setembro 08, 2017

EDUCAÇÃO PARA A DESIGUALDADE

1 - Inesperadamente, irrompeu, em pleno verão de 2017, a polémica sobre os cadernos de exercícios escolares diferenciados segundo o sexo, com capa rosa para elas e azul para eles. Perfeito e anacrónico exemplo de uma forma de "educação para a desigualdade"... Estou bem acompanhada nesta abordagem da questão de género em tenra idade, começando pelos intervenientes de programas que vejo invariavelmente, como o "Governo Sombra" e o "Eixo do Mal", continuando por um sem número de outros "opinion makers" de todos os meios de comunicação e terminando - os últimos serão os primeiros...- pela Comissão para a Igualdade de Género e pelo Governo da República. Discussão inédita em tão negligenciado domínio, porque foi efetivamente a primeira vez que a alegação (ou, se preferirem, a evidência) de secundarização de alunas do ensino primário alcançou dimensão nacional, com foros de escândalo. Surpreendida pelo fúria mediática que atingiu obra tão rentável (um sucesso de vendas, ao que consta), a editora apressou-se a retirar os caderninhos do mercado, pelo que não tive a oportunidade de os comprar para aturada leitura e falo pelo que ouvi dizer a quem leu - e a quem não leu... Sabemos o "porquê" da perplexidade da Porto Editora. O mercado está inundado de literatura infantil rosa para meninas delicadas (futuro sexo fraco) e azul para meninos aguerridos (futuro sexo forte), sem que alguma voz suficientemente audível jamais se tivesse antes levantado contra a imposição de modelos de comportamento "de género", que, por esta via, se leva a cabo, contando com a colaboração, consciente ou inconsciente, da família e da escola - salvo as honrosas exceções que sempre existem em relação a qualquer regra. Em vão, já nos alvores do século XX, Ana de Castro Osório bradara contra este estado de coisas. Vale a pena reler que escreveu como pedagoga. O mesmo se diga dos seus contos para crianças, que são verdadeiras obras primas da língua portuguesa. 2 - O que mudou desde então foi, essencialmente, o facto das teses daquela famosa Mulher da 1ª República terem passado do campo da heterodoxia para o do politicamente correto. Mas, na prática, há ainda condicionamentos de toda a ordem à livre expressão da natureza feminina e masculina. Diferenças entre os sexos existem, evidentemente, mas o peso da educação, segundo preconceitos ancestrais de uma sociedade patriarcal, não nos permite distinguir a parte que é da natureza (um bem!), da parte resultante da (des)educação, matriz de preconceitos infundados, de depreciação e discriminação do feminino (um mal!). Na expressão de Simone de Beauvoir, mil vezes citada: "on ne nait pas femme, on le devient" .Na verdade, era a rígida divisão de trabalho, a formação imposta para papéis predeterminados (e não a natureza) que rebaixava a Mulher para o estatuto de "segundo sexo". Assim era mantida pela impossibilidade de acesso ao conhecimento, à aprendizagem de Ciências e Letras e pelas barreiras colocadas ao exercício de uma carreira e a toda e qualquer participação relevante na "res publica". Não é coisa do passado remoto, mas do tempo bem próximo das nossas avós, quando não das nossas mães - na minha própria família, pertenço à primeira geração de mulheres que tirou um curso universitário e teve uma vida profissional, isto é, cujo objetivo de futuro, desde a infância, não foi apenas o casamento. Desde fins do século XIX, o movimento de emancipação feminina centrou-se, inteligentemente, nos campos da educação e da autonomia económica, alcançada por uma remuneração de trabalho fora de casa. (Não menos importante, mas, não o esqueçamos, bem menos consensual, pelo menos entre as republicanas portuguesas, foi a luta pela igualdade de direitos políticos, o sufragismo). As mulheres souberam fazer caminho e mostrar o que valem, em todos os domínios do saber e da intervenção societal Ora uma política de segregação de conteúdos ou de suportes pedagógicos, em função do género, significa um retrocesso às profundezas de oitocentos, quando se considerava permitir o ensino público para as raparigas, desde que simplificado, ajustado às menores aptidões e necessidades a que se julgava corresponder. Nos dias de hoje, isto é simplesmente ridículo e indefensável e foi uma grande insensibilidade para o significado de uma tal opção (em primeira linha comercial) que "tramou" a Porto Editora. Aquilo que nos contos infantis passa sem crítica, não se admite, quando detetado, em material de aprendizagem escolar... Esperemos que o passo seguinte seja a firme denúncia do "sexismo" persistente neste ramo da literatura, não só por parte da Comissão da Igualdade, como por parte dos cidadãos, porque a desigualdade "contra natura" começa no berço e no jardim de infância e não nos bancos da universidade ou nos concursos de admissão a empregos. Como diz, prosaica mas sabiamente, o povo "de pequenino se torce o pepino"... E, se liberdade de expressão dos autores não pode ser posta em causa, pode e deve ser criticada, exposta, ridicularizada ( o ridículo é, afinal, uma das armas mais eficazes!). 3- Voltando à controvérsia dos caderninhos: não sei se, nos trabalhos especificamente colocados às alunas e aos alunos, há, como alguns argumentam, graus equivalentes de dificuldade. Em qualquer caso, a ideia de criar testes autónomos, para um e outro sexo, é bizarra, é absurda, como o seria diferenciar exercícios de matemática ou de história, em função da cor da pele, da religião, da nacionalidade. Mas, para além desta questão, outra há que não oferece dúvida: a dos estereótipos da rapariga que dança "ballet", enquanto o rapaz joga futebol. porque vai influenciar atitudes e escolhas e, não vai contribuir para as afastar, a elas, dos campos de jogos, onde é tão saudável correr e competir, como os afastar,a eles, por muito talentosos que sejam, dos palcos dessa maravilhosa arte, que é o "ballet". Pode ser que haja, mas eu nunca vi, em manual ou em livro infantil, imagens de meninas a jogar à bola ao lado de imagens de meninos em pose de dança... Quem sabe se surgirão, no rasto desta controvérsia? Se sim, acabou sendo benéfica a infeliz iniciativa da tal editora. Será altura para invocar mais um aforismo: "Deus escreve direito por linhas tortas". Em "A DEFESA DE ESPINHO" 7 setembro

agosto 20, 2017

UM TREINADOR À PORTO (finalmente...)

1 - O FCP anda há vários anos - há mais do que os quatro em que a clamorosa ausência de títulos confirmou um temido "fim de ciclo" - à procura de um "treinador à Porto" e de uma "equipa à Porto", que lhe devolvam a sua identidade ganhadora. Estranho é que, no meio do clamor por novas soluções e novos protagonistas, entre as principais vozes que se ouviram ou se leram, poucos tenham sido as que efetivamente se basearam numa ideia precisa do que isso significa. O enfoque era posto apenas em ganhar, com garra, classe, superioridade. Ora em que é que esses atributos diferenciam um competente vencedor - seja ele o SLB, o SCP ou o FCP? Na verdade, de qualquer campeão se espera, precisamente, garra, classe, superioridade Qual é, então. a diferença do Porto? A meu ver, temos de a procurar no passado, na história do futebol nacional, nas origens da instituição, na singularidade de um percurso longo e penoso de afirmação, no modo como nele se forjou o espírito do clube. Num país de tradição imperial, que se manifesta em todos os domínios, da política às finanças e ao desporto, ganhar a partir de Lisboa era coisa natural, expectável, praticamente obrigatória. Fora da capital, semelhante feito tornava-se uma missão quase impossível. Antes da revolução de abril, as vitórias nacionais do FCP foram raras, espaçadas, titânicas, tais eram os obstáculos que contra ele se conjugavam! Numa imagem bíblica, o Porto foi sempre uma espécie de David em luta com Golias (um David, porém, frequentemente perdedor...). Na expressão inglesa, "the underdog". Numa citação com que, vezes sem conta, denunciei o estatuto dos emigrantes portugueses, no antigo regime, uma espécie de "estrangeiros no seu próprio país". A alma, o caráter do FCP forjaram-se, pois, na adversidade, na oposição a poderes constituídos, na incansável prossecução da utopia da igualdade. Uma cultura "à Porto" é, assim, uma cultura de inconformismo e resistência. Cultura inexistente (porventura,até, incompreensível e incompreendida) nos outros grandes clubes, que nasceram e cresceram instalados na "geografia do poder". Na Europa, mesmo em Estados onde o poder político se concentra fortemente numa cidade ou região, a competição, em matéria de desporto, é visivelmente mais aberta e inclusiva. Veja-se o caso da Inglaterra, onde Manchester ou Liverpool facilmente rivalizam com Londres, como, em França, Marselha, Lyon, Mónaco com o PSG, ou, na Itália, Milão ou Turim com a eterna Roma. Na Alemanha, o Bayern tem transformado Munique na capital do futebol, por pura e simples superioridade dentro do retângulo de jogo, é claro... A nosso lado, um outro paradigma centralista, menos extremado embora, é Madrid. Daí surge a natural empatia entre o FCP e o "Barça" (reforçada quando Vitor Baía, Fernando Couto e, depois, Deco brilhavam na Catalunha). 2 - A idade de ouro do FCP começa com o renascimento da democracia no país e deve-se à visão e à liderança de Jorge Nuno Pinto da Costa. Ele fez a revolução igualitária no desporto, nos órgãos federativos, nas estruturas dirigentes. Fez, neste campo, a regionalização que tarda nas vertentes política e financeira, num país cujo desenvolvimento, mais de 40 anos depois, salvo no que respeita às ilhas atlânticas, permanece enredado nas malhas do centralismo, e, consequentemente, cada vez mais assimétrico, mais desigual, mais desertificado no interior. Agora, contudo, assistimos, também no futebol a um retrocesso, pondo em causa equilíbrios que se julgavam adquiridos para sempre, com o regresso dos velhos senhores, em clima de escândalo e suspeição.... 3 - O Porto, de algum modo, deixou que isso acontecesse, baixou a guarda, descurou as suas exemplares estruturas organizacionais, que permitiam a treinadores medíocres, como Adriaanse, ou medianos, como vários outros que me dispenso de nomear, saírem como triunfadores, e não por acaso, antes com reconhecido mérito (graças também, como é óbvio, a uma pléiade de jogadores fora de série, que as famosas estruturas facultavam ). O último verdadeiro treinador "à Porto" fora, na minha opinião, André Villas Boas. Ganhou o que havia para ganhar, na sua "cadeira de sonho", no fim de uma era... Bem mais árduo será o trabalho de Sérgio Conceição. Também ele é portista, também ele está na sua "cadeira de sonho". Todavia, o mesmo sonho exige, hoje, muito mais audácia, muito mais luta contra constrangimentos de toda a ordem, muito mais afrontamento de condições adversas. Este é um Porto, que como o antigo, tem de remar contra ventos e marés, contra tudo e contra todos. Não sei se Sérgio vai conseguir, de imediato, os títulos que nos fogem há tantos anos. Espero que sim! E foi já muito o que conseguiu: devolveu-nos a esperança em vitórias futuras, a certeza de uma equipa a jogar "à Porto", o orgulho na nossa identidade, que, como Homem e profissional, é, também, a sua - feita de imensa competência e generosidade, de energia inesgotável, de ímpeto e rebeldia, quando preciso for, e de coragem sem limites. Se a sorte, como acreditavam os romanos, favorece os audazes, o triunfo será deste Porto de Sérgio Conceição.

agosto 02, 2017

VIVER A DEMOCRACIA NUM PAÍS DE EMIGRAÇÃO E DIÁSPORA

Viver a democracia num país de emigração e Diáspora 1 - Trazer este tema a debate foi a intenção do colóquio organizado, no passado dia 24 de agosto pela Sociedade de Geografia de Lisboa (Comissão das Migrações, atualmente presidida pela Profª Maria Beatriz Rocha Trindade, pioneira dos estudos sobre sociologia das migrações em Portugal), em parceria com a Associação Mulher Migrante. É uma questão importanteDo ponto de vista da organização O seu objetivo foi fazer a história de uma democracia extensiva a todos os portugueses, sem esquecer os que vivem fora de fronteiras territoriais e os modos de continuar esse percurso, num aprofundamento da democracia. É o que pretende significar o título do Colóquio: "Dar voz à Diáspora Portuguesa - Perspetiva Diacrónica dos Mecanismos de Diálogo". Fomos, pois, à procura desses mecanismos, das formas muito concretas de ação para que o diálogo se convertesse no principal instrumento de construção de uma democracia verdadeiramente inclusiva, dando vida à Constituição e às Leis. 2 - Todavia,a reflexão tinha obrigatoriamente de começar antes, nos anos sessenta do século passado, na primeira grande iniciativa que "deu voz à Diáspora", pensou as formas de a unir e de organizar o imenso espaço da lusofonia: os Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, promovidos pela Sociedade de Geografia, sob a presidência do Prof Adriano Moreira. Estávamos no lugar mais significativo, no Auditório que recebeu o seu nome, com ele próprio a recordar, num empolgante improviso, esses míticos Encontros pioneiros em que se projetava o futuro da lusofonia, da "Nação peregrina em terra alheia", como realidade "sui generis", que haveria de sobreviver ao fim do império. Seguidamente, na sequência que o programa visava, o Deputado José Cesário levou-nos, com toda a força do seu entusiasmo, a lançar "um olhar retrospetivo projetado sobre o futuro": - do que foi feito ao "por fazer", numa perspetiva pragmática, a fim de facilitar, por exemplo, o voto no estrangeiro, a transmissão da nacionalidade, ou a operacionalidade do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Coube-me levar a debate o acidentado percurso do primeiro CCP, órgão de representação e audição da Diáspora e o modo como, ao longo de sete anos, foi sendo implementada, em interação Governo/sociedade civil, a "institucionalização.do diálogo com o movimento associativo", numa procura nem sempre fácil, mas eminentemente democrática, de consensos e de expressão das preocupações sentidas pelas pessoas e da sua vontade de influir na mudança. A voz das comunidades, através dos seus dirigentes associativos e jornalistas, fez-se (faz-se!) ouvir no Conselho, mas não só..O programa do Colóquio deu, jusprórpriatamente. destaque semelhante ao primeiro jornal que, a partir de Lisboa, quis ser um traço de união, sobretudo, entre as comunidades então emergentes na Europa, a chamada "emigração a salto". "O Emigrante/mundo Português - razões de um projeto singular" foi uma notável conferência em que, emotivamente, o Padre Vitor Melícias e o Dr Carlos Morais evocaram esses tempos dramáticos e também a memória do co-fundador do Jornal, o Comendador Valentim Morais, falecido poucos dias antes, que muitos de nós tivemos o privilégio de conhecer e que todos admirávamos. O papel da Igreja neste campo também não foi esquecido. Coube a Dom Januário Torgal Ferreira, Bispo Emérito das Forças Armadas, e à Drª Eugénia Quaresma (a primeira mulher a dirigir a "Obra Católica das Migrações") dar-nos o panorama atual da Igreja face à mobilidade - solidariedade e ação social," - dos tempos do mais famoso Bispo do Porto, com quem o então Padre Januário trabalhou de perto, além de ter vivido entre os emigrantes de França, nos anos 60 e 70, até ao tempo atual do Papa Francisco, Um último painel foi dedicado a "novas formas de diálogo", com Mestre Emmanuelle Afonso a falar da "geração Europa", que ela mesma representa, e do "Observatório dos Luso Descendentes", de que é fundadora, e com o Prof José Marques a trazer-nos imagens de uma emigração passada e ainda presente. 3 - Pelas questões que suscitou, foi, a meu ver um convite a voltar a esta temática, num próximo colóquio, olhando a realidade cada vez mais heterógenea das nossas migrações, em que coexistem as correntes tradicionais e as novas (num verdadeiro "brain drain"que leva do país a sua juventude mais qualificada) e as formas de estimular o relacionamento entre todos, entre as antigas comunidades com o seu espírito comunitário, e estes novos protagonistas, que parecem mais individualistas, mas podem, afinal, não o ser - e contribuir para cria lá fora mais Diáspora, que é sempre, presença coletiva. O desafio e dar-lhes voz

No jornal "AS ARTES ENTRE AS LETRAS" - 10 junho 2017

PORTUGAL; CAMÕES E OS LUSÍADAS DO SÉCULO XXI 1 - O "10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas” é uma expressão da liberdade de ser português, da "lusitana antiga liberdade", que o Poeta cantou e do seu renascimento contemporâneo, na trilha acidentada de uma revolução. Veio ocupar, naturalmente, o lugar do "10 de junho, Dia da Raça”, que o regime deposto celebrava, com pompa imperial, no Terreiro do Paço, mantendo a data e, numa cidade diferente, em cada ano, a evocação de Camões, com outra leitura de "Os Lusíadas", outra visão da história e de nós, hoje. A revolução de 74 derrubou uma ditadura de meio século, resolveu o impasse de uma guerra sem sentido e fechou o ciclo colonial, recolocando o Estado nas suas fronteiras geográficas europeias, mas não quis, nem poderia querer, pôr fim à presença universal dos portugueses. Presença que tem "vida própria", à margem dos desígnios e do poder do Estado, em múltiplas formas de integração nas mais diversas sociedades que, não por mero acaso, certamente, ganhou, então, uma nova visibilidade. “Há um Portugal maior do que o Império que se fez e desfez e que é constituído pelos portugueses, onde quer que vivam”, diria Vitorino Magalhães Godinho num 10 de junho, realizado sob a égide do primeiro presidente eleito da jovem democracia, António Ramalho Eanes. Com a mesma clareza, falava o Primeiro-ministro Sá Carneiro, em 1980: “Portugal foi uma Nação de colónias. Hoje não é apenas uma Nação territorial, é uma Nação de povo" .“Uma Nação de Comunidades”. “É uma cultura, mais do que uma organização rígida”. A existência da Diáspora, parte integrante da Nação, precedeu, de facto, em alguns séculos, o seu conceito, o seu reconhecimento - uma Diáspora que se afirmou na construção de espaços extra territoriais da sua cultura, em fácil diálogo com outras culturas, numa malha densa de instituições focadas na defesa da língua e na fidelidade a tradições e valores humanistas. Pura “sociedade civil”, que ao Estado nada deve…. 2 - A nossa vocação migratória revelou-se, é certo, a partir do plano estatal de expansão marítima e colonização de vastas possessões, mas depressa o transcendeu, de uma forma espontânea e imparável. O êxodo foi assumindo, crescentemente, o carácter de aventura individual, em destinos transoceânicos, (sobretudo o Brasil colonial e, depois, com o mesmo espírito e os mesmos objetivos, o Brasil independente) e, por isso, os historiadores das nossas migrações não conseguem determinar, precisamente, o momento e os termos da transição de um ao outro dos fenómenos – da colonização à emigração – reconhecendo a prevalência desta última, dentro e fora do universo colonial. O Estado tentou, em vão, proibi-la, ou limita-la, porque, na sua ótica, como, aliás, na dos académicos e até na da opinião pública, os males de uma debandada de tamanha grandeza superavam as vantagens, avaliadas, essencialmente, em termos economicistas (contributo para a exploração de recursos das colónias, réditos do comércio, remessas de emigrantes). Valores substanciais, mas perecíveis, que tiveram o seu tempo e com ele se desvaneceram. O que persiste, afinal, é o incomensurável espaço de lusofonia e de lusofilia, um universo linguístico e cultural em expansão, engendrado pela vontade de cidadãos, muitos dos quais partiram à revelia dos governos. Faz, pois, todo o sentido, colocar no centro das comemorações do Dia de Portugal a língua de Camões (que de europeia se volveu, mais por mérito dos povos que a partilharam, no seu relacionamento quotidiano, do que dos Estados, também, em americana, africana, asiática, universal) e as comunidades portuguesas, que vivem, em paz e harmonia, nos principais lugares onde aconteceu a aventura coletiva que o Poeta imortalizou. O povo - "Solúvel e insolúvel este povo, na memória dos outros e na sua mesma", nas palavras de Jorge de Sena. . 3 - A ideia de um "Portugal - Nação de Comunidades", dentro e fora do território, ganha força em consensos alargados, traduzidos no estatuto de direitos dos expatriados, nas leis e nas iniciativas com que o Estado acolhe Nação inteira, num tempo de recomeço de migrações em massa. Uma realidade que exige dos responsáveis pela "res publica", políticas de reencontro com os portugueses e entre portugueses, onde quer que vivam: verdadeiras políticas de "desterritorialização". O 10 de junho convida, muito em especial, à reflexão sobre as infinitas potencialidades que elas nos abrem. Um passo em frente, de grande significado, se ficou a dever ao Presidente Marcelo, quando, em 2016, em início de mandato, decidiu "desterritorializar" a própria comemoração, que foi celebrar a Paris, com os seus concidadãos. Depois, será a vez de São Paulo e do Rio, a par do Porto, ou de Newark, ou de Macau... Um gesto inédito, porventura, a nível planetário, que nos diz mais do que muitos discursos. Diz-nos que na história da civilização “fizemos a diferença” e diz-nos, também, que essa história, ainda hoje, faz a nossa diferença.

julho 21, 2017

UM POUCO MAIS DE DEMOCRACIA

1 - A democracia não é só um momento da libertação, é um percurso de aperfeiçoamento incessante. Temos de reconhecer que Portugal mudou bastante desde o 25 de abril de 1974 -a organização do Estado, tal como os costumes, a rede de estradas, a saúde, a escola... - mas há aspetos em que continua demasiadamente igual ao que era. País imperial sem império, centralizador (Lisboa e províncias, em vez de Lisboa e colónias...). País profundamente desigual nas oportunidades que oferece, segundo a situação geográfica (litoral/interior), o género, a geração, a fortuna... País de emigração forçada, com vícios de estruturais, assimetrias, anacronismos, que não serão erradicados, sem uma nova sensibilidade à própria existência das desigualdades. Nós, os cidadãos, não podemos considerar "natural" que tenham a sede em Lisboa todos os órgãos de soberania, as cúpulas da administração, as instituições públicas, a TAP (desvalorizando, crescentemente, as outras regiões), as televisões, incluindo a pública (com apenas uma delegação a norte, subvalorizada e subaproveitada) as principais rádios, quase todos os jornais de circulação nacional, os grandes eventos, exposições, agências internacionais. Nenhuma democracia europeia consolidada apresenta um semelhante quadro de macrocefalia, nem mesmo antigos Estados imperiais, como a França, ou a Grã-Bretanha, a Espanha ou a Holanda. Exemplos bem recentes mostram o constante agravamento desse estado de coisas: caso da candidatura de Lisboa à relocalização de uma organização internacional, havendo duas já instaladas na cidade, com argumentação falaciosa (só as vozes que, depois, se levantaram a norte, levaram o governo a reconsiderar), ou da organização por Portugal do próximo festival da Eurovisão, de imediato, proposta para a capital. A contestação veio, rápida e oportuna, de várias cidades, com Espinho na vanguarda. É assim que é preciso reagir, apresentando alternativas 2 - Terá sido como adepta portista que primeiro senti a força da discriminação, da injustiça (na relação norte-sul) e me converti em regionalista, antes, pois, de ter idade para saber exatamente o que isso era. Depois, como menina, habituei-me a contestar, do mesmo modo, o estatuto de limitações que me queriam impor, face aos rapazes da família. Assim nasceu, ao que creio, o meu gosto pelo contra-poder. Foi o facto de ser, como cidadã, uma ruidosa defensora da igualdade, nomeadamente de género, que me levou, em linha reta, para o IV Governo Constitucional, chefiado pelo Prof Mota Pinto e formado por independentes. O Professor, que ouvira, vezes sem conta, as minhas discursatas em tertúlias académicas, usou o mais forte dos argumentos para me convencer: se não avançasse, seria responsável por não haver mulheres no seu governo. Avancei. Era a hora de passar das palavras aos atos. E viria a repetir a experiência, noutros pelouros e funções, durante mais de trinta longos anos. Em todo esse tempo, fui uma fiel praticante da crença numaa democracia feita de pluralismo, de alteridade de equilíbrios - desde logo, de género, de geração. Nos gabinetes, nas promoções de chefias, na divisão de tarefas, sempre procurei atingir a meta da paridade, como factor de mais cidadania, criatividade e competência. Reconheço que fui a primeira beneficiária dessa preocupação de me rodear, sempre, de gente mais sábia e mais experientes do que eu. E até a hora da despedida de um último cargo, de vereadora, em 2011, foi decidida com o respeito de tais critérios. Na verdade, teria levado o mandato até ao fim, para não defraudar a regra das quotas, se na lista eleitoral, o meu substituto fosse um homem. Felizmente, era a Leonor Fonseca, uma mulher jovem, que prometia ser, e foi, a sucessora perfeita, competente e carismática. Uma autocrítica devo a mim própria, todavia, pois se fui consequente ao entrar na política, sem querer, para afirmar a presença feminina, não o fui ao sair, por querer sair, sem cuidar da “quota intergeracional”, dando o meu lugar a uma jovem. Tendo consciência desta discriminação (mais insidiosa do que qualquer outra), não a combati até ao limite do possível, permanecendo em funções, como única "representante" do meu grupo etário. 3 - Pergunto os "porquês", sem saber a resposta. Fico no campo das hipóteses: talvez porque a avaliação de prós e contras seja coisa complexa, talvez por falta de movimentos de luta, de pensamento e solidariedade de grupo, talvez porque os mais velhos tendam a interiorizar, sem resistência, a máxima do "dar lugar aos jovens",. Assim é, sobretudo numa sociedade como a portuguesa, em que tudo parece impelir os sexagenários para fora de cena, em qualquer sector, do desporto à política. Quem, desconhecendo o nosso quadro demográfico, comparasse a média de idade dos grandes protagonistas do futebol (num país latino, como a Itália) ou da política (na super potência que é a América), com a que se regista em Portugal, pensaria que se trata de um país extremamente jovem. Ora, pelo contrário, somos dos mais envelhecidos, pelo que a retirada prematura dos idosos da vida ativa é uma perda de tremenda dimensão, prejudicando a economia e enfraquecendo a democracia. É tema que temos de colocar em agenda, urgentemente, para estimular as boas práticas, os bons exemplos. E exemplos não faltam, como o de Ricardo Carvalho, a jogar um fabuloso futebol, aos 39 anos, na longínqua China, ou, aqui mais perto, o caso de Doutor Basilino Godinho, topógrafo reformado, que, depois dos 77 anos foi cumprir o sonho de uma carreira académica, inscreveu-se na Universidade de Aveiro, completou um curso de Letras, com 17 valores, e, seguidamente, com o mesmo brilho, o doutoramento, defendendo tese sobre Antero de Quental. Mantém um blogue (“cartas irreverentes”), quer exercer nova profissão, fala abertamente do “desperdício dos idosos no nosso país” e de como se sente jovem entre os jovens..A idade que importa, de facto, não é a do bilhete de identidade

junho 11, 2017

Viver a democracia num país de emigração e Diáspora 1 - Trazer este tema a debate foi a intenção do colóquio organizado, no passado dia 24 de agosto pela Sociedade de Geografia de Lisboa (Comissão das Migrações, atualmente presidida pela Profª Maria Beatriz Rocha Trindade, pioneira dos estudos sobre sociologia das migrações em Portugal), em parceria com a Associação Mulher Migrante. É uma questão importanteDo ponto de vista da organização O seu objetivo foi fazer a história de uma democracia extensiva a todos os portugueses, sem esquecer os que vivem fora de fronteiras territoriais e os modos de continuar esse percurso, num aprofundamento da democracia. É o que pretende significar o título do Colóquio: "Dar voz à Diáspora Portuguesa - Perspetiva Diacrónica dos Mecanismos de Diálogo". Fomos, pois, à procura desses mecanismos, das formas muito concretas de ação para que o diálogo se convertesse no principal instrumento de construção de uma democracia verdadeiramente inclusiva, dando vida à Constituição e às Leis. 2 - Todavia,a reflexão tinha obrigatoriamente de começar antes, nos anos sessenta do século passado, na primeira grande iniciativa que "deu voz à Diáspora", pensou as formas de a unir e de organizar o imenso espaço da lusofonia: os Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, promovidos pela Sociedade de Geografia, sob a presidência do Prof Adriano Moreira. Estávamos no lugar mais significativo, no Auditório que recebeu o seu nome, com ele próprio a recordar, num empolgante improviso, esses míticos Encontros pioneiros em que se projetava o futuro da lusofonia, da "Nação peregrina em terra alheia", como realidade "sui generis", que haveria de sobreviver ao fim do império. Seguidamente, na sequência que o programa visava, o Deputado José Cesário levou-nos, com toda a força do seu entusiasmo, a lançar "um olhar retrospetivo projetado sobre o futuro": - do que foi feito ao "por fazer", numa perspetiva pragmática, a fim de facilitar, por exemplo, o voto no estrangeiro, a transmissão da nacionalidade, ou a operacionalidade do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Coube-me levar a debate o acidentado percurso do primeiro CCP, órgão de representação e audição da Diáspora e o modo como, ao longo de sete anos, foi sendo implementada, em interação Governo/sociedade civil, a "institucionalização.do diálogo com o movimento associativo", numa procura nem sempre fácil, mas eminentemente democrática, de consensos e de expressão das preocupações sentidas pelas pessoas e da sua vontade de influir na mudança. A voz das comunidades, através dos seus dirigentes associativos e jornalistas, fez-se (faz-se!) ouvir no Conselho, mas não só..O programa do Colóquio deu, jusprórpriatamente. destaque semelhante ao primeiro jornal que, a partir de Lisboa, quis ser um traço de união, sobretudo, entre as comunidades então emergentes na Europa, a chamada "emigração a salto". "O Emigrante/mundo Português - razões de um projeto singular" foi uma notável conferência em que, emotivamente, o Padre Vitor Melícias e o Dr Carlos Morais evocaram esses tempos dramáticos e também a memória do co-fundador do Jornal, o Comendador Valentim Morais, falecido poucos dias antes, que muitos de nós tivemos o privilégio de conhecer e que todos admirávamos. O papel da Igreja neste campo também não foi esquecido. Coube a Dom Januário Torgal Ferreira, Bispo Emérito das Forças Armadas, e à Drª Eugénia Quaresma (a primeira mulher a dirigir a "Obra Católica das Migrações") dar-nos o panorama atual da Igreja face à mobilidade - solidariedade e ação social," - dos tempos do mais famoso Bispo do Porto, com quem o então Padre Januário trabalhou de perto, além de ter vivido entre os emigrantes de França, nos anos 60 e 70, até ao tempo atual do Papa Francisco, Um último painel foi dedicado a "novas formas de diálogo", com Mestre Emmanuelle Afonso a falar da "geração Europa", que ela mesma representa, e do "Observatório dos Luso Descendentes", de que é fundadora, e com o Prof José Marques a trazer-nos imagens de uma emigração passada e ainda presente. 3 - Pelas questões que suscitou, foi, a meu ver um convite a voltar a esta temática, num próximo colóquio, olhando a realidade cada vez mais heterógenea das nossas migrações, em que coexistem as correntes tradicionais e as novas (num verdadeiro "brain drain"que leva do país a sua juventude mais qualificada) e as formas de estimular o relacionamento entre todos, entre as antigas comunidades com o seu espírito comunitário, e estes novos protagonistas, que parecem mais individualistas, mas podem, afinal, não o ser - e contribuir para cria lá fora mais Diáspora, que é sempre, presença coletiva. O desafio e dar-lhes voz

junho 06, 2017

PORTUGAL; CAMÕES E OS LUSÍADAS DO SÉCULO XXI 1 - O "10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas” é uma expressão da liberdade de ser português, da "lusitana antiga liberdade", que o Poeta cantou e do seu renascimento contemporâneo, na trilha acidentada de uma revolução. Veio ocupar, naturalmente, o lugar do "10 de junho, Dia da Raça”, que o regime deposto celebrava, com pompa imperial, no Terreiro do Paço, mantendo a data e, numa cidade diferente, em cada ano, a evocação de Camões, com outra leitura de "Os Lusíadas", outra visão da história e de nós, hoje. A revolução de 74 derrubou uma ditadura de meio século, resolveu o impasse de uma guerra sem sentido e fechou o ciclo colonial, recolocando o Estado nas suas fronteiras geográficas europeias, mas não quis, nem poderia querer, pôr fim à presença universal dos portugueses. Presença que tem "vida própria", à margem dos desígnios e do poder do Estado, em múltiplas formas de integração nas mais diversas sociedades que, não por mero acaso, certamente, ganhou, então, uma nova visibilidade. “Há um Portugal maior do que o Império que se fez e desfez e que é constituído pelos portugueses, onde quer que vivam”, diria Vitorino Magalhães Godinho num 10 de junho, realizado sob a égide do primeiro presidente eleito da jovem democracia, António Ramalho Eanes. Com a mesma clareza, falava o Primeiro-ministro Sá Carneiro, em 1980: “Portugal foi uma Nação de colónias. Hoje não é apenas uma Nação territorial, é uma Nação de povo" .“Uma Nação de Comunidades”. “É uma cultura, mais do que uma organização rígida”. A existência da Diáspora, parte integrante da Nação, precedeu, de facto, em alguns séculos, o seu conceito, o seu reconhecimento - uma Diáspora que se afirmou na construção de espaços extra territoriais da sua cultura, em fácil diálogo com outras culturas, numa malha densa de instituições focadas na defesa da língua e na fidelidade a tradições e valores humanistas. Pura “sociedade civil”, que ao Estado nada deve…. 2 - A nossa vocação migratória revelou-se, é certo, a partir do plano estatal de expansão marítima e colonização de vastas possessões, mas depressa o transcendeu, de uma forma espontânea e imparável. O êxodo foi assumindo, crescentemente, o carácter de aventura individual, em destinos transoceânicos, longínquos (sobretudo, o Brasil colonial e, depois, com o mesmo espírito e os mesmos objetivos, o Brasil independente…) e, por isso, os historiadores das nossas migrações não conseguem determinar, precisamente, os termos da transição de um ao outro dos fenómenos – da colonização à emigração – mas reconhecem a prevalência desta última, dentro e fora do universo colonial. O Estado tentou, em vão, proibi-la, ou limita-la, porque, na sua ótica, como, aliás, na dos académicos e até na da opinião pública, os males de uma debandada de tamanha grandeza superavam as suas vantagens, avaliadas, essencialmente, em termos economicistas (contributo para a exploração de recursos das colónias, réditos do comércio, remessas de emigrantes). Valores substanciais, mas perecíveis, que tiveram o seu tempo e com ele se desvaneceram. O que persiste, afinal, é o incomensurável espaço de lusofonia e de lusofilia, um universo linguístico e cultural em expansão, engendrado pela vontade de cidadãos, muitos dos quais partiram à revelia dos governos. Faz, pois, todo o sentido, colocar no centro das comemorações do Dia de Portugal a língua de Camões (que de europeia se volveu, mais por mérito dos povos que a partilharam, no seu relacionamento quotidiano, do que dos Estados, também, em americana, africana, asiática, universal) e as comunidades portuguesas, que vivem, em paz e harmonia, nos principais lugares onde aconteceu a aventura coletiva que o Poeta imortalizou. O povo.... Solúvel e insolúvel este povo, na memória dos outros e na sua própria, nas palavras de Jorge de Sena. . 3 - A ideia de um "Portugal - Nação de Comunidades", dentro e fora do território, ganha força em consensos alargados, traduzidos no estatuto de direitos dos expatriados, nas leis e nas iniciativas com que o Estado acolhe Nação inteira, num tempo de recomeço de migrações em massa. Uma realidade que exige dos responsáveis pela "res publica", políticas de reencontro com os portugueses, e entre portugueses onde quer que vivam – verdadeiras políticas de "desterritorialização”… O 10 de junho convida, muito em especial, à reflexão sobre as infinitas potencialidades que elas nos abrem... Um passo em frente, de grande significado, se ficou a dever ao Presidente Marcelo, quando, em 2016, em início de mandato, decidiu "desterritorializar" a própria comemoração e a foi celebrar a Paris, com os seus concidadãos. Depois será a vez de São Paulo, a par do Porto, ou de Newark, ou de Macau... Um gesto inédito, porventura, a nível planetário, que nos diz mais do que muitos discursos. Diz-nos que na história da civilização “fizemos a diferença” e diz-nos, também, que essa história, ainda hoje, faz a nossa diferença.

maio 25, 2017

COLÓQUIO NA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA

As primeiras imagens (enviadas pela Arcelina Santiago, como sempre!).
MARIA FERREIRA, CIDADÃ DE ESPINHO E DE BRUNOY 1 - Numa cerimónia simples, mas significativa, perante muitas dezenas de franceses, que predominavam entre os presentes, foi inaugurada na Rua 19, uma rotunda com o nome da cidade irmã de Brunoy. Estamos a celebrar os 25 anos de geminação entre as duas cidades e é excelente que a efeméride fique assinalada na toponímia de cada uma delas. Em novembro, Espinho será, do mesmo modo, homenageado naquela aristocrática e formosa urbe dos arredores de Paris . É a hora de fazer um balanço do que foi conseguido até hoje, no quadro dessa parceria, comparando as formas de envolvimento e colaboração, cá e lá, entre os poderes públicos e o que chamamos a "sociedade civil" - lá efetivados através de mecanismos de diálogo e cooperação entre os cidadãos e a autarquia, em que, a meu ver, nos poderíamos inspirar. Refiro-me ao "comité de jumellage", formado por voluntários e institucionalizado na "Mairie", da qual recebe o apoio imprescindível para promover a participação popular nos projetos que se propõe levar a cabo. A capacidade de mobilização desse "Comité" é notável, como o prova o feito de terem trazido, agora, até nós, sem qualquer despesa para a Câmara de Espinho, cerca de 60 individualidades, incluindo o atual e o anterior Maire de Brunoy, que, com o Presidente da Câmara de Espinho Romeu Vitó, foi o signatário do acordo de geminação. Em tempo de comemoração, tão importante é olhar o futuro, como o passado, que dinamicamente se quer prosseguir. Interessante seria fazê-lo numa publicação conjunta, nas duas línguas, com texto e imagem que documentassem, "para a posteridade", o percurso realizado desde 1992. . 2 - Na história desta geminação há, entre outros, um nome português, que não devemos esquecer: o de Maria Ferreira, a emigrante portuguesa, que é um exemplo de cidadania plena dos dois países reunidos no seu afeto, a partir de duas cidades: aquela onde nasceu, Espinho, e aquela para onde a levou a necessidade de trabalhar e progredir. Uma vida que poderia ser como tantas outras - pois a ligação sentimental a duas sociedades, o empenhamento em as aproximar, é comum aos portugueses expatriados em todos os continentes do mundo - mas que se tornou excecional pela sua capacidade de liderança e de ação, sempre posta, generosamente, ao serviço dos outros, ajudando centenas de compatriotas nos primeiros passos de uma caminhada no estrangeiro, ganhando a admiração de tantos amigos franceses e um enorme respeito no círculo da política local, embora sem fazer política partidária. A ela de deve a escolha de Espinho para a geminação portuguesa de Brunoy! As geminações podem ter, de facto, as mais diversas causas ou concausas - afinidades históricas, relações culturais ou económicas, configuração geográfica, irmanado estâncias balneares, povoações mineiras ou piscatórias, capitais de países ou cidades com o mesmo nome, por exemplo. Entre Espinho e Brunoy registamos algumas semelhanças, como uma dimensão demográfica equivalente ou a localização junto a grandes polos de atração cultural e turística, Em Brunoy, pode dizer-se que todos os caminhos vão dar à capital. Espinho beneficia da sua centralidade no eixo Porto/Aveiro. Todavia, não é nestas características que se encontra a origem da geminação, mas antes num fenómeno recente e poderoso, que mudou, para sempre, o relacionamento bilateral luso francês: a emigração portuguesa, os laços humanos que estão criados, as pontes culturais que estão lançadas, e que urge usarmos da melhor maneira. 3 - O turismo surge, certamente, como uma das portas abertas pela geminação: vir a Espinho, para ir também ao Porto, e, reciprocamente, voar para Brunoy, para ver Paris. (intercâmbio de jovens, de seniores, de artistas, de empresários, num movimento que pode avolumar-se, levando consigo a divulgação de potencialidades económicas, de tradições, de gastronomia, de música - que tem sido, note-se, o ponto forte dos intercâmbios culturais havidos até hoje). Mas, porque que falamos de uma realidade intra-europeia, há um outro aspeto que me parece de valorizar especialmente: o papel das geminações na construção da Europa pela nossa vivência muito concreta, pela amizade entre pessoas, nascida do conhecimento mútuo, da troca de experiência nos diversos domínios, da partilha ideias, de agradáveis conversas, de momentos felizes. Face ao retrocesso a que assistimos numa UE cada vez mais assimétrica e dividida, na Europa dos nacionalismos exacerbados e dos preconceitos étnicos (perfeitamente exemplificada na caricatura dos homens do sul, que desbaratam o se dinheiro em "copos e mulheres", feita por um homem do norte, altamente colocado na hierarquia da UE) há que impor a Europa dos Europeus, não como abstração, com discursos no palco da politica, mas com gente real, que quanto melhor se conhece mais se vê como igual. As geminações, atuantes no espaço autárquico, podem revelar-se um instrumento muito eficaz de avanço de uma Europa dos Povos, mais espontânea e convivial e, por isso, mais aberta à alteridade, mais autenticamente fraterna.

maio 01, 2017

PINTASILGO

Maria de Lurdes Pintasilgo, a primeira mulher a chefiar um governo da República portuguesa, por pouco não foi pioneira no desempenho desse cargo, na Europa democrática - pelos dias que vão de 4 de maio de 1979, quando Margareth Thatcher ocupou o nº 10 de Downing Street, a 1 de agosto, data da sua chegada à residência de São Bento. Todavia, para além da coincidência e do caráter histórico e simbólico dessa quase simultânea intrusão feminina no mundo das altas esferas da política, rompendo tabús de velhas sociedades patriarcais, o que as distancia na aventura governativa é muito mais do que o que as aproxima. Thatcher ascendera do âmago das estruturas partidárias, de um (improvável) quadrante conservador, numa democracia antiga, através de uma sucessão de vitórias eleitorais, no partido e no país. Pintasilgo vinha da pura militância em organizações católicas nacionais e internacionais e em movimentos cívicos, feministas, numa democracia incipiente, instável, ainda a tentar erguer as suas traves mestras. Entrou na cena política, trazida de fora para dentro, por escolha do Presidente Ramalho Eanes, no auge de uma crise - crise que está na origem das controversas decisões presidenciais de dissolver a Assembleia da República, convocar eleições intercalares e nomear um governo transitório, para conduzir o processo eleitoral. Por isso, o mandato da Engª Pintasilgo, prometia, logo à partida, ser, como foi, tudo menos pacífico. Ela era uma personalidade independente, de grande notoriedade e prestigio, tal como os seus predecessores nos governos "de iniciativa presidencial", mas, dos três, a mais descomprometida com o sistema partidário e a mais conotada à esquerda, em especial, à "ala meloantunista" do Conselho da Revolução. (Quando interrogada por um jornalista sobre a sua alegada pertença a essa corrente do MFA, responderia ironicamente: "Eu não sou meloantonista, Melo Antunes é que é marialurdista"). A opinião pública, os "media"nacionais e internacionais seguiam, com natural interesse, o desempenho das duas chefes de governo, não resistindo, às vezes, à tentação de comparar os seus perfis e declarações. Um jornal espanhol chegou a apelidar Pintasilgo de "Thatcher roja". Em Portugal, a imprensa e alguns políticos da ala direita, preferiam outros termos de comparação e falavam de "terceiro mundismo socialista", gonçalvismo de saias"... Contudo, mesmo nos casos em que a linguagem decaiu em laivos de sexismo, que hoje seriam intoleráveis, no meu subjetivo olhar "feminista", terá significado antes um recurso ao insulto fácil do que uma objeção à mulher, por ser mulher. A questão de género ficou submersa na vaga gigante das questões políticas, das propostas, dos ideários daquela pessoa em particular, admirada ou temida por ser, como era, extremamente inteligente e determinada no seu ímpeto de mudança, que, de facto, uns queriam e outros não. Em suma, estávamos perante uma personagem pouco consensual e muito carismática, que acreditava na importância da intervenção inovadora da mulher na igreja e no mundo - uma teórica e doutrinadora, pronta a passar das palavras aos atos, aceitando o testar a sua própria capacidade de fazer obra no terreno da política. Foi Procuradora à Câmara Corporativa, instada por Marcello Caetano, com quem colaborou, do mesmo modo, no âmbito do Ministério das Corporações, presidindo aos trabalhos da plataforma que esteve na origem da Comissão de Política Social relativa à Mulher, à qual presidiu. Em 1974, tornou-se a primeira portuguesa ministra nos governos provisórios, sem levantar, na pasta dos Assuntos Sociais, quaisquer reparos de natureza sexista. O seu percurso, um regime para o outro, em cada momento e circunstância, indicia que o seu objetivo era dar o melhor de si, com uma assumida intenção de transformar as coisas, tanto quanto possível, até ao limite da utopia. Esteve nos cargos de passagem, sem amarras, sem "pertenças", mas cheia de ideias, de convicção e de energia. Assim a vi, ao longo de várias décadas. Nos encontros esporádicos que fomos tendo, nos anos 60 em Coimbra e, anos mais tarde, em Lisboa, falávamos, invariavelmente de intervenção feminina na sociedade, o domínio em que a sintonia era maior. Em 1979, aliás, eu estava firmemente do outro lado da barreira, contra a ideia de um governo "para fazer eleições", e contra a sua procura de um paradigma de desenvolvimento democrático, que considerava um enfraquecimento da democracia representativa, ainda tão frágil. Estava entre os que queriam a simples adaptação de modelos europeus, em vez do “experimentalismo” social e político, que a primeira - ministra nos prometia. Como muitos portugueses, também eu a julgava a mulher certa, no lugar certo, na hora errada.. Estive na sua tomada de posse no Palácio da Ajuda, numa quente manhã de verão, no meio de uma multidão de amigos e de representantes das instituições públicas, muitos admiradores incondicionais e alguns antagonistas, entre estes quase todos os ministros e secretários de Estado do governo cessante, a que eu pertencera. Não havia indiferentes...O ambiente era, ali dentro, como no país, um misto de expectativa e de tensão difusa. Muito formal, evidentemente. A solenidade das posturas e do trajar, dos discursos, dos cumprimentos não se perdera, com o pendor iconoclasta da revolução, nem com a frequente repetição daquele cerimonial. Mas as palavras do juramento eram ali, ditas no feminino ( "eu abaixo assinada...) e a Primeira-ministra escolhera, não um "fato de executiva", mas um vestido chique de seda italiana, um penteado conservador, elaborado, uma imagem bem feminina para a história que ali se escrevia. No entanto, eu estranhava ver em seu redor somente os habituais vultos de fato e gravata, esperava mais ministras, lembrando a senhora que conhecera 20 anos antes, em debates abertos do Graal, incitando as jovens universitárias à participação cívica (mais tarde, li a sua justificação de que convidara quatro mulheres e recebera quatro recusas). Para além da falta de uma forte componente feminina na equipa governamental, notada foi, também, a de muitos políticos em oposição aberta - prenunciadora dos duros afrontamentos a que iríamos assistir, em larga medida provocadas pela sua recusa em se concentrar, apenas, no processo eleitoral, pela reiterada afirmação de uma vontade de inovar nas mais diversas áreas. Cerca de cinco meses durou o V Governo Constitucional, ultrapassando o horizonte temporal previsto, no meio de uma campanha eleitoral radicalizada, que levou à vitória da coligação encabeçada por Francisco Sá Carneiro, com maioria parlamentar, a primeira desde 1974. Anos mais tarde, ao fazer o balanço dessa experiência singular, a Engª Maria de Lurdes diria que toda a classe política estivera contra ela, mas o povo não.Não terá sido surpreendida por isso, pois era inevitável a reação dos três maiores partidos, do centro-esquerda ao centro-direita, no projeto europeu, relativizando divergências menores, contra quem procurava outras configurações para estruturar a arquitetura de uma democracia emergente. Temiam o intervencionismo de um executivo que, na sua ótica, se preparava para extravasar o mandato: "o governo só durará 100 dias, mas organiza-se e actua como se estivesse para ficar 100 anos" (Expresso, 11 de agosto). Muito mais adesão encontrava ela, por exemplo, em "O jornal", que a defendia das diatribes em títulos como "A direita perdeu a vergonha". A visão oposta dos dois semanários, como de outros "media" nacionais, refletiu, a par e passo, a divisão em que o país viveu a chamada "marcha dos 100 dias". No fim, deu-se por cumprida a missão principal do governo - levar a cabo um processo livre e transparentes de expressão da vontade popular. E, no meio de tanta efervescência e controvérsia, a Primeira -miinistra ganhara o desafio de se impor como mulher na esfera pública, em cumplicidade com o povo, de quem procurou aproximar-se. Sentiu-o e disse-o na altura. Demonstrou-o, em 1985, aquando do seu breve regresso ao palco da política, com uma campanha para a presidência da República, marcada pelo integridade e pelo fulgor do seu discurso. Arrancou, cercada de entusiasmo e simpatia, e com sondagens esperançosas, mas acabou, em novo braço de ferro, vencida pela dinâmica avassaladora das máquinas partidárias. Mais uma vez denunciou, asperamente, as forças que lhe retiraram a vitória, dizendo que: “[..] surgiram do fundo arcaico da sociedade portuguesa, em profunda simbiose com estruturas rígidas e autoritárias, de raiz marcadamente patriarcal.” Com a eleição de Mário Soares e o que considerava "a implantação do liberalismo" no país, afastou-se da vida pública nacional, porque lhe parecia óbvio que ":a sociedade portuguesa, na sua expressão político-institucional, não tinha lugar para uma pessoa como eu". Voltou às origens, ao campo da militância cívica e foi, sobretudo, em organizações internacionais que se distinguiu como grande vulto do pensamento europeu e universal, pela cultura, pela criatividade, pela apaixonada defesa de valores humanistas (incluindo neles, sempre, a vertente feminina). Maria de Lurdes Pintasilgo foi não só a única mulher, mas, igualmente, a única personalidade declaradamente feminista, a presidir, até hoje, ao governo de Portugal. Suportou os custos inerentes a uma forma diferente de estar na república, tal como a idealizava, quando escrevia:" As mulheres [...], enquanto mulheres na vida política trazem sempre consigo uma certa perturbação ao sistema. São portadoras não de interesses, mas de causas, as causas da vida". No seu caso, sem dúvida alguma, tão grandiosos foram os ideais como o desassossego com que abalou o “sistema”…Valeu certamente a pena para quem dizia que: "estar na política de forma idêntica à dos homens não me parece um contributo que traga muito de novo para a solução dos problemas [...]" Não a acompanhei no modo como avançou, em 1979, para a " solução dos problemas" do país e fui mantendo algumas diferenças de enfoque, ou gradações de fé, em relação a algumas das suas posições, mas reconheço a sua excecionalidade como ser humano, a sua capacidade de viver as crenças e os sonhos em gestos concretos, e admiro-a por ter sido, antes, durante e depois dos dias contados do V Governo, uma " Mulher de Cidades Futuras

março 08, 2017

Sá Carneiro em Fermentelos

Com as três mulheres do seu governo, uma de cada partido: PSD Maria Manuela Aguiar (Emigração) CDS Teresa Costa Macedo (Família) PPM Margarida Borges de C
arvalho (Ambiente)

março 02, 2017

OS PRIMEIROS CONSELHOS REPRESENTATIVOS DE EMIGRANTES NO SÉCULO XX - a França e Portugal
I - O CONSELHO SUPERIOR DOS FRANCESES DO ESTRANGEIRO
Na primeira metade do século XX, dois Conselhos de Emigrantes foram criados na Europa, como instrumentos de representação dos cidadãos residentes no estrangeiro e ambos estão ainda em plena atividade no século XXI- o suíço e o francês. Um e outro são oriundos de grandes movimentos transnacionais, configurando, porém dois modelos distintos. O suíço, mais antigo, mantém a sua natureza privada até hoje, dirigindo-se ao governo, como um interlocutor direto, mas exterior à sua orgânica, em áreas culturais e sociais, só mais tardiamente se centrando nas questões de participação política, O segundo foi impulsionado pela "Union des Français de l' Étranger" (UFA), que, praticamente desde o início da sua atividade, nos anos 20, apela à institucionalização da colaboração com o Estado, colocando o enfoque na igualdade de direitos entre residentes e expatriados, e no direito de voto nas eleições nacionais.
O início de novecentos, foi um tempo de grande expansão de movimentos associativos de povos europeus, que formaram, cada um deles, extensas redes internacionais, com as suas cúpula federativa ( 1 ), a coincidir com o aumento de vagas migratórias da Europa para as Américas, favorecido pelo progresso tecnológico e embaratecimento dos custos das viagens transoceânicas, Esta é uma realidade que nós próprios exemplificamos , com um êxodo para o Brasil em números jamais vistos, embora sem acompanhar a tendência para a internacionalização do seu associativismo, fortíssimo a nível local, mas avesso a ultrapassar as fronteiras de uma cidade, ou, quando muito, de um país. (2).
Todavia, à época, só em França, no discurso da UFA, aflorou a clara consciência da situação de discriminação dos expatriados no plano político, com a reclamação da igualdade de exercício de direitos da cidadania face ao país de origem. A pertinência dessa pretensão era evidente, reconhecidos os laços de pertença culturais, económicos, afetivos, que mantinham com a pátria, mas a força do dogma territorialista - a soberania exercida estritamente dentro de fronteiras - assim como a preocupação de não abrir precedentes que obrigassem a dar reciprocidade a estrangeiros (num país de imigração mais do que de emigração), levou sucessivos governos a rejeitarem tão ousada proposta.
O que explica o pioneirismo do Conselho francês? Em parte, certamente, a história da República, a tradição de representação das antigas colónias, pela via de Conselhos Superiores, mas, sobretudo, a visão e cultura política do fundador e principal dirigente da UFA, Gabriel Wenlé, terão sido decisivas para lançar a utopia da igualdade de direitos de cidadania dos emigrantes no centro do debate. A proposta teve o apoio imediato do Presidente Briand, mas a invencível oposição de sucessivos Governos e da Diplomacia. Wernlé soube contornar os obstáculos e encontrar, uma solução de compromisso, avançando com uma fórmula inovadora de intervenção dos expatriados no espaço público (3 -a silva), através de um orgão de consulta governamental, porta voz dos seus interesses e aspirações, que viria a ser criado em 1948, após duas décadas de porfiados esforços, com a designação de "Conséil Supérieur des Français de l' Étranger"
A sua constituição fora precedida pela presença de um pequeno núcleo emigrantes franceses no Conselho Consultivo da Resistência Francesa, que funcionou, sob a égide do General De Gaulle, como forum da França livre, durante a 2ª Guerra mundial. Teve a sua 1ª reunião em 1943, na Argélia, reunindo 83 homens, 5 representantes dos expatriados, e apenas uma mulher, Marthe Simard, membro da resistência no Canadá.
Essa primeira ligação entre expatriados em razão da guerra e emigrantes, em sentido estrito, foi continuada no Conselho Superior dos Franceses do Estrangeiro, onde os antigos combatentes, enquanto tal, tinham assento, entre os “membros de direito” juntamente com representantes da UFE, das Câmaras do Comércio e dos professores, a par dos 45 “membros eleitos” pelas associações (4) e dos 5 “membros nomeados” pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, que presidia ao órgão consultivo. Entre as mais importantes prerrogativas deste Conselho estava e está, a de escolher os senadores dos franceses do estrangeiro (processo em que só intervêm os membros eleitos). O voto dos residentes no estrangeiro para a Assembleia Nacional tardaria em ser reconhecido, pelo que o Conselho (com a sua conexão ao Senado) era a grande instituição onde tinham voz. E, mesmo depois que os direitos de participação política foram sendo atribuídos, não perdeu importância, como via de uma representação específica – a veste em que influenciou todos os organismos semelhantes, que vieram a ser criados, na década de 80, nos países europeus de forte emigração – Portugal, Itália e Espanha. (5) AR audição
O Conselho reúne em plenário anualmente (entre as sessões anuais funciona, com regularidade a Comissão Permanente) e aprova relatórios, resoluções, dá pareceres, faz interpelações sobre todas as matérias que interessem aos residentes no estrangeiro – direitos políticos, nacionalidade, ensino, pensões, assuntos económicos…(5) Joelle o melhor e o pior).
Em 1982, O Conselho Superior passou a ser eleito por sufrágio direto e universal (modo de eleição adotado pelos homólogos italiano e espanhol, que são posteriores a essa data). Foi “constitucionalizado” em 2003 (art. 39 da Constituição) e, em 2004, alterou a sua designação para Assembleia dos Franceses do Estrangeiro.
Os conselhos existentes na Europa têm, evidentemente, a sua própria história, com soluções e modos de atuação concreta muito diversos, mas tendo finalidades análogas, julgo que ganhariam em manter, a nível europeu, um diálogo, que tarda, sobre os seus êxitos e dificuldades, como meio de aperfeiçoar o modelo e a prática de uma instituição ainda com muitas virtualidades a explorar. O Conselho português, de que vamos falar mais detalhadamente, foi de todos, o que teve vida mais acidentada e a análise comparativa poderá, ajudar a compreender algumas das razões do seu relativo insucesso, a par das singularidades que o diferenciam positivamente
II - O CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS (CCP)
1 -Fazer a lei
Nas eleições intercalares de 1979, o programa eleitoral do governo da AD previa a criação de um "Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, onde estas se poderão fazer representar" (6). Tratava-se de um organismo inédito, sem tradição jurídica e política entre nós, que seria instituído pelo governo. Em direito comparado, o único paradigma que se oferecia ao legislador era o francês, apesar das diferenças de condicionalismos e, consequentemente, de problemas aos quais procuravam respostas. No caso português. sem qualquer âncora no passado colonial ou na situação de antigos combatentes (7), num quadro cconstitucional que consagrava já a representação dos emigrantes na Assembleia da República, mas perante a ausência de agregação das suas comunidades orgânicas disperrsas pelo mundo. Assim, enquanto em França a questão política era central e levantada por uma organização de cúpula do associativismo, em Portugal era o próprio movimento associativo muito dinâmico localmente, mas incomunicável, a nível transnacional, que se queria unir " casa comum" de cultura (8).
Era preciso adaptar o figurino alheio a realidades próprias e trabalhar depressa Foi constituído, em início de janeiro, no gbninete da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, a quem estava cometida a tarefa, um grupo de trabalho, coordenado pela Drª Fernada Agria. Cerca de um mès depois, ouvidos especialistas efuncionários da SEECP. dplomatas e deputados da emigração, o anteprojeto estava concluido e foi enviado a Conselho de Ministros, onde veio a ser provado a 1 de abril.
A falta de ampla audição das comunidades seria suprida, através da consulta aos eleitos, na primeira reunião do CCP. A lei que dava suporte à nova instituição seria aí repensada, num forum, que sem perder a natureza consultiva, funcionaria à maneira de uma assembleia constituinte. Foi, por isso, por proposta do governo que, entre as seis secções previstas, se destinava à revisão do DL 373/80 de 12 de setembro - secção que seria vista, por todos, como a mais importante, muito participada, em grandes debates, com naturais afrontamentos que acabaram em consenso. Foi essa vontade comum de existir, que verdadeiramente fez da da lei uma realidade viva e a levou pelos caminhos que escolheu - privilegiando o tratamentos dos problemas sociais do quotidiano da emigração recente, e assuntos jurídicos e políticos com ela relacionadas ,nessa medida divergindo dos congressos de Adriano Moreira, com o seu discurso eminentemente cultural. e do organismo prefigurado no programa do governo, que ia no mesmo sentido).
Em qualquer dos casos, qualquer que fosse a forma como modelasse, no interior, a lei á sua imagem, o CCP era um espaço de encontro dos portugueses do mundo inteiro com Portugal, uma força para ajudar a mudar o estado de coisas, o desinteresse geral do país pela sua emigração. .
Mais do que colocar os conselheiros, frente a frente, numa sala de reuniões fechada, a falarem entre si e com um representante do governo, pretendia-se pô-los em contacto com a sociedade civil e com responsáveis da administração pública, dar-lhes voz nos "media", presença tangível, junto da opinião pública, criar vontades de colaboração mútua
Essa é justificação, ainda hoje largamente incompreendida, para heterogeneidade da composição do órgão consultivo, com o seu núcleo central, os conselheiros eleitos no universo associativo, os observadores da comunicação social, mas também outros interessados - oriundos das organizações sindicais e patronais, parlamentares, perito nas matérias a debater - e, obviamente, da contraparte oficial no diálogo, o Ministro (ou o Secretário de Estado de Estado).os representantes dos Governos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. O facto de outros participantes darem opinião no debate aberto, ou de as assessorias (dos diversos departamentos ministeriais) se pronunciarem sobre aspetos técnicos, era antecipada como contributo facilitador do parecer final e não prejudicava a autonomia dos eleitos... A audição era dos conselheiros, não dos sindicalistas, dos políticos, ou dos servidores públicos. E basta compulsar o acervo das recomendações, que se encontram publicadas pelo Centro de Estudos da SECP, para constatar que elas são genuinamente dos portugueses do estrangeiro. Aliás, das atas das diversas secções da 1ª reunião, ressalta a raridade das intervenção dos membros não eleitos, com exceção do presidente do CCP, e mal seria que este não consultasse verbalmente o órgão de consulta, ou não respondesse, logo ali, a questões colocadas (10)
Na recomendação 99 (que se desdobra numa multiplicidade de recomendações, todas as que foram aprovadas na Secção) os conselheiros exprimiam uma vontade clara de reduzir o CCP ao núcleo dos eleitos (admitindo que estes fossem ou não, membros de associações, ou seja, admitindo, também, candidaturas individuais), mas abriam, pela via de convites seus, as portas dos CCP a todas as categorias de participantes previstos na Lei 373/80.
O que me parece evidenciar:
- o reconhecimento das vantagens de dialogarem com uma pluralidade de audiências num forum alargado:
- a comprovação do bom relacionamento humano que se conseguiu na 1ª reunião, àquem e além das muitas discussões e controvérsias.
- a vontade de independência total, face ao governo - incluindo o MNE, que seria um convidado como qualquer outro.
(convenhamos que isso seria insólito, num órgão de consulta governamental, (à francesa), embora decorra da própria natureza das coisas numa organização privada (modelo suíço )
.
2 - A primeira reunião - 6 a 10 de abril de 1981
Se foi célere a elaboração da legislação, em 1980, durante o VI Governo Constitucional, não menos o foi o processo de organização das primeiras eleições, de acordo com as normas transitórias previstas no DL 373/80. convocatória pelas embaixadas ou consulados dos delegados das associações legalmente constituídas na sua área e eleição por esse "colégio eleitoral" do número de representantes decorrente da aplicação dos critérios legais.
Futuramente, as "Comissões de País" reuniriam, para o efeito, por direito próprio.
A lei não definia a dimensão, nem modo de funcionamento das Comissões, o mesmo se dizendo da organização por área consular. O número de efetivos, atividades, papel a nível local, tudo era decidido pelos respetivos membros, eleitos de entre as associações legalmente constituídas, que se inscrevessem na "Comissão". Estabelecia-se, assim, uma completa descentralização, julgada imprescindível face a realidades tão díspares, como são as das comunidades dos 5 continentes. Onde existisse já uma federação - caso do Brasil - podiam funcionar quase só como colégio eleitoral. Em comunidades mais divididas, esperava-se que pudessem contribuir para reforçar a cooperação inter associativa e a sua expansão. Mas não se interferia (11).
O VII Governo Constitucional tomou posse em Janeiro de 1981 e a reunião realizou-se, decorridos 3 meses, em abril, no salão nobre do Palácio Foz. A abrir os trabalhos, a Secretária Geral, Fernanda Agria lembrava que "o próprio diploma criador do Conselho está, de certa maneira, e ser testado na realidade da prática".
Na qualidade de Presidente do Conselho das Comunidades, eu própria salientei o carater histórico daquele momento: "Estamos a participar no primeiro ato da vida de uma nova instituição - o CCP - que, estou certa, virá a desempenhar, como todos esperamos e desejamos, durante muito tempo e ao longo de muitas gerações, um papel de relevo, meritório e eficaz, no conjunto das instituições nacionais".
E, mais adiante, caracterizava o CCP como "uma instituição mediadora entre a sociedade civil e o Estado", dizebdo: "Não temos, infelizmente, em Portugal, uma tradição muito rica neste género de instituições (...) o CCP, no seu processo de funcionamento, terá, pois, menos uma tradição a seguir do que uma tradição a criar; terá uma forma própria a assumir e não um modelo rígido a limitá-lo". A validade da representação pela via do associativismo era justificada pelo facto de as associações serem "a estrutura organizacional e os centros de vida das comunidades portuguesas do estrangeiro".
Quando Fernanda Agria se preparava para dar sequência à ordem do dia do plenário, ouviu-se a primeira voz contestatária, prenúncio da partidarização, que viria da Europa e, sobretudo de Paris, marcando os plenários do CCP e dando da instituição uma imagem pública de conflitualidade, só parcialmente verdadeira
É assim que "O Diário" , afeto ao PCP, relata o incidente para a posteridade:
"Mal a Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas, Manuela Aguiar, terminou o seu discurso de saudação e de votos de bom trabalho, o delegado da Comissão da Comunidade Portuguesa de França, Carlos Duarte Morais, levantou-se e perguntou: Qual é a nossa participação nesta sessão inaugural?
Fernanda Agria comunicou-lhe que ele ficava inscrito para falar, o que só se verificou às 11.50. Entretanto os presentes ouviram as exposições de seis funcionários da SEECP, que os informaram sobre o âmbito de competência dos respetivos departamento"
Com o sub título "Protesto", o Diário continua a reportagem, escrevendo:
"O representante da CCP de França disse estar ali para protestar contra o facto de isto tudo estar preparado para nós sermos figurantes, constatou a ausência de Manuela Aguiar, exatamente quando falava o primeiro emigrante e comentou o teor das intervenções dos seis altos funcionários"
AS SESSÕES DE TRABALHO
Embora a lei fosse omissa quanto ao modo de funcionamento do CCP, o programa que foi delineado para a primeira reunião previa a alternacia de reuniões plenárias e de reuniões por secções. Concretamente seis: Educação e Ensino, Segurança Social, Regresso e Reinserção, :Comunicação Social, Revisão do DL 373/80 e Secção Especial (temas livres).
À semelhança do que acontece na Assembleia da República, também no Conselho, pelas mesmas razões, o Plenário foi o grande palco mediático do confronto de posições e as secções (como, em regra, as Comissões Parlamentares), que decorriam à porta fechada, converteram-se no espaço privilegiado de debate, de colaboração e de entendimento, nem sempre fácil, mas sempre conseguido. A prová-lo, ficaram 102 recomendações aprovadas consensualmente. Para isso muito contribuíram , também os especialistas, funcionárioas e funcionários dos diversos departamentos da administração pública, que mereceram a simpatia e o elogio unânime dos participantes. Eles e elas. Na verdade, alguns nomes femininos ficam ligados à história do 1º CCP, apesar da total ausência de mulheres entre os membros eleitos, os observadores da Comunicação Social, os parlamentares, os representantes das Regiões Autónomas, e, ao que julgo, também os parceiros sociais presentes (nomeados por indicação das respetivas corporações)
A presidência do CCP coube a uma mulher, por inerência, na qualidade de membro do Governo. coisa que nunca acontecera no Conséil Supérieur francês, cujos presidentes haviam sido sempre homens, Ministros dos Negócios Estrangeiros, que delegavam em Embaixadores.
A nota do equilíbrio de género,foi introduzida nas nomeações da Secretária-geral, Fernanda Agria, e de peritas para exercerem funções importantes de moderação e assessoria nas secções..
Foram moderadoras:
Maria Beatriz Rocha Trindade (Secção da Educação e Ensino e Secção Especial - 2ª geração e identidade cultural) e Rita Gomes (Secção Regresso e Reinserção)
Prestaram colaboração como assessoras:
Alexandra Lencastre da Rocha (Secção Especial): Maria Helena Lúcio (Selgurança Social e Secção Especial) e Maria Manuela Machado Silva (Ensino e Educação)..
Foi, assim, graças a um espírito de diálogo e de compromisso, que predominou no relacionamento humano dentro do círculo que constituiu cada secção, com os
onselheiros e os seus colaboradoes, mulheres e homens de reconhecida competência e ética de serviço público que o Conselho pode deixar uma panorâmica da emigraçãoportuguesa num significativo acervo de recomendações: cada recomendação é um conselho, coletivamente o Conselho em ato.
AS RECOMENDAÇÕES
Boa parte das recomendações programáticas, algumas delas vagas ou mera enunciação de problemas. mas outras houve que apontavam para soluções inovadoras, que vieram a inspirar políticas com concretização no imediato ou a prazo. Destacarei entre as propostas mais importantes:
ENSINO: a criação de Institutos de Língua Portuguesa: integração do português nos "curricula" escolares dos países de imigração;recrutamento, sempre que possível, de professores oriundos das cpomunidades: organização de cursos de férias e intercâmbios (que a própria SEECP levou, efetivamente e cabo), cursos de formação para professores de português no estrangeiro (eram já então e continuaram a sê-lo, por exemplo , na Universidade de Aveiro
SEGURANÇA SOCIAL:a tónica foi posta na negociação de acordos bilaterais, na melhoria das prestações a nível interno, no alargamentodo regime de inscrição voluntária de emigrantes segurança social portuguesa, que fora instituído no ano anterior(Decretto Regulamentar 7/80 de 3 de abril) .e "de jure constituendo" numa medida ambiciosa, nunca correspondida; a criação de uma "Caixa de Reforma dos Emigrantes"
RETORNO E REINSERÇÃO. o aumento das isenções alfandegárias (que, aliás, fez parte de um conjunto de medidas financeiras bastante eficazes adotadas logo depois da revolução de 1974, para incentivar o regresso), canalização, pelo sistema bancário,das remessas para polos de desenvolvimento regional (o que ficou sempre muito a desejar...),e a instituição de um Fundo de Solidariedade para os regressados (que ficou no plano da utopia, sendo certo, também, ao contrário do dramático retorno em massa de África, o regresso da Europa foi, em regra, bem planeado, individualmente).
COMUNICAÇÃO SOCIAL: as reivindicações apresentadas pelos profissionais dos media que compunham esta secção, com o estatuto de "observadores" ( ) tiveram, regra geral, um carater preciso e pragmático, e muitas delas ajudaram enormemente a articular e potenciar os parcos meios existentes, caso da realização de programas de apoio a rádios das comunidades (a RDP foi sempre um parceiro ideal, particularmente colaborante e eficiente), do fluxo de noticiários da ANOP (que a SEECP passou a assegurar, para os terminais de telex dos próprios media ou dos consulados), o aproveitamento dos programas de televisão, desde 74/75, elaborados para os emigrantes de França e Alemanha, estendendo o seu envio para canais ou emissões de televisão das comunidades em outros continentes (o que foi, dificilmente -mas foi! -, negociado com a RTP), o porte pago, e até a realização de um Encontro Mundial dos Órgãos de Comunicação Social das comunidades, prontamente agendadano ano seguinte.
SECÇÂO ESPECIAL - TEMAS LIVRES
Esta secção incluiu, como se esperava, assuntos muito diversificados, desde a reclamação da dupla cidadania (acolhida na ordem jurídica poucos meses depois), do voto na eleição presidencial (admitido na Constituição da República 16 anos mais tarde), do alargamento do número de deputados da emigração (ainda não aceite atualmente), até aos problemas específicos da 2ª geração, à necessidade de reforço dos serviços da SEECP, com o aumento de delegações no estrangeiro ou de balcões de apoio aos emigrantes nos aeroportos (o que foi, de facto, implementado) à revisão da Lei do Inquilinato, com a possibilidade de arrendamentos de curto prazo e atendendo, equitativamente, aos interesses dos senhorios e dos arrendatários.(matéria ainda agora muito atual) m aos transportes aéreos (mais rotas, melhores tarifas,,,) à adesão à CEE (à distância de 4 anos, já se falava de informação, dada em conjunto com os países de imigração e essa sugestão não foi esquecida, tornando Portugal o único país a ter uma iniciativa que teve a maior recetividade nos parceiros no eixo bilateral).
REVISÃO DO DL 373/80
A revisão da lei, e o esforça de repensar o CCP, a adequação das suas estruturas aos objetivos ambiciosos do seu papel representativo, estiveram no centro das atenções da 1ª reunião - foi a secção que atraiu os juristas, os estrategas, os "líderes dos líderes" do movimento associativo, a presidente do CCP. Nos corredores, na conversa informal, era chamada muito justamente a "secção política" - política no sentido nobre da palavra. Os consensos alcançados nesta sede foram os que verdadeiramente fizeram do CCP uma causa comum a todos, porque todos o julgavam um instrumento válido para expressão de projetos futuros Ou seja, mesmo os mais céticos, acabaram por reconhecer que não haviam sido chamados a Lisboa para serem apenas meros "figurantes".
O CCP tal como o queriam manteria o caráter consultivo. Seria composto apenas por membros eleitos, com possibilidade de eleições diretas, fora do mundo associativo. a t´titulo individual. Elegeria o seu presidente de entre emigrantes ou ex-emigrantes residentes em Portugal. Designaria o Secretário-Geral, embora este continuasse a ser apoiado pelos serviços da SEECP e poderia convidar para a reunião os membros natos e nomeados previstos na lei em vigor
4 – O CCP 1980-2015 – Em síntese
1º CCP 1980-1987
O CCP associativo, no seu ciclo de 7 anos reuniu em plenário, por secções em  Portugal em 1981 (Lisboa), em 1983 (Porto-Santa Maria da feira), 1985 (Porto Santo-Funchal)e em 1987 (Algarve).
Em plenários por regiões em 1984 na América do Norte (EUA -Danbury) e na América do Sul-África (Fortaleza) e em 1986 na América do Norte (Canadá Toronto), na América do Sul ( Brasil, Maringá)e na Europa (Alemanha, Estugarad)
Em 1982 não houve reunião (durante o VIII governo Constitucional) (13), por não convocatório do MNE/SEEC. Em 1984 a reunião Regional (França-Paris) foi cancelada (14)



Notas
(1) Para além da França, com a UFE, da Suiça com a "Organização dos Suiços no Estrangeiro" (da qual é oriundo o "Conselho"), também, por exemplo, a Austria Associação Mundial dos Austríacos no Estrangeiro,)a Bélgica ("Flamengos no Mundo" e "Union Francophone des Belges à l' Etranger"), a Alemanha (Associação para a Cultura Alemã no Estrangeiro, fundada em Berlim, em 1881, com o nome de "Associação Geral das Escolas Alemãs"), a Espanha (Fundação dos Espanhois no mundo), a Inglaterra ("Associação para os Direitos dos Ingleses no Estrangeiro"), a Itália ("Sociedade Dante Alighieri, a "União dos Italianos do Estrangeiro" e organizações regionais como "A família Veneziana! e "A Família Milanesa), a Polánia (com "Comunidade Polaca", em 1990), a Suécia (com duas associações internacionais "A Suécia no Mundo" e a "Associação Educativa das Mulheres Suecas") vd sobre estas formas de organização o relatório de M Bohm "Os Europeus residentes no Estrangeiro" Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, 1993
(2) Uma das explicações para a não existência de um movimento internacional da Diáspora portuguesa poderá ser o facto de o destino largamente predominante da emigração ter sido o Brasil. É ao nível deste país quase continental que encontramos o primeiro grande movimento federativo , com aa Federação das Associações Portuguesas e Luso- Brasileiras. A única tentativa de criação de uma rede mundial deve-se à Sociedade de Geografia, na presidência de Adriano Moreira nos anos 60: a "União das Comunidades de Cultura Portuguesa, que foi instituída durante o 1º Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, em Lisboa, e organizou, de novo com a presidência de Adriano Moreira, o 2º Congresso, em Moçambique. O 3º Congresso, que iria realizar-se no Brasil, deparou com obstáculos levantados pelo governo de Marcelo Caetano. Foi adiado "sine die" e assim se perdeu a possibilidade de implementar uma União ainda em fase embrionária - não porque precisasse de apoio oficial para avançar, mas porque não tinha a liberdade para o fazer...
(3) O Prof Emygdio da Silva ,já no início do século, rejeitando, embora, a ideia do voto nacional dos emigrantes, apontava para a representação dos emigrantes num órgão próprio. Um verdadeiro percursor, no plano puramente teórico
(4) Os candidatos às eleições deviam ser, obrigatoriamente, membros de uma associação do estrangeiro e ter nacionalidade francesa
(5) Jöelle Garriaud Mayland, Conselheira e Senadora pelos franceses do estrangeiro e autora de uma publicação sobre a "Assemblée des Français de l' Ètranger" , ao historiar o percurso do "Conselho", destaca o seu papel no domínio do ensino, da proteção social e pensões, na aceitação da dupla nacionalidade e do lado menos positivo, refere a pouca notoriedade de que goza, apesar da sua importância, esta instituição, quer dentro de França, quer também entre os expatriados
(6) O Programa Eleitoral da AD, no capítulo da Política Externa (página 56, )distinguia políticas para a "Emigração" (medidas de proteção aos emigrantes e seus descendentes, acento no ensino, na cidadania, nos direitos de participação política, na facilitação do regresso), e para as "Comunidades Portuguesas no Mundo", como realidade que exigia meios próprios, gestos de aproximação das comunidades da Diáspora. Nos seguintes termos: "Para além dos núcleos de emigração antigos e recentes, existem espalhadas pelo mundo numerosas comunidades portuguesas ou de descendentes de portugueses cujo significado histórico, cultural e patriótico se impõe reconhecer e preservar. Essas comunidades não devem constituir objeto de manipulação partidária, nem mesmo de submissão ao enquadramento ou ao controlo do Estado [...] Assim, o Governo da Aliança Democrática criará um Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, onde estas se poderão fazer representar e conceder-lhes-á apoio constante e permanente
(7) Os congressos da década de 60 não se enquadravam, de todo, nessa perpetiva, antes poderão ser considerados como precursores da CPLP e assim os via o maior impulsionador desta comunidade, Embaixador José Aparecido de Oliveira - têm já feição "pós-colonial", são prelúdio de uma época em que a expansão cultural se joga, sobretudo, na língua, nas Diásporas lusófonas, na partilha de raízes e afetos.
(8) Não se exigia aos conselheiros o vínculo da nacionalidade, nem sequer o de ascendência portuguesa, apenas o sentimento de pertença, que se comprova pela participação ativa e relevante no mundo do associativismo lusófilo. Outra afloração desta originalidade nossa é a forma de cálculo das comunidades para efeito de representação quantitativa: as comunidades antigas, partindo das estimativas consulares, contam a dobrar. Eis o que o singularizava face ao modelo françês ( e aos que posteriormente surgiram na Europa)
.(9)O Prof. Adriano Moreira, que conheci, através do Deputado José Gama, foi a primeira das personalidades ouvidas. Os três conversámos longas horas, em encontros informais, sobre os grande congressos da década de 60. Pena foi que não tenhamos podido dar sequência ao seu projeto. O próprio CCP, como disse, não quis dar prioridade à vertente cultural e não tivemos meios para desdobrar o Conselho dos Emigrantes e o Conselho da Diáspora. Há agora um grupo que se chama precisamente "Conselho da Diáspora", e que reune, de vez em quando, com o Presidente da República, mas sem agenda nem estartégia conhecida. O nome já existe. Pode ser que um novo Presidente lhe consiga dar corpo e alma...
A propósito de encontros sob a égide presidencial, é de referir que estava previsto, em 1980, a coincidir com a celebração da passagem dos 400 anos sobre a morte de Camões:" 1º Congresso das Comunidades Portuguesas". Decorriam já as suas reuniões preparatórias, dentro e fora do país. O diploma que regulamentava o Congresso apontava para uma futura estrutura permanente de ligação entre os emigrantes, que deveria sair de propostas dos participantes. Porém, o Governo, ao mais alto nível, decidiu adiar o Congresso para junho do ano seguinte, avançando com a constituição do CCP, como órgão consultivo da emigração. Como Secretária de Estado cumpri, convicta e diligentemente, o plano governamental, suspendendo, de imediato, os trabalhos preparatórios do Congresso e ultimando os do diploma do CCP. Em resposta ao adiamento "unilateral" do Congresso pelo Governo , o Presidente, como era de esperar, reteve o diploma do CCP durante meses (com um "veto de bolso", como correntemente se dizia). A promulgação em setembro determinou o adiamento da 1ª reunião do Conselho,. Tanto este como o Congresso se realizaram, pois, em 1981 (em abril e junho, sucessivamente), gerando, como era previsível, na opinião pública e nas comunidades, uma certa confusão entre a sua natureza e objetivos. Nas comunidades repercutiu, inevitavelmente, este ambiente de dissenso e animosidade política. Ainda por cima, não houve a devida articulação entre as organizações do CCP e do Congresso, apesar da organização dese ter transitado para a órbita do governo, que livremente nomeou o seu presidente. Todavia, a unidade e o dinamismo da AD no VI Governo estavam, a meu ver, irremediavelmente perdidas com a morte de Sá Carneiro e este caso foi apenas mais uma consequência dessa fatalidade..
O Congresso foi do domínio do efémero, um" happening" irrepetível, marcada pela conflitualidade, logo na sessão solene de inauguração, e prejudicado, nas sessões de trabalho, pelo rateio de tempo de palavra, que a muitos intervenientes não permitiu mais do que breves palavras de saudação -ou de contestação. Mais interessante terão sido, certamente, as reuniões preparatórias nos vários continentes, cujas atas se encontram publicadas.
(10) Do Conselho francês sabíamos que os 45 eleitos (em 1950) ocupavam um lugar central e coexistiam bem com os não eleitos. Quanto ao Conselho suíço (que não foi considerado como modelo por ser uma organização privada) porocura, pelas mesmas razões de eficácia, construir pontes, redes de apoios e alianças, chamando a si pessoas e entidades do interior do país e elege, em regra, para presidir ao Conselho, uma personalidade residente no país.
(11) Será difícil fazer a história do que aconteceu localmente. Obrigará a recorrer à imprensa local, aos arquivos consulares, correspondência de e com a SECP - que, de facto, não teve interferência no processo. Da imprensa, referirei um recorte de jornal em que se relata um encontro realizado com os eleitos, a pedido deles, durante uma visita, a Paris, que seria, ao longo do percurso do 1º CCP, o epicentro de todas as discórdias. Curiosamente, a principal reivindicação era o pagamento de salários perdidos nos dias de reunião. Muito "terra a terra"...Mas era razoável. Foi prometido logo ali, e cumprido, depois, sem burocracias de maior, mediante uma declaração do requerente.
Mais complicado de resolver foi a decisão da Embaixada de Bona de excluir da inscrição no colégio eleitoral as associações ligadas à Igreja, contra a interpretação geral dada ao conceito de associação em todos os outros países. Foi preciso consagrar expressamente na lei a não discriminação das instituições ligadas a qualquer credo religioso, para que Bona aceitasse as determinações de Lisboa...
(12) Não fica claro, embora, pensando um pouco, se possa deduzir, que a Secretária de Estado se ausentou, numa parte do programa em que estavam previstas as informações técnicas dos funcionários... Em todo o caso, na parte final do artigo há breves citações de outros conselheiros, da emigração transoceânica, dissonantes das posições do orador de França. Só um vê escrito o seu nome: Carlos de Sousa (Venezuela), que "fez um apelo à união de todos os emigrantes e disse que considerava o decreto -lei que institui o Conselho como uma "certidão de nascimento" e como tal devia ser encarado" . Ficámos sem saber qual seria o delegado do Ontário, Canadá, que "comentou em termos fortemente críticos as intervenções dos representantes dos emigrantes de França, RFA e da CGTP-IN. Esta intervenção, mais própria de um representante governamental, causou a estranheza e os protestos dos visados (...).
Não obstante o seu cariz partidário, a narrativa é elucidativa do ambiente em que decorreram os debates no "dia um" do CCP: a contestação ensaiada pela Comissão de França, a divisão entre a Europa e todos os outros continentes, que viam o Conselho proposto pelo governo como positivo, divisão à qual subjazia a tentativa de politização comandada pelo bloco de França contra as comunidades transoceânical.
Os títulos da imprensa, a 7 de abril são, também, tudo menos consonantes, em função da tendência polític de cada um
O Diário (comunista): "Tudo preparado para sermos figurantes"
Portugal Hoje (socialista): "Trabalhos abrem com polémica"
Diário de Lisboa (socialista) "Emigrantes exigem um papel ativo e recusam o lugar de "figurantes"
Nos media mais próximos da AD, ou menos hostis, o tom é de neutralidade. a notícia é a reunião:
JN: "Houve pouca abertura de alguns setores" - lamenta Manuela Aguiar (crítica que se referia à dificuldadae de aumentar a representação política dos emigrantes).
A Tribuna: "Conselho das Comunidades teve ontem início"
Correio da Manhã: "Conselho das Comunidades reuniu pela primeira vez"
Comércio do Porto; "Conselho reunido até 6ª feira Congresso das comunidades já em fase de preparação"(estava estabelecida a confusão entre Conselho e Congresso das comunidades).
A Tarde: "Conselho das Comunidades reuniu esta manhã" (6 de abril)