maio 01, 2020

TODOS MASCARADOS
1-  O Presidente da Assembleia da República, para além de algumas declarações 
"politicamente incorretas" (em prejuízo das comemorações
 do 25 de abril, que deveriam ter sido consensuais), foi mais longe ainda no campo do
 "cientificamente incorreto", com a sua indignada rejeição do uso de máscaras. Tal como Graça Freitas, ainda não percebeu que o sucesso do "desconfinamento" em segurança, ou com mais segurança, vai depender da insubstituível arma defensiva que é a máscara, cujo uso deverá ser obrigatório no espaço público,  e aconselhado, igualmente, nas visitas a familiares e amigos. Eu fá-lo-ei,
 voluntariamente, consciente de que, com uma simples máscara  protejo os outros. Deles
 espero reciprocidade.  
Sobre a COVID 19, crescem dúvidas e pavores, e as nossas raras certezas remontam, por
 sinal, aos primórdios da pandemia. A primeira é  de que se trata de um vírus altamente 
contagioso, e, na esmagadora maioria de casos, escondido, como camaleão, numa 
ausência de sintomas ou na mansidão de sintomas ligeiros e enganadores.Outra certeza é
 a de que a taxa de contágio desce, substancialmente,  com o uso  de máscaras. A 
invisibilidade do vírus tem de se atacar, usando-as, realizando rastreios maciços, isolando
 os positivos, que os testes  detetam. Não basta adesinfeção das mãos e o afastamento 
dos nossos semelhantes (um metro ou dois, ou mais -  aí já se penetra no terreno
 da incerteza). Por vezes, temos de nos aproximar dos outros, ao menos para  pagar uma 
compra, ou quando nos cruzamos num passeio estreito, e não é o ato de lavar as mãos,
 que nos livra (ou livra os nossos interlocutores) das gotículas potencialmente infeciosas de
 um súbito espirro ou tossidela... A experiência dos países que sempre praticaram o
 confinamento seletivo ou melhor concretizaram o "desconfinamento" global está aí, em
 diversos continentes, para o provar. Negando as evidências, Graça Freitas caiu em 
descrédito, qualquer que tenha sido a  razão da sua luta longa e quixotesca contra as
 máscaras (mera tentativa de encobrir impreparação, e falta de equipamento protetor
 nos hospitais?). O Primeiro-ministro tem dado mostras de estar ciente de que não pode 
avançar para o "desconfinamento", sem, previamente, assegurar a abundância, no 
mercado, de material protetor. Enquanto aguardamos a sua decisão, aqui deixo um apelo:
 na rua, todos mascarados!

2 - Ao "estado de emergência", deve suceder o "estado de calamidade". Muda o nome, 
fica praticamente intacto o poder discricionário do executivo, apenas balizado, teoricamente
, pela Constituição. Ao que consta, finda esta inédita ordália do emparedamento, seguir-se-
á uma abertura gradual, privilegiando setores de atividade, e, eventualmente, 
grupos etários, cidades, regiões - segundo o critério do Governo.
 Para já, o debate público tem-se centrado, sobretudo, na necessidade de isolamento, até 
que seja operacionalizada uma vacina  (lá para  2001 ou 2022...) não de todos os "grupos
 de risco", mas apenas dos maiores de 70 anos, muitos deles gozando de boa saúde, 
como o Presidente Marcelo. Está encontrada uma nova "peste grisalha"! Esquecidos 
andam, no debate, os diversos grupos de comprovado risco -  diabéticos, (mais de um 
milhão) , cancerosos,  doentes renais, pulmonares, cardíacos…( que deverão tomar, eles 
próprios, tal como os seniores, as devidas cautelas).
No anos da troika e do governo de Passos Coelho, em cujo partido surgiu a designação de
 "peste grisalha", estava, supostamente, em causa a sustentabilidade do sistema de 
pensões. E, por isso, sobre os reformados foi lançado um aberrante imposto etário, 
denominado "contribuição extraordinária de solidariedade". Era inconstitucional, mas foi 
validado pelo TC, com alguns honrosos votos contra. Agora, para garantir a 
sustentabilidade do sistema de saúde, (debilitado por cortes insensatos), emerge a 
 tentação de sacrificar os mesmos, os mais velhos, que, nos termos da declaração do 
estado de emergência, se viram sujeitos, tal como os cidadão de outros grupos de risco, a 
um "dever especial de confinamento". No futuro, se o governo mantiver esse dever de
 confinamento, estará, de facto, a condená-los a prisão domiciliária, atentando contra 
Liberdades e Direitos Fundamentais. Manuel Alegre, de imediato, levantou a voz para 
protestar. Não há limite de idade para defender a Liberdade!
3 - Traçar a fronteira etária do declínio físico e mental é coisa impossível. Não existe 
categoria mais heterogénea. É inegável que muitos  idosos sofrem de patologias graves, 
e, é por isso e não pela idade cronológica, que estarão em situações de risco, altamente
 agravado no caso dos residentes em lares, legais ou clandestinos. Deles ninguém cuidou
 atempadamente! Aqui, como na Europa, de norte a sul, constituíram grosso das fatalidades da COVID 19. Bom será que os nossos políticos atentem na vergonhosa realidade de tais estatísticas.
 E que encontrem, também, explicação para o facto do enorme acréscimo de mortes 
(mais 3000) ocorridas no país, nestes dois últimos meses, em comparação com o mesmo 
período do ano passado, e atribuídas a outras causas, que não a pandemia. Talvez o medo
 de recorrer a um hospital, o medo de sair de casa...  Medo, solidão, desesperança 
vitimaram mais velhos do que o corona vírus! É a hora de ouvir uma voz que se levantou 
acima do ruído das banalidades, a do Cardeal Tolentino Mendonça: "Que os velhos se 
tenham tornado uma abandonada periferia - e os condicionamentos da pandemia podem 
ainda dramaticamente acentuá-la - diz muito da crise interior que mina o nosso tempo".

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