capital da República, face ao Union Building? Uma celebração da História, que é uma "prova de vida" do Povo que fomos e ainda somos!
A História de uma Vida - o Homem e o Livro Tem estado em Espinho, desde Setembro, um dos portugueses mais cosmopolitas e mais viajados do nosso tempo - o Doutor Carlos Pereira de Lemos. Veio da Oceânia, com a Mulher, uma ilustre académica sul-africana, a Doutora Molly Murray de Lemos.. São emigrantes nesse continente tão distante, há largas décadas. Ele tem 90 anos, ela é mais nova, mas da mesma geração. Em janeiro de 2016, ela recebeu, pelos seus trabalhos de investigação no campo da educação, uma honraria rara, a Ordem da Austrália. ele, meses depois, em Dili, as insígnias da Ordem de Timor Leste, pela sua inteligente e incansável luta pela causa timorense. Carlos de Lemos é o nosso cônsul honorário em Melbourne, e todos esperam que se mantenha, futuramente,, porque tem sido um extraordinário representante do País, da lusofonia e dos seus Povos. Nesta visita a Portugal trouxe consigo um livro, uma autobiografia, que apresentou em vários lançamentos, de Lisboa a Melgaço. Não se pense, pois, que está no sossego de um confortável apartamento de Espinho, repousando nas nossas esplanadas, gozando a vista do nosso mar. Também está, mas não sempre.... As solicitações são tantas e de tantos quadrantes geográficos, que o vai vem é constante. Está habituado - de movimento se fez " a história de uma vida", que parecia condenada ao confinamento em pequenos povoados serranos do Alto Minho. O Homem Carlos de Lemos quase não teve infância - saiu da escola com a 3ª classe e logo precisou trabalhar, como um adulto. A partir dos 12 anos ficou entregue a si próprio e as grandes decisões, que moldaram o caráter do Homem e o conduziram num destino prodigioso, foram da sua inteira responsabilidade. O perfeito exemplo de "self made man" que, contra todas as probabilidades, chega longe - mas não no tipo de sucesso que quase exclusivamente se associa ao conceito: o sucesso material, a fortuna contabilizada em milhões.. Não era isso o que procurava. Queria ir longe no sentido literal de abrir horizontes geográficos, mas também os horizontes do conhecimento e da Cultura. Foi o que conseguiu, numa dimensão, à partida, verdadeiramente inimaginável.... Ele mesmo o afirma no epílogo da autobiografia: "eu não acumulei dinheiro. Mas acumulei riqueza de ter vivido uma vida cheia de experiência variadas". Sózinho vai para a cidade, ou melhor, no plural, cidades, uma após outra. É empregado de café em Melgaço, em Monção. Já aí um dos doutores que frequentava as tertúlias do café, lhe diz: "Rapaz, tu és um verdadeiro diplomata". E diplomata viria a ser, ao serviço da República Portuguesa|. Mas, antes, o seu percurso passa por Lisboa e Cascais. É já adjunto de topógrafo - um jovem bem parecido, bem falante, facilmente aceite em tertúlias de universitários e de intelectuais, Discretamente, aí vai a exame da 4ª classe. Como topógrafo, percorre o pais, do Algarve ao Minho. Espinho, Figueira da Foz, Póvoa, são praias onde o leva a bem escolhida profissão. Na Póvoa, num só ano, completa o antigo 5º ano do liceu. Em todo o lado, convive e dialoga à vontade com elites da cultura. Está pronto para "correr mundo", até ao limite das fronteiras de um "império", que entrava na sua derradeira fase, vai "do Minho a Timor".Primeiro, Moçambique - o vale do Limpopo, o Rio dos Elefantes, com esporádicas visitas à capital. Aí se torna amigo de Paulo Valada, de João Maria Tudela (com quem frequenta o seleto "Clube de Lourenço Marques"). e de... Samora Machel! Com as poupanças amealhadas no Limpopo, tira licença sem vencimento, não para se divertir, mas para estudar em Universidades da África do Sul. Quando o pecúlio se esgota procura nova ocupação, ainda mais a oriente. É o novo topógrafo -Chefe no projeto de construção do porto de Dili e no reconhecimento hidrográfico de outros pontos do litoral timorense. Anos felizes, já com a Mulher. Molly, que conhecera nos bancos da Universidade. Na África do Sul pertence ao "inner circle" de Alan Paton (cujo filho era seu colega). Na sua casa encontra outros famosos oposicionistas ao "apartheid", como Oliver Tambo, Mandela, Walter Sisulu. Em Timor, o especial amigo é Rui Cinatti - quem mais haveria de ser? Um novo capítulo se inicia, quando a carreira académica de Molly os leva à Austrália. Serão, doravante, emigrantes. Como topógrafo, ele atravessa os desertos do norte australiano, em voltas que totalizam mais de 34.000 km, por territórios onde homem algum tinha posto o pé. Melbourne é a cidade onde se enraízam, onde Molly prossegue a carreira académica e. Carlos de Lemos, depois de terminar os cursos de Sociologia e de Ciências Políticas, é professor, correspondente de bancos portugueses, e um cidadão ativo numa emergente comunidade portuguesa. Lidera, mobiliza, cria a escola de português, o programa de rádio, a "comissão" de atividades sociais e culturais. Antes de ser, formalmente, acreditado como cônsul honorário de Portugal (em 1988), já era o grande defensor dos imigrantes portugueses - e dos timorenses! - perante a sociedade e as autoridades do país. O seu prestígio e simpatia, a sua capacidade de comunicação e relacionamento convertem-no no mais notável paladino da cultura e da história portuguesas em toda a Austrália. Consegue o "impossível" - erguer um padrão de homenagem aos navegadores portugueses em Warrnanbool, onde terão aportado as caravelas lusas, 200 anos antes de Cook.. Kenneth Mc Intire, o investigador que veio comprovar a primazia da descoberta portuguesa, é visita assídua de sua casa. .Warrenanbool, cidade situada na chamada "costa dos naufrágios", recebe, desde então, muitos milhares de turistas, sobretudo por altura do "Portuguese Festival", que se realiza anualmente. Outra ideia Cônsul de Portugal - brilhante e pragmático, como sempre. À inauguração do Padrão, ele soubera assegurar a cobertura dos mais importantes "media" australianos, a presença do Governador- Geral e dos titulares dos mais altos cargos políticos, mas não quis que fosse - o que já seria muito - um evento isolado. O Padrão, com o Festival, converteu-se em autêntico "lugar de culto" para a nossa gente e para muitos australianos . A cidade agradeceu, dando a uma das ruas, o nome do Dr Lemos. O Presidente Sampaio distinguiu-o com a comenda da Ordem de Mérito. O Livro É uma narrativa fantástica do percurso deste Homem extraordinário, a mostrar mais um dos seus talentos: escrever num português límpido, simples e expressivo, um texto que nos encanta e nos convida a ir com ele pelo mundo fora, numa viagem contada em mais de 370 páginas - uma viagem que atravessa épocas, mares e continentes. Mais do que um detalhado relato de factos e realizações é uma partilha de memórias, de confidências, de observações e comentários sobre muitos lugares e muitas pessoas, com imenso interesse antropológico, histórico, sócio - político. É o retrato de um português de hoje que encarna, realmente, as virtudes que atribuímos aos antigos portugueses - o gosto pela aventura, a curiosidade e a aceitação da alteridade cultural, o dom de conviver com todos os povos. É o retrato de um emigrante que deixa por onde passa um rasto de simpatia e admiração por si e por Portugal, porque sempre soube "dar um sentido humanista e fraternal ao movimento incessante da sua vida". Com estas palavras terminei o prefácio que é seguido por três mensagens, de personalidades dos três países a que ele pertence afetivamente. Por Timor fala o Dr. Ramos Horta, reconhecendo que : "A sua tem sido, e sei que será, uma vida de serviço prestado à causa de Portugal, dos Portugueses e dos Timorenses". Pelo nosso País, o Dr. Rui Quartin Santos, antigo Embaixador em Canberra, realça "as suas qualidades humanas e profissionais, o prestígio que soube conquistar junto de portugueses e australianos". Pela Austrália, Sir James Gobbo, ex- Governador do Estado de Victoria e Juiz do supremo Tribunal de justiça, agradece, antes de mais, ao diplomata: "I think particularly of your role as Honorary Consul of Portugal and your admirable leadership of the Consular Corps in Melbourne".. Aqui fica um convite à leitura de uma história de vida, que é também uma história do País e e de outros Países.
THE GREAT AMERICAN DISASTER Do 9-11 ao 11-9 1 - Cheguei a NY na segunda daquelas datas fatídicas: o "day after " da eleição presidencial americana. A viagem pareceu interminável, porque ao tempo real se somou o tempo psicológico, de quem ia chegar à América, já não para partilhar a festa da vitória, mas como quem vai a um funeral... de tudo o que admira na terra da liberdade, de todos os valores e causas em que acredita. Nessa noite, nas maiores cidades do país, o povo, que, com o seu voto, elegeu Presidente Hillary Clinton, saiu à rua, em pacíficas marchas de protesto. Foram as primeiras e não serão as últimas. Hopefully...Temos de esperar que o povo americano saiba defender-se da prepotência racista, xenófoba e misógina que Trump encarna, e, com resistência pacífica, defender o mundo de uma eminente regressão civilizacional. O "nine-eleven" foi uma data trágica que mudou, para sempre o tempo e o espaço de paz em que viviam as democracias, desde a derrota das potências do "Eixo", do nazismo e do fascismo, na segunda metade do século XX . Um outro presidente republicano, JW Bush, lançou a guerra (do Iraque), destruiu equilíbrio de forças no Médio Oriente e criou o "habitat" ao desenvolvimento da Al_Qaeda e de todos os terrorismos aparentados. O erro de Bush não tem fim à vista. Contudo, ao comparar Trump a Bush, a conclusão é assustadora, porque, apesar de toda a sua incompetência e estupidez , este ainda se situa no campo da democracia, na sua faixa mais conservadora e belicista, contudo ainda dentro dos princípios e das normas mínimas de relacionamento entre pessoas, raças, sexos e religiões, entre nações e povos. Tal como Trump face a Hillary, ele perdera no voto popular para o democrata Al Gore, e fora entronizado por um sistema anacrónico de voto colegial - tão anacrónico quanto o direito individual de porte de armas, que, há duzentos anos, correspondia a uma necessidade de auto-preservação nas pradarias ou nos "saloons" do Far - west" e hoje serve, sobretudo, a violência dos fanáticos e o instinto assassino dos psicopatas. Na verdade, o sistema eleitoral vigente na América favorece Estados menos populosos, por coincidência, mais WASP, (brancos, anglo-saxónicos e protestantes). mais envelhecidos e mais conservadores, que estão sobre - representados, e cada vez mais. Um outro fator de distorção da vontade popular, é a regra que dá ao vencedor de um Estado, mesmo tangencial, todos os delegados que o representam, sejam eles muito ou poucos, assim inutilizando o voto de todos quantos, nessa circunscrição, sufragaram o outro candidato De há muito se multiplicam as críticas a tais aberrações eleitorais, assim como ao uso generalizado de armas de fogo, sem que tenha sido possível a sua erradicação. 2 - Hillary Rodham Clinton, a brilhante Senadora de NY, a competentíssima e prestigiada antiga Ministra dos Negócios Estrangeiros, ganhou a eleição por sufrágio direto e universal, como acontecera com Al Gore o antigo Vice.presidente de Bill Clinton, Seria, em qualquer Estado, que respeite o voto expresso do Povo - de Portugal à África do Sul, do Brasil à França... - a Presidente do seu país. Fica com ela, como clamam muitos democratas, essa inegável legitimidade! Resta ao oponente a "legitimidade de sistema", ironia do destino para quem se apresentava como a candidato anti-sistema.. E sobra-lhe poder... Num e noutro caso, há 16 anos como agora, os EUA perderam estadistas de grande estatura, com um ímpar conhecimento de política internacional e nacional, e viram, em seu lugar, homens sem qualidade, que, à frente da única super-potência mundial, são tremendamente perigosos para a humanidade inteira, 3 - Depois de uma estadia esplêndida, ainda que breve em Toronto, regressei, no domingo, pessimista, mas inconformada quanto a perspetivas de futuro, tendo o Globe and Mail e o NY Times como companheiros de viagem. Nos seus textos, encontrei, invariavelmente, uma leitura do acontecido na madrugada do "elevan nine" próxima da minha.:Horrorizada", como Paul Krugman ( "Thoughts for the horrified"), dececionada como John Irving (The "great beast" has spoken), resistente como Timothy Egan ("Resistance is not Futile). Em Portugal, constatei, sem surpresa, aliás, que (quase) todos se mostram menos preocupados com a figura de Trump do que com Marine le Pen, sua aliada em versão “soft” e dão mostras de querer “branquear” a sua imagem Pouco lhes importa a nomeação dos Bannon e dos Flyn para a "entourage" presidencial, ou o regozijo de Assad, de Mugabe ou Marine, que o consideram "aliado natural". Tal como Putin... A história recente da Europa e do mundo mostra o perigo de subvalorizar ditadores em potência. Não relativizemos os movimentos nacionalistas e xenófobos que alastram por todo o lado, até nos países mais improváveis, com o Brexit do Reino Unido, e a Dinamarca a confiscar os bens dos refugiados à maneira hitleriana. Não sejamos a maioria democrática silenciosa. Maioria, sim! A começar na América, menos dividida ao meio do que se julga, porque o projeto humanista e generoso de Hillary ganhou o sufrágio popular, e, do outro lado, muitos votaram por fatores mais benignos do que o ódio. A “Alternative Right” /Tea Party , de Trump, Pence, Bannon ou Flyn, embora no poder, é largamente minoritária Os democratas já vieram para a rua, em inúmeras manifestações cívicas, um elenco de negros, num palco da Broadway, já teve a coragem de exortar o futuro Vice.Presidente Pence - vaiado pelo público - a respeitar os direitos das minorias, um significativo número de clubes da NBA, já recusou alojar-se nos hotéis Trump, o “Mayor” de Nova York já fez desaparecer do alcance persecutório da administração Trump os registos de trabalhadores indocumentados. A democracia na América vai sobreviver na multiplicação destes gestos cívicos, Estamos todos convocados a lutar, assim, pela liberdade, igualdade e fraternidade no século XXI
MAUS COSTUMES (a propósito da praxe académica) A minha opinião sobre a "praxe" é, devo dizê-lo, influenciada pela experiência vivida na Universidade de Coimbra (1960/65), há mais de meio século. Como as regras vinham dos tempos em que a Academia era integralmente masculina, quando as primeiras mulheres ingressaram nas Faculdades houve que as integrar - embora tão marginalmente quanto possível. Antes do mais, trataram da feminização do traje. O equivalente encontrado à capa e batina foi a capa e um sóbrio mas feminino fato de saia e casaco. A única sanção a que as estudantes estavam sujeitas, na prática, tinha a ver com o uso incorreto desse traje - por exemplo, ousar uma blusa às riscas, ou uns sapatos brancos, coisa que não lembrava a ninguém. Uma outra significativa adaptação se impunha no dia da formatura: à saída do último exame, o novo doutor era cercado pelos amigos que, no meio de festiva algazarra, lhe rasgavam a batina. À nova doutora, se estivesse trajada a preceito, apenas cortavam, gentilmente, a gravata preta. Galantes formas de sexismo! A menos amável de que me recordo aconteceu no ano em que pus fitas. A pasta com as fitas só podia usar-se com capa e batina (ou fato). Contudo, sempre se abrira uma exceção para o baile de gala da "Queima", permitindo às (quase) doutoras comparecerem de vestido comprido e a pasta na mão. Nesse ano, porém, o todo poderoso "Conselho de veteranos" decidiu acabar com o privilégio e as estudantes tiveram de ir à gala sem as insígnias... Todas, menos uma: eu. Fui ao baile com a capa e o fato de todos os dias, e a pasta com as fitas vermelhas. A trupe de veteranos, que vigiava a porta principal (qual "polícia de costumes" do Irão ou da Arábia Saudita), quis, em vão barrar-me a entrada, assim evidenciando que estava em curso uma golpada misógina, mais do que a pura defesa da ortodoxia do traje. Não esperavam que uma só colega teimasse em aparecer com o fato praxisticamente certo, embora socialmente incorreto. Claro que eu destoava no salão de festas, entre as sedas e as rendas das minhas amigas, mas sentia-me bem na veste da feminista que resistira ao "diktat" dos "veteranos". Globalmente, aliás, nem tudo era mau na vivência das tradições coimbrãs: gostava do fado, das serenatas, das "latadas", dos cortejos da "Queima", do sobe e desce das ruelas mediavais da cidade. E divertia-me com os rituais que via como essencialmente lúdicos, com a irreverência, a graça e o entusiasmo de viver os anos de juventude, em alegre companhia, na senda dos feitos que Trindade Coelho registou na melhor crónica que jamais se escreveu sobre Coimbra ( "In illo tempore"). Gostava da minha capa (tão confortável, salvo num salão de dança) como símbolo de pertença a um universo de sã camaradagem e amizade. E, para tanto, não precisei de percorrer a via iniciática de praxes, contra as quais me revoltava - mesmo contra aquelas que teriam um sentido pedagógico - caso da proibição dos caloiros andaram sozinhos, à noite, pela cidade, que, supostamente, visava protegê-los da boémia e obrigá-los a estudar. A partir do sol posto, começava a caça aos caloiros... As "trupes" escondiam-se nas sombras das vielas e, de repente, cercavam as vítimas, num círculo de vultos negros do qual não escapavam sem tesouradas fatais nas cabeleiras (a única solução era irem, depois, ao barbeiro rapar o cabelo, uniformemente...) . Escapavam, porém, se tivessem "proteção" de uma senhora, com quem andassem de braço dado. A senhora podia, curiosamente, ser uma caloira! Eu própria "salvei" muitos colegas, dando-lhes, momentaneamente, o braço, mal pressentia a movimentação das sinistras trupes ... 2 - Voltei a Coimbra, para dar aulas na Faculdade de Direito, na década seguinte, em 1974, nas vésperas do 25 de abril, e lá fiquei durante dois anos de boa memória. Agitação havia bastante, no interior e exterior da universidade, mas não relacionada com a praxe, que fora totalmente abolida pelos ventos da Revolução, como vestígio do fascismo. Sei que o epíteto de "fascista" foi, então, utilizado a torto e a direito, mas neste domínio, por sinal, com alguma propriedade, porque há, nas hierarquias em que a praxe se organiza como corporação, nos ritos de obediência que impõe, cegamente, afinidades com o "ancien régime". O pós revolução era a altura ideal para repensar a praxe antiga, para separar o que ela continha de trigo e de joio. Infelizmente, veio a ser reinstalada com facetas incomparavelmente mais malignas, um pouco por todo o lado, em universidades sem passado, sem tradições próprias, onde constituem meros jogos de imitação - e jogos perigosos, reinventados com uma brutalidade sádica que fazem mortos e feridos. Se a prática continuada os converte em costumes, são certamente, maus costumes, quando não crimes. A proibição das praxes violentas é, a meu ver, um imperativo numa sociedade democrática. Muito bem anda o Ministro do Ensino Superior ao tomar posição neste sentido. 3 - A dificuldade maior, no que respeita à proibição, é traçar a fronteira entre ações livremente consentidas e lícitas, de caráter lúdico e o que é "bullying", comportamento degradante, indigno, criminoso. Por isso, para além da corajosa e lúcida intervenção do Ministro, uma outra boa notícia é o anúncio de uma investigação científica sobre a realidade atual do universo das praxes , no seio de uma universidade, em Lisboa. Espero que uma tal análise interdisciplinar, ampla e rigorosa, possa lançar nova luz sobre as sombras que envolvem a evolução do fenómeno. Maria Manuela Aguiar
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1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O MEU MODO DE VER E DE TRABALHAR PARA OS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS.
Sou uma das fundadoras da Associação.
Acredito na força dos movimentos associativos, na sua influência para a mudança do estado de coisas imperfeito e injusto, que herdámos do passado. No início de 90, envolvi-me no trabalho de promover a criação de organizações para a igualdade em diversos domínios, sem esquecer o das migrações, tradicionalmente tão marginalizado - até nas reivindicações das feministas, desde o século XIX. A AMM é contemporânea da "Associação das Mulheres Parlamentares", da "Associação Ana de Castro Osório" ou do Forum Internacional das Migrações, entre outras de que fui fundadora. Em comum tinham o facto de se situarem numa perspetiva supra-partidária. Não fiquei à frente de nenhuma, porque na altura viajava constantemente, para reuniões no Conselho da Europa e nas nossas comunidades do estrangeiro, mas colaborei ativamante, desde a primeira hora, sobretudo, com a AMM. No seu arranque, a Associação contou com o entusiasmo e a eficácia da empresária luso-brasileira Fernanda Ramos, e de Rita Gomes, que acabava de se aposentar. Seria a única capaz de fazer um caminho ascensional, ao longo destes últimos 25 anos - prova real de que é fácil ter uma ideia e lançar um projeto, o difícil é continuá-lo!
Neste caso, tratava-se, mais precisamente, de relançar ou retomar um projeto, pensado e proposto durante o histórico 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo de 1985: o da união das mulheres portuguesas no mundo. Intenção esplêndida e pioneira, que não puderam, então, concretizar, mas inspirou a criação da "Mulher Migrante Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade", em 1993. De facto, no ato da sua constituição vemos os nomes de muitas das participantes do pioneiro Encontro Mundial. A nova ONG, (ao contrário do modelo delineado em 1985 e adotado no associativismo feminino da Diáspora), é aberta aos dois sexos, a todos os que se preocupam com as particularidades de género nas migrações e com quaisquer formas de discriminação e xenofobia. Esta absoluta singularidade, converte-la-ia, numa fase inicial, em parceira importante da Comissão da Igualdade, (que tinha um historial de insuficiente atenção às mulheres expatriadas), e, depois, também da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, a partir de 2005, data em que passou a desenvolver, sistematicamente, políticas de emigração com a componente de género. Pude intervir em todos os colóquios e congressos organizados no pais e no estrangeiro, nomeadamente nos "Encontros para a Cidadania" (2205-2009), presididos pela Dr-ª Maria Barroso, e coordenei, juntamente, com outras colegas, várias das nossas publicações. Neste momento, estou empenhada em colaborar com a presidente Arcelina Santiago e com as/os demais colegas na execução do ambicioso programa para o ano de 2019.
É bom pertencer a uma coletividade, onde independentemente da nossa posição nos órgãos sociais, temos o mesmo direito de iniciativa, temos voz, somos ouvidas/os. Em suma, somos iguais, numa ONG que se bate pela igualdade!
2. Os meus planos de ação no domínio das migrações e da Diáspora, com especial enfoque nas femininas, em colaboração com a AMM
Nos últimos anos, sobretudo desde que cessei funções oficiais, tenho procurado, sempre que possível, destacar a minha pertença à AMM, nas sínteses curriculares, assim como enquadrar as minhas intervenções, mesmo as que são solicitadas a título pessoal, no programa de atividades da Associação. As frequentes deslocações ao estrangeiro deram-me, e de algum modo continuam a dar-me, oportunidades de incentivar uma maior participação cívica e política das emigrantes, seja pelo seu acesso ao patamar do dirigismo associativo geral, seja, em alternativa, pelo desenvolvimento de movimentos cívicos, e pela aproximação, entre si, de mulheres de diferentes comunidades e delas com a AMM, assim potenciando uma vertente internacional, que é, bem vistas as coisas, a sua vocação originária.
Narrativa e fotos para Boletim AMM
MARIA MANUELA AGUIAR DIAS MOREIRA
Nasci em 1942, na casa da avó materna - uma das chamadas “casas de brasileiros” - no centro de Gondomar. Aí vivi os anos felizes da infância, num ambiente em que o Brasil estava bem presente e mais nas memórias, nas narrativas, na música, na gastronomia do que na traça do edifício.
Aguardei, com impaciência, a entrada na escola, onde me sentia realizada a aprender as letras e os números. Depois de dois anos na escola pública, sete no colégio do Sardão (onde tinha ótimas condições para a prática do desporto, que era a minha paixão maior) e dois no Liceu Rainha Santa Isabel (que significou liberdade, aventura bem sucedida), fiz o curso de Direito na Universidade de Coimbra. Era excelente aluna, estudava por gosto e com entusiasmo, embora sofresse demais em todos os exames, que acabavam por correr a contento. Terminei o liceu com 18 valores, em 1960, e Direito com 17, em 1965.
Voltei à vida de estudante, como bolseira da Fundação Gulbenkian, em Paris, entre 1968 e 1970. O lugar e o tempo certo para me iniciar na Sociologia do Direito, em mais do que um sentido... Conclui o ano de "titularisation" na "École Pratique des Hautes Études", com Alain Touraine, vários certificados na tumultuada Universidade de Vincennes e o "Diplôme Supérieur d' Études et de Recherche en Droit" na conservadora Faculdade de Direito do Instituto Católico. Residi na cidade universitária, (um ano na Casa dos Estudantes Portugueses, outro na Fundação Argentina). Senti-me em vários países simultaneamente, e em todos "*à vontade", fazendo amigos. Parafraseando António Vitorino de Almeida sobre a Áustria e Viena, direi que "Paris é a minha cidade, mas a França não é o meu país". Aquando dessa espécie de feliz imigração parisiense, já era Assistente do Centro de Estudos do Ministério das Corporações e Segurança Social (1967/1974). Tinha colegas que foram, e são, nomes prestigiados na comunidade académica e na política, (em quadrantes vários) e dois sucessivos diretores de boa memória, que me deram liberdade de expressão e de circulação (com bolsas da OIT, da OCDE, das Nações Unidas, do Instituto Sueco de Informação.). Um era, ideologicamente, homem do regime (Cortez Pinto), o outro um professor progressista, cultíssimo e muito divertido (António da Silva Leal).
Os meus incipientes estudos de sociologia trouxeram-me um inesperado convite de Álvaro Melo e Sousa para ser sua assistente na Universidade Católica. Um segundo convite, não menos surpreendente, de um estimado Professor, Eduardo Correia, levou-me para a Faculdade de Economia de Coimbra, onde tomei posse no dia 24 de abril de 1974 e me preparava, no pós 25 de abril, para dar classes de "feminismo" e "sindicalismo" como assistente de Boaventura Sousa Santos, e um terceiro, pouco depois, para a "minha" Faculdade de Direito. Fui Assistente de Rui Alarcão, futuro Reitor, e de Mota Pinto, futuro Primeiro-ministro. (tendo na transição entre Faculdades, perdido a hipótese de ser pioneira num curso sobre questões de género...). Uma época agitada e auspiciosa, em certos aspetos como a vivida a de Paris, nos dias e meses seguintes a uma revolução... Não tinha partido, era social-democrata "à sueca", como Sá Carneiro e os meus amigos de Coimbra, influentes ideólogos do PPD.
Em 1976, antecipando saudades sem fim, troquei a Faculdade por uma instituição de inspiração nórdica, completamente nova entre nós, o Serviço do Provedor de Justiça. Fui assessora de dois históricos democratas, o primeiro Provedor, Coronel Costa Braz, e o segundo, o advogado José Magalhães Godinho, exemplo raro de humanismo e de alegria de viver.
Só na década de noventa me reencontrei em salas de aulas, como docente convidada da Universidade Aberta (Mestrado de Relações Interculturais), a convite de Maria Beatriz Rocha –Trindade, nome incontornável no estudo das nossas migrações..
A experiência nas três universidades foi esplêndida e ajudou-me a rejuvenescer e a interagir com audiências estimulantes e numerosas. Uma aprendizagem sem a qual não teria conseguido fazer caminho no terreno mais agreste da política - coisa que, devo acrescentar, não estava nos meus planos. Desde sempre gostei de discutir questões políticas no círculo da família e dos amigos, e era uma feminista declarada nas tertúlias de café. Talvez, por isso o Doutor Mota Pinto me lançou, em 1978, o desafio de passar à ação, colocando-me perante um dilema: ou aceitava o cargo de Secretária de Estado do Trabalho ou seria responsável pelo défice feminino do seu governo (de independentes). Aceitei. Era "serviço público", por alguns meses apenas, com eleições partidárias já no horizonte.
Em agosto de 1979, reocupei o meu gabinete na Provedoria, tendo deixado pronto para publicação, na Praça de Londres, o diploma que criava a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE) - inspirada no "Ombudsman para a Igualdade" da Suécia. Contudo, não resisti a uma nova e surpreendente chamada para o governo de Sá Carneiro, na pasta da emigração. Fui e fiquei em quatro governos e no parlamento durante mais de duas décadas, ligada às questões da emigração, da igualdade de género, dos Direitos Humanos.
Entre 1987 e 1991, com quatro sucessivas eleições para Vice-Presidente da Assembleia da República, tornei-me a primeira mulher a presidir a sessões plenárias ou a delegações parlamentares (começando por uma visita oficial ao Japão). Em 1991, fui eleita para a Delegação Portuguesa à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE) e à União da Europa Ocidental (AUEO), nas quais seria, durante cerca de 14 anos, membro, presidente de diversas subcomissões, presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia, Vice-presidente da UEO, e da bancada parlamentar do Grupo Liberal e Reformista, e, nos três últimos anos, Presidente da Delegação Portuguesa, Um trabalho gratificante, em assembleias onde se pensa o futuro e até é permitida a utopia, sem nenhum dos constrangimentos dos parlamentos nacionais. Quando o PSD trocou o Grupo Liberal pelo PPE era frequente os colegas desse grupo votarem contra os meus relatórios e vice-versa.
Saí, quando quis, da Assembleia da República, em 2005. De 2005 a 2011 fui Vereadora na Câmara de Espinho. Desde então e até hoje, continuei o meu trabalho cívico, nos mesmos domínios de intervenção, sem abrandar o ritmo. Este percurso de vida, que, no início, não fora escolha minha, acabou sendo, talvez, uma boa escolha. Foi feito de movimento, de incontáveis "viagens de descoberta" pelo do mundo das comunidades da emigração, de encontros, diálogo e amizades em tantos países e continentes, mais do que em Portugal. E de convívio inesquecível, com os grandes protagonistas da história da Cultura e da Democracia, na minha geração, os que já mencionei e outros Homens (o General Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Freitas do Amaral, o Marechal Spínola, o Capitão Sarmento Pimentel...), e Mulheres como Maria Barroso, Natália Correia, Agustina Bessa Luís, Amália, Ruth Escobar, Lurdes Pintasilgo. ...
E ainda me restou algum tempo livre para coisas de que tanto gosto, como futebol, cinema, praia, música, um bom livro, os meus cães e gatos (muitos!).
Livros, publiquei alguns sobre emigração (o último dos quais, em 2005, com o título "Comunidades Portuguesas, os Direitos e os Afetos", quando os afetos ainda não eram virtude na ação ou no discurso políticos), e coordenei a publicação de revistas e atas de congressos, nomeadamente da AMM.
As condecorações vêm, em regra, no último capítulo, dos CV's. Muitas são as que recebi em função de cargos oficiais, mas aqui referirei só as que me foram atribuídas de forma mais personalizada, como a Grã-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique pelo Presidente Sampaio, a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul (Brasil), a Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco (Brasil), a Ordem da Estrela Polar (Suécia) no grau de Grande Oficial, o título de "Cidadão do Rio de Janeiro", a Ordem Tiradentes, a Medalha de Mérito Cívico da Câmara de Gaia (classe ouro), o "Dragão de ouro" do FCP, a Medalha de Honra da Câmara de Espinho. E. nos meus tempos de juventude, uma primeira distinção do Rotary Club do Porto, o Prémio Nacional (pelo Liceu Rainha Santa) e o Prémio Beleza dos Santos, (de Direito Criminal, Universidade de Coimbra)
Sobre Comunidade Luso Brasileira Monção 2018
A comunidade luso-brasileira é uma realidade humana, histórica, sociológica, linguística, cultural, afetiva, em suma, uma história de famílias, e, com elas, de nações, (enquadradas num Estado, primeiro, seguidamente em dois), que antecede em séculos a sua consagração na esfera do Direito interno e internacional
É esta supra estrutura jurídica, assim como a formação da vontade política que lhe deu a sua arquitetura atual, num e noutro país, que vamos, de uma forma necessariamente sumária, trazer hoje a debate.
A nível bilateral, as primeiras negociações tiveram lugar nas décadas 50 e 70 do século passado. A elas se seguiu, em 1988, uma iniciativa unilateral brasileira, que, em sede constitucional levou a um extraordinário aprofundamento do estatuto de direitos políticos dos portugueses, plenamente equiparados a nacionais, sob condição de reciprocidade para os brasileiros. Não se tratou de consagrar a dupla cidadania, mas de lhes conceder todos os direitos da nacionalidade brasileira, na qualidade de imigrantes portugueses. Um inciso à medida das aspirações de uma grande comunidade, a nossa, que nunca se considerou estrangeira no "país irmão". O poderoso movimento associativo, que é seu porta-voz, e muitas personalidades influentes na sociedade e na vida política do país, uniram-se para lutar pelo objetivo de transpor o estatuto de igualdade à sua última fronteira. E lograram alcançar o que se afigurava pura utopia e que passou a constituir uma absoluta singularidade em matéria de direito comparado. Esperava-se um procedimento convergente, fácil e consensual em Lisboa, no hemiciclo de São Bento. De facto, em Brasília, no desenrolar do complexo processo de feitura da Constituição de 1988, o capítulo da nacionalidade, fora o mais controvertido, com uma única ressalva: os direitos atribuídos aos portugueses, que foram votados sem discussão e por unanimidade! Contra as expetativas, porém, a resposta dos deputados portugueses não foi nem rápida nem fácil, criado que foi um ambiente partidário de incompreensão e de desconfiança, de polémica e dissenso, que se arrastou por três processos revisionais, comprometendo gravemente o relacionamento entre os dois países.
Começaremos por uma breve referência aos processos de negociação. a nível governamental, para abordar, depois, mais detalhadamente, a chamada "questão da reciprocidade", que se suscitou com a transposição do processo legislativo para o âmbito parlamentar,
I-1-O TRATADO DE AMIZADE E CONSULTA
A Comunidade luso-brasileira foi formalmente reconhecida pelo "Tratado de Amizade e Consulta",
O "estatuto de cidadania luso-brasileira" consagrado nesse Tratado abrangia o direito de livre circulação, de residência e de estabelecimento dos nacionais de um país no outro e a concessão dos direitos da nacionalidade, que não fossem incompatíveis com as respetivas Constituições. Aplicava-se, de igual modo, aos naturais do continente, das ilhas atlânticas e das colónias, ou regiões ultramarinas, e não exigia a prévia residência no território, pelo que tanto podia ser invocado durante uma estadia transitória (art. 4), como para o livre estabelecimento de domicílio no país (art. 5).
Um acordo bilateral absolutamente pioneiro, em termos de Direito comparado, fundamentado na realidade de uma comunidade preexistente, que as leis de um e outro dos Estados Lusófonos se limitavam a subsumir e reconhecer na sua letra. Comunidade alicerçada na língua e nas afinidades culturais, nascidas do incessante movimento migratório, de que se fez a história comum, antes e depois da independência do Reino Unido, até meados de novecentos. Ao longo dos séculos, e, sobretudo, a partir do século XVIII, emigrar era, praticamente, emigrar para a imensa colónia sul- americana. Em vão, o poder régio, desde as Ordenações Filipinas até à legislação limitativa ou proibitiva de oitocentos, (que a República, e a Ditadura continuaram...), tentou travar o êxodo considerado excessivo. Desse "excesso" se fez percurso e convívio de gente comum, mais igualitário e fraterno do que o que é regra estabelecer entre colonizador e colonizado, entre a Administração e o povo. "Excesso" avaliado no imediato, que, a longo prazo compensou todo o mundo futuro da lusofonia, fazendo a singularidade do Brasil, composto de uma multiplicidade heranças culturais num todo marcadamente luso-brasileiro na língua, na miscigenação e nos afetos.
Assim o diz, por outras palavras, o Tratado, falando de "afinidades espirituais, morais, éticas e linguísticas", de que resulta "uma situação especialíssima para os interesses recíprocos dos dois povos".
Este notável documento foi assinado no Rio de Janeiro, a 16 de novembro de 1953, pelo Embaixador António de Faria, por Portugal e pelo Ministro das Relações Exteriores Vicente Reo, pelo Brasil.
I - 2 - CONVENÇÃO DE IGUALDADE DE DIREITOS E DEVERES ENTRE PORTUGUESES E BRASILEIROS (1971)
Em 1969, uma emenda à Constituição brasileira veio reconhecer explicitamente aos portugueses direitos civis e políticos a nível local, estadual e federal, incluindo o sufrágio nas eleições legislativas. Portugal deu a reciprocidade de tratamento aos brasileiros com a celebração da "Convenção de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros" em 1971
O seu art. 1º estipula que : "Os Portugueses no Brasil e os Brasileiros em Portugal gozarão de igualdade de direitos e deveres com os respetivos nacionais".
Cada cidadão passa a gozar do "Estatuto geral de igualdade", que tem de ser requerido à entidade competente, pressupondo somente a capacidade civil e a "residência permanente no território, e o "Estatuto especial de igualdade de direitos políticos", que exige a residência principal e permanente há mais de cinco anos e a prova de que não se encontra privado de direitos políticos no país de origem.
Em relação ao Tratado de 1953, constatamos que se avançou no campo da intervenção política, designadamente, com a expressa concessão do direito de voto no que respeita a um órgão de soberania, assim como do acesso à magistratura judicial. Todavia, a Convenção como instrumento de consagração de direitos de imigrantes, de residentes no país, deixa de se aplicar à generalidade dos naturais dos dois países e não prevê a liberdade de circulação e de imigração.
Neste período, note-se, cessara já a emigração em massa de portugueses para o Brasil, e era praticamente inexistente a de brasileiros para Portugal, que se iniciaria somente duas décadas mais tarde. Era, assim, especialmente, às nossas comunidades radicadas em todo o Brasil, que se dirigia a Convenção. Haviam sido elas a reivindicar o estatuto de igualdade, de que se sentiam merecedores, junto das mais altas instâncias do país. Esta realidade explica que tenha sido sempre o Brasil a desencadear os processos negociais, a que Portugal não pode deixar de corresponder - como fez, paradoxalmente, melhor, então, durante a Ditadura do que, depois, em Democracia.
Numa primeira comparação entre o conteúdo do estatuto de cidadania luso brasileira, resultante da Convenção de 71, e o da "cidadania europeia": constatamos que, embora não inclua o direito de livre circulação (aliás, concedido com fortes limitações dentro da EU…), é equivalente no que concerne aos direitos civis dos imigrantes e vai muito mais longe no campo dos direitos políticos!
A UE ainda não resolveu, e não se vê como e quando venha a ultrapassar o tabú em que está convertida a ideia da partilha de soberania com a abertura à participação dos estrangeiros, cidadãos europeus, na escolha democrática dos seus órgãos de soberania, Parlamento e Presidência da República. Coisa encarada como natural entre Brasil e Portugal, já em meados do século XX (é de salientar que, antes da independência das colónias, a Convenção de 71, tal como o Tratado de 53, englobavam, efetivamente, todo o universo da lusofonia, só depois se limitando ao espaço luso-brasileiro).
...
II -A QUESTÃO DA RECIPROCIDADE
II -1 A Iniciativa dos Constituintes Brasileiros
Em 1988, como dissemos, a Assembleia Constituinte da República Federal do Brasil, tendo com Relator o Constituinte Bernardo Cabral, tomou a iniciativa de ampliar o estatuto de direitos políticos dos portugueses, equiparando-o ao dos brasileiros por naturalização
Nos termos do parágrafo 1º, do art. 12º:
“Aos Portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor dos Brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros natos, salvo os casos previstos nesta Constituição”
O parágrafo 3º enumera os cargos políticos exclusivos dos brasileiros natos, como são o de Presidente da República e os que estão na sua linha de sucessão, a carreira diplomática, o posto de oficial das Forças Armadas.
Aos portugueses são reconhecidos o direito de voto em todas as eleições, a possibilidade de serem deputados, membros do governo, ou juízes dos tribunais superiores.
No Brasil de então eram já muito significativos os exemplos de vivência concreta do estatuto de igualdade, caso de Ruth Escobar, hoje aqui homenageada, que, tendo sempre exclusivamente a nacionalidade de origem foi a primeira mulher eleita deputada à Assembleia do Estado de São Paulo e a primeira representante do Brasil nas Nações Unidas, para o acompanhamento da Convenção contra todas as formas de discriminação feminina.
Entre nós, tantos anos após a entrada em vigor do mesmo Estatuto, ainda não conhecemos Brasileiros em cargos políticos de idêntico relevo, numa comunidade que cresce desde a década de 90…
II – 2 A Dação de Reciprocidade por Portugal
Ao tempo em que foi conhecido o texto da Constituição brasileira, preparava-se em Lisboa a segunda revisão da Constituição de 1976. Todavia, nenhum dos projetos subscritos pelos partidos cuidava de introduzir no art.15 as alterações exigidas no Brasil para a entrada em vigor do novo Estatuto de Igualdade de Direitos políticos.
Era o primeiro indício da insensibilidade dos partidos face ao alargamento dos contornos da cidadania luso-brasileira. Dos partidos, não dos deputados…. Como antiga Secretária de Estado e Deputada eleita pela emigração fora da Europa (ao tempo eleita pelo Porto, cidade que guarda o coração de Dom Pedro I do Brasil e IV de Portugal), levei o caso à Comissão de Negócios Estrangeiros, onde, de imediato, foi obtida votação unânime para uma recomendação de alteração do nº 3 do art.15, dirigida à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (CERC)
“Aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e sob condição de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso à presidência de órgãos de soberania, e das Regiões Autónomas, as funções de Ministro de Estado, o serviço das Forças Armadas e a carreira diplomática”.
Enquanto na Comissão de Negócios Estrangeiros se verificara a espontânea reação de cada um dos deputados, na CERC eram as posições de cada um dos partidos que prevaleciam. Aquela recomendação foi ignorada. Quando os projetos dos partidos subiram a plenário, foi pela mão de 57 deputados de todos os partidos, a título individual, que a emenda ao art.15 foi apresentada. Entre eles estavam os nomes de Adriano Moreira, Pedro Roseta, Natália Correia, Manuel Alegre, Jaime Gama, Luísa Amorim e até do líder parlamentar do PS (António Guterres) e do Vice.presidente da bancada do PS Pacheco Pereira. A proposta não obteve a necessária maioria de 2/3, devido à abstenção ou ao voto contra de PSD, PS e PCP. A favor só CDS, PRD, independentes, como Corregedor da Fonseca e Helena Roseta, os deputados subscritores e outros, que tiveram a coragem de divergir dos seus partidos.
O eco mediático desta falta de reciprocidade portuguesa teve naturalmente grande impacto do outro lado do Atlântico.
Na revisão Constitucional de 1996/97 a modificação do art.15 não constava do acordo extra parlamentar dos dois maiores partidos, mas, então, já por oposição do PS, completamente isolado na sua recusa de reciprocidade. Mais exatamente, por oposição inultrapassável do Presidente da Assembleia e Presidente do PS, Almeida Santos. Homem que fizera vida e carreira em Moçambique, recusava o reconhecimento de um tal estatuto não só ao Brasil, como, sobretudo, a todos os PALOPS, rejeitando, aliás, mais fortemente o acesso à magistratura judicial do que à participação política
Por isso, de novo, me vi na contingência de apresentar uma proposta, que foi assinada por colegas de todas as bancadas, incluindo alguns notáveis socialistas. Proposta que já só o PS inviabilizou, criando um clima de grande tensão no relacionamento luso-brasileiro, que foi visível na visita de estado do presidente Sampaio ao Brasil – não obstante ele se manifestar um apoiante da reciprocidade, como os seus antecessores Ramalho Eanes e Mário Soare
Foi um risco a correr obrigatóriamente, não um dilema, pois a ignorância desta magna questão constitucional poria da mesma forma em causa o estatuto da igualdade.
janeiro 17, 2019
PEQUENA NARRATIVA para o BOLETIM da AMM
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Nasci em 1942, na casa grande da avó materna - uma das chamadas “casas de brasileiros” - no centro de Gondomar. Aí vivi os anos felizes da infância, num ambiente em que o Brasil estava bem presente e mais nas memórias, nas narrativas, na música, na gastronomia do que na traça do edifício.
Aguardei, com impaciência, a entrada na escola, onde me sentia realizada a aprender as letras e os números. Depois de dois anos na escola pública, sete no colégio do Sardão (onde tinha ótimas condições para a prática do desporto, que era a minha paixão maior) e dois no Liceu Rainha Santa Isabel (que significou liberdade, aventura bem sucedida), fiz o curso de Direito na Universidade de Coimbra. Era excelente aluna, estudava por gosto e com entusiasmo, embora sofresse demais em todos os exames, que acabavam por correr a contento. Terminei o liceu com 18 valores, em 1960, e Direito com 17, em 1965.
Voltei à vida de estudante, como bolseira da Fundação Gulbenkian, em Paris, entre 1968 e 1970. O lugar e o tempo certo para me iniciar na Sociologia do Direito, em mais do que um sentido... Conclui o ano de "titularisation" na "École Pratique des Hautes Études", com Alain Touraine, vários certificados na tumultuada Universidade de Vincennes e o "Diplôme Supérieur d' Études et de Recherche en Droit" na conservadora Faculdade de Direito do Instituto Católico. Residi na cidade universitária, (um ano na Casa dos Estudantes Portugueses, outro na Fundação Argentina). Senti-me em vários países simultaneamente, e em todos "*à vontade", fazendo amigos. Parafraseando António Vitorino de Almeida sobre a Áustria e Viena, direi que "Paris é a minha cidade, mas a França não é o meu país". Aquando dessa espécie de feliz imigração parisiense, já era Assistente do Centro de Estudos do Ministério das Corporações e Segurança Social (1967/1974). Tinha colegas que foram, e são, nomes prestigiados na comunidade académica e na política, (em quadrantes vários) e dois sucessivos diretores de boa memória, que me deram liberdade de expressão e de circulação (com bolsas da OIT, da OCDE, das Nações Unidas, do Instituto Sueco de Informação.). Um era, ideologicamente, homem do regime (Cortez Pinto), o outro um professor progressista, cultíssimo e muito divertido (António da Silva Leal).
Os meus incipientes estudos de sociologia trouxeram-me um inesperado convite de Álvaro Melo e Sousa para ser sua assistente na Universidade Católica. Um segundo convite, não menos surpreendente, de um estimado Professor, Eduardo Correia, levou-me para a Faculdade de Economia de Coimbra, onde tomei posse no dia 24 de abril de 1974 e me preparava, no pós 25 de abril, para dar classes de "feminismo" e "sindicalismo" como assistente de Boaventura Sousa Santos, e um terceiro, pouco depois, para a "minha" Faculdade de Direito. Fui Assistente de Rui Alarcão, futuro Reitor, e de Mota Pinto, futuro Primeiro-ministro. (tendo na transição entre Faculdades, perdido a hipótese de ser pioneira num curso sobre questões de género...). Uma época agitada e auspiciosa, em certos aspetos como a vivida a de Paris, nos dias e meses seguintes a uma revolução... Não tinha partido, era social-democrata "à sueca", como Sá Carneiro e os meus amigos de Coimbra, influentes ideólogos do PPD.
Em 1976, antecipando saudades sem fim, troquei a Faculdade por uma instituição de inspiração nórdica, completamente nova entre nós, o Serviço do Provedor de Justiça. Fui assessora de dois históricos democratas, o primeiro Provedor, Coronel Costa Braz, e o segundo, o advogado José Magalhães Godinho, exemplo raro de humanismo e de alegria de viver.
Só na década de noventa me reencontrei em salas de aulas, como docente convidada da Universidade Aberta (Mestrado de Relações Interculturais), a convite de Maria Beatriz Rocha –Trindade, nome incontornável no estudo das nossas migrações..
A experiência nas três universidades foi esplêndida e ajudou-me a rejuvenescer e a interagir com audiências estimulantes e numerosas. Uma aprendizagem sem a qual não teria conseguido fazer caminho no terreno mais agreste da política - coisa que, devo acrescentar, não estava nos meus planos. Desde sempre gostei de discutir questões políticas no círculo da família e dos amigos, e era uma feminista declarada nas tertúlias de café. Talvez, por isso o Doutor Mota Pinto me lançou, em 1978, o desafio de passar à ação, colocando-me perante um dilema: ou aceitava o cargo de Secretária de Estado do Trabalho ou seria responsável pelo défice feminino do seu governo (de independentes). Aceitei. Era "serviço público", por alguns meses apenas, com eleições partidárias já no horizonte.
Em agosto de 1979, reocupei o meu gabinete na Provedoria, tendo deixado pronto para publicação, na Praça de Londres, o diploma que criava a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE) - inspirada no "Ombudsman para a Igualdade" da Suécia. Contudo, não resisti a uma nova e surpreendente chamada para o governo de Sá Carneiro, na pasta da emigração. Fui e fiquei em quatro governos e no parlamento durante mais de duas décadas, ligada às questões da emigração, da igualdade de género, dos Direitos Humanos.
Entre 1987 e 1991, com quatro sucessivas eleições para Vice-Presidente da Assembleia da República, tornei-me a primeira mulher a presidir a sessões plenárias ou a delegações parlamentares (começando por uma visita oficial ao Japão). Em 1991, fui eleita para a Delegação Portuguesa à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE) e à União da Europa Ocidental (AUEO), nas quais seria, durante cerca de 14 anos, membro, presidente de diversas subcomissões, presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia, Vice-presidente da UEO, e da bancada parlamentar do Grupo Liberal e Reformista, e, nos três últimos anos, Presidente da Delegação Portuguesa, Um trabalho gratificante, em assembleias onde se pensa o futuro e até é permitida a utopia, sem nenhum dos constrangimentos dos parlamentos nacionais. Quando o PSD trocou o Grupo Liberal pelo PPE era frequente os colegas desse grupo votarem contra os meus relatórios e vice-versa.
Saí, quando quis, da Assembleia da República, em 2005. De 2005 a 2011 fui Vereadora na Câmara de Espinho. Desde então e até hoje, continuei o meu trabalho cívico, nos mesmos domínios de intervenção, sem abrandar o ritmo. Este percurso de vida, que, no início, não fora escolha minha, acabou sendo, talvez, uma boa escolha. Foi feito de movimento, de incontáveis "viagens de descoberta" pelo do mundo das comunidades da emigração, de encontros, diálogo e amizades em tantos países e continentes, mais do que em Portugal. E de convívio inesquecível, com os grandes protagonistas da história da Cultura e da Democracia, na minha geração, os que já mencionei e outros Homens (o General Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Freitas do Amaral, o Marechal Spínola, o Capitão Sarmento Pimentel...), e Mulheres como Maria Barroso, Natália Correia, Agustina Bessa Luís, Amália, Ruth Escobar, Lurdes Pintasilgo. ...
E ainda me restou algum tempo livre para coisas de que tanto gosto, como futebol, cinema, praia, música, um bom livro, os meus cães e gatos (muitos!).
Livros, publiquei alguns sobre emigração (o último dos quais, em 2005, com o título "Comunidades Portuguesas, os Direitos e os Afetos", quando os afetos ainda não eram virtude na ação ou no discurso políticos), e coordenei a publicação de revistas e atas de congressos, nomeadamente da AMM.
As condecorações vêm, em regra, no último capítulo, dos CV's. Muitas são as que recebi em função de cargos oficiais, mas aqui referirei só as que me foram atribuídas de forma mais personalizada, como a Grã-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique pelo Presidente Sampaio, a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul (Brasil), a Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco (Brasil), a Ordem da Estrela Polar (Suécia) no grau de Grande Oficial, o título de "Cidadão do Rio de Janeiro", a Ordem Tiradentes, a Medalha de Mérito Cívico da Câmara de Gaia (classe ouro), o "Dragão de ouro" do FCP, a Medalha de Honra da Câmara de Espinho. E. nos meus tempos de juventude, uma primeira distinção do Rotary Club do Porto, o Prémio Nacional (pelo Liceu Rainha Santa) e o Prémio Beleza dos Santos, (de Direito Criminal, Universidade de Coimbra)
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