agosto 25, 2010

Sobre o CCP,(1ª versão)..

Quando a Doutora Beatriz Padilha me convidou a participar numa edição especial sobre migrações, com um apontamento sobre boas práticas, acabei por me decidir pelo CCP, sua criação e desenvolvimento, num diálogo continuado entre Estado e ONG's.
Foi, nesta perspectiva uma instituição única e paradigmática - enquanto durou o diálogo, ainda que este não fosse necessariamente pacífico...
Houve várias versões, devido à necessidade de encurtar o texto.
Esta é, suponho, não a primeira, mas das primeiras


1 - O CCP é um órgão consultivo do Governo, em matéria de emigração e, mais do que isso, é também um órgão representativo dos portugueses do estrangeiro.
Este carácter de representação, que, numa fase inicial, se centrava no movimento associativo e agora tem cariz mais amplo, embora porventura mais difuso, como adiante veremos, valoriza substancialmente o significado da própria audição.
Instituído por decreto-lei em 1980, com início de actividade efectiva no 1º semestre de 1981, é o segundo mais antigo da Europa, depois do francês, o "Conséil Supérieur des Français de l' Étranger", surgido após a Grande Guerra - e que tem a particularidade de escolher os representantes da emigração ao Senado, ou seja, os "Senadores da Emigração".
É de realçar esta atribuição, porque embora nenhuma dos organismos que, em vários países da Europa, a partir da década de 80, nele encontraram uma fonte de inspiração, vá tão longe, a todos eles me parece que subjaz o propósito de os transformar em sucedâneos de Câmaras ou Assembleias de Emigrantes. Em qualquer caso, sem dúvida, mecanismos específicos para a sua representação. Em França, uma alteração recente do antigo "Conséil" dá-lhe precisamente a designação de "Assemblée".
Em Portugal, a ideia de integrar o CCP numa segunda Câmara, no contexto de um futuro Senado, ou, pelo menos, de o "constitucionalizar", de per si, isto é, de lhe dar expressa consagração no texto da Constituição (colocando a sua existência acima do livre arbítrio ou da boa vontade de Governos e de governantes), foi, e é, um projecto caro aos Conselheiros, e chegou a ser objecto de dois colóquios parlamentares, promovidos pela Sub-comissão das Comunidades Portuguesas, à qual presidi, nos anos 2003 e 2004, o último dos quais com a participação dos eminentes juristas e constitucionalistas Barbosa de Melo, Adriano Moreira e Bacelar de Gouveia.
O mais antigo "Conselho" desta natureza é o suíço, que, porém, se distingue de todos os demais por ser um puro organismo associativo privado, embora conte com fortes apoios governamentais em determinadas áreas estratégicas de actuação, caso do ensino das línguas do país ou da informação para os emigrantes. Uma fórmula de sucesso, uma parceria pragmática, baseada no interesse e no respeito mútuo, mas muito suíça, difícil de copiar ou emular ao nível outros povos migrantes e de outros Executivos...
Foi, pois, o modelo francês - instância de audição governamental, primeiramente eleita por um colégio associativo, e, a partir de 1984, por sufrágio directo e universal, que serviu de paradigma ao "Conselho" português e, mais tarde, ao italiano e ao espanhol e a outros.

O CCP tem um historial interessante, do ponto de vista em que vamos analisá-lo, que é o das vicissitudes do seu nascimento, do moldar de uma instituição nova e original, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo.
Não quer isto dizer que tenha tido vida fácil e um percurso ascensional, porque não teve - bem pelo contrário. Tem conhecido inúmeros bloqueios e longos hiatos de funcionamento efectivo, afrontamentos com o Governo ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais, anulação de actos eleitorais para os órgãos de cúpula... Em boa verdade, talvez não devamos, sequer, falar de um único "Conselho", mas de vários, ou de várias "vidas" de uma mesma instituição.
Ao longo de quase três décadas, só o nome original se mantém, ainda hoje, e, de uma perspectiva jurídica, a "continuidade na descontinuidade" de soluções, traduzida na norma que revoga, globalmente, toda a legislação anterior...
Entre 1981 e 1987, inclusive, o 1º CCP manteve um funcionamento regular, salvo a não convocatória da sua reunião mundial, em 1982, por um novo e efémero Secretário de Estado, a pretexto de uma modificação legislativa, que não chegaria a concretizar-se (atravessávamos um período de instabilidade política com governos de curta duração...).
A partir de 1988 e até 1995, ao longo de dois governos de maioria, de legislatura completa, o CCP entra no seu mais prolongado "eclipse" - uma "não existência". Desactivado, de facto, desde aquele ano de 88, é descaracterizado num diploma aprovado pela Assembleia da República, no início da década de 90, prevendo a eleição ou nomeação de membros numa multiplicidade de colégios eleitorais, de natureza associativa ou corporativa que o paralisaram, por completo. Não há nada mais eficaz para conduzir à inércia, do que um esquema impraticável, em razão da extrema complexidade...
O CCP ressurgiu, na sua terceira vida em 1996, através de um diploma, apresentado pelo Governo, que a Assembleia da República, por uma vez, desmentindo a habitual lentidão dos seus processos, recebeu e tratou, de forma exemplarmente pronta, primeiro num pequeno "grupo de trabalho", formado pelos deputados da emigração e outros deputados da Comissão de Negócios Estrangeiros, todos muito empenhados e conhecedores das realidades da emigração portuguesa, e depois em plenário através de um agendamento célere. O acordo que permitiu este resultado não se estendia, em boa verdade, a muitas das soluções encontradas - que foram, fundamentalmente, as que constavam da proposta de lei, pouco se tendo acolhido de projectos tão diversos, entre si, como os que haviam sido apresentados nos projectos de lei do PSD e do PCP. Acordo, pois, quanto à urgente necessidade de relançar um órgão de fundamental importância "democrática", que permanecia, há cerca de 10 anos, em estado de dormência profunda. Todos se mostraram, assim, dispostos a sacrificar o que era, face a este imperativo, de considerar acessório. Bom senso e boas práticas, na Assembleia da República...

Uma das mutações qualitativas do novo sistema era a eleição dos conselheiros através do sufrágio directo e universal, por todos os cidadãos inscritos nos consulados, o que tem a evidente vantagem de lhe conferir uma legitimidade alargada, mas, por outro lado, duas consequências de monta, ambas, a meu ver, negativas: o "desenraizamento" do CCP da sua matriz associativa, e a exclusão de todos os luso descendentes, que, embora estejam, dedicadamente, entre os construtores e líderes desse mundo associativo, já não tenham nacionalidade portuguesa.
A tal óbice souberam responder os italianos com um sistema misto, semelhante ao delineado no projecto de lei do PSD, que subscrevi, e previa dois colégios eleitorais: um, consagrando o sufrágio universal, para os recenseados nos cadernos eleitorais dos círculos de emigração; outro composto pelos representantes das associações voluntariamente inscritas para participar.

2 -Após traçar, desta forma abreviada, a linha de evolução do Conselho até à actualidade, retorno ao período primordial, à sua génese - à fase mais esquecida, mas, na perspectiva em que me vou situar, a mais profícua.
O Conselho começou por ser uma promessa eleitoral, um parágrafo inscrita no programa da AD (Aliança Democrática), uma coligação de dois partidos, que agregou um movimento de independentes, e se apresentou a sufrágio em 1979, vencendo e formado governo.
Havia que dar cumprimento à promessa. Secretária de Estado do pelouro, coube-me a tarefa de promover a sua execução. Nunca soube quem a tinha formulado, e ainda hoje nem sequer sei a qual dos partidos se deve...
A proposta constituía uma primeira e a mais atractiva das tarefas.
Sendo o autor desconhecido, não estávamos limitados pela sua intencionalidade subjectiva. o órgão não tinha qualquer tradição entre nós, não havia figurino estrangeiro a escolher entre muitos, para além do francês, que correspondia a um contexto migratório e a uma inserção no sistema político-constitucional radicalmente diversos.
Era, numa democracia ainda tão recente, mas já tão rica de experimentações e de experiências de intervenção política e social, a primeira tentativa de avançar para formas de participação democrática extensivas à emigração portuguesa: um forum de audição, uma instância de co-participação dos Portugueses do estrangeiro nas políticas que lhes eram dirigidas.
Uso a palavra "experimentação" de caso pensado, pois o CCP foi, desde o seu início, foi visto como um verdadeiro "laboratório", onde, em conjunto, se procuravam as melhores fórmulas para enquadrar situações ou atingir metas, para a aprendizagem de métodos, para "moldar" a própria instituição.
Não havia ideias feitas, mas a fazer, não havia uma tradição a seguir, mas a criar, não havia uma lei acabada, mas um projecto com rosto de lei, a reconstruir, naturalmente, por um caminho próprio que, como diz o Poeta, se abriria, " ao caminhar".
Falo do decreto-lei do Governo, que, em 1980, ao fim de pouco mais de dois meses, tinha instituído o CCP, e que o PR manteria na gaveta durante cinco meses, só o promulgando em Setembro desse ano, na véspera de eleições(os chamados "vetos de bolso", conflitos de época, agora já mal lembrados).
A opção fora tomada, antes do mais, para apressar o processo. Uma lei da AR dar-lhe-ia maior dignidade formal, maior impacte mediático e mais oportunidade de discussão pública, mas correndo o risco de delongas. Além disso, mais do que discuti-la com os políticos do país - quase sempre alheados das questões da emigração nacional - queríamos analisá-la e modificá-la, livremente, de acordo com a visão e o sentir dos próprios emigrantes.
Eis algumas singularidade: uma lei do governo que, "ab initio", o próprio governo aceita questionar; um organismo que se destina a iniciar um estreito relacionamento entre o Estado e a Comunidades do estrangeiro, que o Estado pretende ver moldado, também, pela vontade dos seus destinatários e não só pela sua.
Assim, de entre as secções constituídas para uma primeira reunião mundial, em Abril de 1981, uma destina-se, expressamente, à revisão do referido decreto-lei, e não por sugestão dos conselheiros, mas por iniciativa d Governo. Poderemos acrescentar que essa secção foi sempre a mais participada e a mais polémica, tendo, apesar disso, permitido alguns consensos e uma reformulação do diploma, em 1984, a consagrar, para além das reuniões mundiais, reuniões por grandes regiões do mundo (Europa, África e Oceânia, América do Norte, América do Sul), isto é, a "regionalização" do CCP.
Num primeiro momento, o movimento associativo criava os "conselhos de país", com os seus próprios regulamentos, determinando a composição, as competências. os programas de acção e, numa segunda fase, elegia os membros a que cada país tinha direito no conselho mundial.
Porquê este ênfase no associativismo? Não era apenas porque não havia, então, em direito comparado, outros modelos a considerar, mas porque se reconhecia, em Portugal, como na Suíça ou na França, que as comunidades se organizam e desenvolvem pelo associativismo, ao qual devem a própria existência, enquanto verdadeiras comunidades orgânicas, capazes de manterem viva a língua, a cultura, os modos de estar de assegurar a preservação da sua identidade. Aliás, sem prejuízo de promover a integração dos seus membros na sociedade de acolhimento. Parceiros ideais e insubstituíveis do governo de ambos os países - o de origem e o de destino.
No caso português, organizações que, efectivamente, ao longo de séculos, se substituíram ao papel e aos deveres de Governos sem políticas culturais ou sociais de apoio à emigração e às comunidades que esta foi gerando. De facto, até tempos recentes, o Governo não ía além do acompanhamento das viagens de saída, na emigração legal, de uma protecção consular limitada a aspectos burocráticos e, em situações dramáticas, a repatriamentos.
A propensão associativa dos portugueses no estrangeiro é extraordinária, tal como a dimensão da sua obra. E tudo conseguido sem contributos do Estado, a ponto de podermos afirmar, sem margem para dúvida, que nem uma só dessas grandes obras existiria se tivesse dependido do Estado. As comunidades são 100% sociedade civil - razão de sobra para que o Estado, numa relação de cooperação, se guarde de qualquer tentação de interferência, respeitando os projectos próprios dessas entidades e das comunidades como um todo. Foi esta a filosofia que presidiu ao diálogo e cooperação, "entre iguais", encetados no CCP.
Olhando o associativismo português no mundo, comparando-o com o de outros povos migrantes da Europa - italianos, polacos, franceses, alemães, suíços, belgas... - não ficamos a perder para nenhum, salvo num aspecto: o da "internacionalização" ou federalização do movimento, fora das fronteiras de um determinado país, e, muitas vezes, até fora do perímetro de uma cidade ou região. Porquê? Não tenho uma boa explicação para o fenómeno, por demais evidente em 1980, e que perdura, apesar do aumento do número e importância de organismos federativos, uniões ou alianças de clubes e centros comunitários, em alguns países.
A única tentativa de instituir uma "União" de âmbito mundial aconteceu nos anos 60 e foi um projecto accionado a partir de Lisboa, pela Sociedade de Geografia, então presidida pelo Prof. Adriano Moreira.
O legislador do CCP, deixava claro que não pretendendo impor directrizes ao movimento associativo, lhe oferecia este organismo como "plataforma de encontro" - que até então faltava, aos líderes associativos do inteiro "mundo português" para conhecimento mútuo, troca de experiências, e concertação formas de trabalho conjunto. Entre si e com o Estado, também.
Uma prova mais da prevalência da vontade dos membros eleitos (havia, como mais tarde aconteceria nos conselhos espanhol ou italiano, ainda, membros "por inerência" - o Secretário de Estado, que presidia, representantes das Regiões Autónomas e do Parlamento. e membros nomeados por sindicatos e entidades patronais e peritos nomeados pelo governo, que tinham direito a intervir, mas não votavam as recomendações) foi o "desvio" das prioridades do CCP. Idealizado, essencialmente, para a defesa de valores culturais, nas comunidades antigas, veio a orientar-se para questões sociais mais características de núcleos de migrações recentes. O mesmo se diga de uma certa "politização" do Conselho, mais notória na Europa do que nos outros continentes, que, não sendo estranhável, até por não haver outra instância, onde pudessem marcar posições, acabou por dividir os próprios conselheiros (a minoria "europeia" e todos os outros, ideologicamente mais próximos dos governantes) e por construir uma imagem mediática, globalmente injusta, deste órgão, como um fórum "contestatário" e turbulento. Imagem, a meu ver, determinante, para a sua extinção, de facto, a partir de 1988.
O CCP associativo não voltaria a ressurgir, perdendo-se com ele. a vertente de colaboração institucional entre o Governo e as "Comunidades Portuguesas" (as comunidades em sentido sociológico) e, igualmente, a força e autonomia do Conselho, na medida em que essa força e autonomia lhe vinha de ONG´s que e não dependem dele, nem dos meios dados à instituição. Um Conselho eleito pelos cidadãos espalhados pelo universo é, obviamente, mais vulnerável a um simples corte do seu orçamento de funcionamento - como, ao longo de anos recentes, se tem visto, de vez em quando. E, tendo embora funções consultivas, pode ser muito pouco consultado, como também se tem visto.
Pelo contrário, o primeiro CCP, quando o Governo Português, quis silencia-lo antes de o extinguir, manteve-se, em plena actividade, onde quer que estivesse a desempenhar o papel federador, que a lei lhe conferia, por exemplo, em contextos tão diversos como os da França, do Brasil, da Argentina...
Da sua existência histórica, enquanto órgão consultivo, ficam muitas lições que deixou sobre as formas possíveis de viver uma ideia, ou uma lei - e a vivência, pela vontade das pessoas é o mais importante, porque é com elas que se ganha, se transforma, ou se perde um projecto.
A igualdade de tratamento entre os portugueses residentes no país e no estrangeiro passa por direitos políticos, culturais e sociais, reconhecidos a nível individual, mas passa, também, pela igualdade de tratamento das organizações em que prosseguem os seus fins colectivos - sobretudo os de entreajuda e solidariedade e os de preservação das suas tradições e da sua língua.
Ao CCP, a SECP apresentava, anualmente, muito antes que isso se tivesse tornado prática, o seu programa de actividades, o "programa cultural", decalcado ou inspirado nos programas das associações e suas propostas de apoio e colaboração, assim como o orçamento de suporte dessas acções. Por outro lado, o secretário do CCP, que era um alto funcionário do MNE, apresentava um relatório sobre as anteriores recomendações do Conselho, com a justificação das razões de atrasos ou impossibilidade de cumprimento. Em 1987, foi criada uma Comissão Interministerial, que tinha, entre as suas competências a de preparar a reunião anual do CCP, com resposta de cada departamento às recomendações recebidas ou das consultas a formular. E em preparação estava, para consulta, a criação, na órbita do CCP, de várias Conferências especializadas (Ensino, Assuntos Económicos, Juventude, Participação Cívica das Mulheres)...
Esquemas que, com a queda desse governo, minoritário, e a sua substituição por outro, do mesmo Primeiro -Ministro, com uma confortável maioria, se perderiam todos, inesperadamente, como o próprio CCP.

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