agosto 13, 2018
THE GREAT AMERICAN DISASTER
Do 9-11 ao 11-9
1 - Cheguei a NY na segunda daquelas datas fatídicas: o "day after " da eleição presidencial americana. A viagem pareceu interminável, porque ao tempo real se somou o tempo psicológico, de quem ia chegar à América, já não para partilhar a festa da vitória, mas como quem vai a um funeral... de tudo o que admira na terra da liberdade, de todos os valores e causas em que acredita. Nessa noite, nas maiores cidades do país, o povo, que, com o seu voto, elegeu Presidente Hillary Clinton, saiu à rua, em pacíficas marchas de protesto. Foram as primeiras e não serão as últimas. Hopefully...Temos de esperar que o povo americano saiba defender-se da prepotência racista, xenófoba e misógina que Trump encarna, e, com resistência pacífica, defender o mundo de uma eminente regressão civilizacional.
O "nine-eleven" foi uma data trágica que mudou, para sempre o tempo e o espaço de paz em que viviam as democracias, desde a derrota das potências do "Eixo", do nazismo e do fascismo, na segunda metade do século XX . Um outro presidente republicano, JW Bush, lançou a guerra (do Iraque), destruiu equilíbrio de forças no Médio Oriente e criou o "habitat" ao desenvolvimento da Al_Qaeda e de todos os terrorismos aparentados. O erro de Bush não tem fim à vista.
Contudo, ao comparar Trump a Bush, a conclusão é assustadora, porque, apesar de toda a sua incompetência e estupidez , este ainda se situa no campo da democracia, na sua faixa mais conservadora e belicista, contudo ainda dentro dos princípios e das normas mínimas de relacionamento entre pessoas, raças, sexos e religiões, entre nações e povos.
Tal como Trump face a Hillary, ele perdera no voto popular para o democrata Al Gore, e fora entronizado por um sistema anacrónico de voto colegial - tão anacrónico quanto o direito individual de porte de armas, que, há duzentos anos, correspondia a uma necessidade de auto-preservação nas pradarias ou nos "saloons" do Far - west" e hoje serve, sobretudo, a violência dos fanáticos e o instinto assassino dos psicopatas.
Na verdade, o sistema eleitoral vigente na América favorece Estados menos populosos, por coincidência, mais WASP, (brancos, anglo-saxónicos e protestantes). mais envelhecidos e mais conservadores, que estão sobre - representados, e cada vez mais. Um outro fator de distorção da vontade popular, é a regra que dá ao vencedor de um Estado, mesmo tangencial, todos os delegados que o representam, sejam eles muito ou poucos, assim inutilizando o voto de todos quantos, nessa circunscrição, sufragaram o outro candidato De há muito se multiplicam as críticas a tais aberrações eleitorais, assim como ao uso generalizado de armas de fogo, sem que tenha sido possível a sua erradicação.
2 - Hillary Rodham Clinton, a brilhante Senadora de NY, a competentíssima e prestigiada antiga Ministra dos Negócios Estrangeiros, ganhou a eleição por sufrágio direto e universal, como acontecera com Al Gore o antigo Vice.presidente de Bill Clinton, Seria, em qualquer Estado, que respeite o voto expresso do Povo - de Portugal à África do Sul, do Brasil à França... - a Presidente do seu país. Fica com ela, como clamam muitos democratas, essa inegável legitimidade! Resta ao oponente a "legitimidade de sistema", ironia do destino para quem se apresentava como a candidato anti-sistema.. E sobra-lhe poder...
Num e noutro caso, há 16 anos como agora, os EUA perderam estadistas de grande estatura, com um ímpar conhecimento de política internacional e nacional, e viram, em seu lugar, homens sem qualidade, que, à frente da única super-potência mundial, são tremendamente perigosos para a humanidade inteira,
3 - Depois de uma estadia esplêndida, ainda que breve em Toronto, regressei, no domingo, pessimista, mas inconformada quanto a perspetivas de futuro, tendo o Globe and Mail e o NY Times como companheiros de viagem. Nos seus textos, encontrei, invariavelmente, uma leitura do acontecido na madrugada do "elevan nine" próxima da minha.:Horrorizada", como Paul Krugman ( "Thoughts for the horrified"), dececionada como John Irving (The "great beast" has spoken), resistente como Timothy Egan ("Resistance is not Futile).
Em Portugal, constatei, sem surpresa, aliás, que (quase) todos se mostram menos preocupados com a figura de Trump do que com Marine le Pen, sua aliada em versão “soft” e dão mostras de querer “branquear” a sua imagem Pouco lhes importa a nomeação dos Bannon e dos Flyn para a "entourage" presidencial, ou o regozijo de Assad, de Mugabe ou Marine, que o consideram "aliado natural". Tal como Putin...
A história recente da Europa e do mundo mostra o perigo de subvalorizar ditadores em potência. Não relativizemos os movimentos nacionalistas e xenófobos que alastram por todo o lado, até nos países mais improváveis, com o Brexit do Reino Unido, e a Dinamarca a confiscar os bens dos refugiados à maneira hitleriana. Não sejamos a maioria democrática silenciosa. Maioria, sim! A começar na América, menos dividida ao meio do que se julga, porque o projeto humanista e generoso de Hillary ganhou o sufrágio popular, e, do outro lado, muitos votaram por fatores mais benignos do que o ódio.
A “Alternative Right” /Tea Party , de Trump, Pence, Bannon ou Flyn, embora no poder, é largamente minoritária Os democratas já vieram para a rua, em inúmeras manifestações cívicas, um elenco de negros, num palco da Broadway, já teve a coragem de exortar o futuro Vice.Presidente Pence - vaiado pelo público - a respeitar os direitos das minorias, um significativo número de clubes da NBA, já recusou alojar-se nos hotéis Trump, o “Mayor” de Nova York já fez desaparecer do alcance persecutório da administração Trump os registos de trabalhadores indocumentados.
A democracia na América vai sobreviver na multiplicação destes gestos cívicos, Estamos todos convocados a lutar, assim, pela liberdade, igualdade e fraternidade no século XXI.
MULHERES EM MOVIMENTO - COLÓQUIO PORTO 2013
ORGANIZAÇÃO PROF DOUTORA ISABELLE OLIVEIRA, Janeiro 2013 - Fundação Engº António de Almeida
INTERVENÇÃO de MARIA MANUELA AGUIAR (AMM)
Feminism is the radical notion that women are people
1 - UMA FAMÍLIA ESTIMULANTE
Sou feminista desde que me lembro de ter opiniões sobre o assunto...
Comecei cedo, com 5 ou 6 anos, e para isso muito contribuiram as Avós,
especialmente a Avó materna Maria (Aguiar), uma verdadeira matriarca,
que ficou viúva, com 7 filhos, aos 36 anos e se tornou líder não só na
sua casa, como na sua terra. Pertencia à Obra das Mães, às
organizações da paróquia, às associações culturais. Era uma senhora
muito bonita, muito inteligente e muito conservadora. Em nome das boas
maneiras e do recato feminino, que tanto prezava, apesar da sua
respeitável proeminência, dizia-me, vezes sem conta, "as meninas não
fazem isso" - "isso" sendo por exemplo, subir às árvores, saltar dos
eléctricos em andamento ou jogar futebol com os primos... Eu sabia que
gozava do estatuto de neta favorita e gostava imenso da Avó, mas não
seguia esses seus conselhos.
O plural: "as meninas", levava-me a reagir. Achava que devia mostrar
que as "meninas" eram tão capazes como os rapazes de "fazer isso" e
partia para o demonstrar no dia a dia. Era, pois, uma feminista
praticante, com uma emergente consciência da existência das questões
de género ...
Curiosamente, os homens, Pai e Avó Manuel, eram fãs das minhas proezas
desportivas, tanto como das escolares. Sempre me incentivaram a
estudar e preparar o futuro profissional. Nunca o
paradigma da "dona de casa" esteve nos meus horizontes, ou nos seus.
Pelo contrário: punham em mim, a meu ver, excessivas expectativas....
E assim, graças a eles,o meu feminismo esteve "ab initio" na linha de
pensamento de uma Ana de Castro Osório, mesmo que, nesse tempo, não
conhecesse sequer o seu nome (como aquele personagem que fazia prosa
sem saber...). Os homens foram, de facto, aliados - muitos, incluindo
numerosos tios e primos, e, mais tarde, os meus professores da
Faculdade de Direito de Coimbra.
Tive uma infância divertida e feliz, numa família unida e convivial,
apesar de politicamente dividida. Uma tradição que vinha de trás -
houve, sucessivamente, regeneradores e progressistas, monárquicos e
republicanos, salazaristas e democratas, germanófilos e anglófilos
(como eram os meus Pais). A política estava bem presente, em acesas
discussões sem fim, mas nunca ninguém se zangava. Consideravam os
outros "gente de bem", por mais extremadas que fossem as suas
opiniões. Tendo a atribuir mais a essa experiência vivida do que à
idiossincrasia a ausência de preconceitos partidários em relação a
quem não pensa.como eu. E, possivelmente, também o gosto pela
argumentação, pela entusiástica defesa de pontos de vista, uma
sensibilidade a formas de injustiça como as assimetrias regionais, o
despertar para um saudável regionalismo nortenho, a par da paixão pelo
Porto (e pelo FCP)...
Outra forum de "convívio e debate" determinante foi a escola - dois
anos na pública, sete anos de Colégio do Sardão (um internato de
religiosas Doroteias), dois anos de Liceu. Costumo comparar o colégio
a um quartel elegante, onde prestei uma espécie de "serviço militar
obrigatório". Não foi, de facto, uma opção voluntária, mas, com a
excelência do ensino e, sobretudo, das estruturas desportivas,
ginásio, campos de jogos, parques e largos espaços de recreio, posso
dizer que lá passei muitos bons momentos. Organizava competições
desportivas (incluindo futebol clandestino), dirigia peças de teatro,
escrevia crónicas e romances que partilhava com as colegas, dava
largas à imaginação e à energia. Uma dessas crónicas, que pretendia
fazer humor à custa da instituição, suas regra e poderes constituidos
foi apreendida, e quase provocou uma expulsão mesmo nas vésperas do
exame do antigo 5º ano. Não seria a primeira da família a passar por
isso, mas escapei, suponho que com a interferência do capelão e de
algumas das Madres, que me compreendiam e me achavam graça... Mas eu
quis mudar para o Liceu Rainha Santa Isabel, no Porto, contra a
vontade do Pai, que me vaticinava toda a espécie de retrocessos
escolares, que tinham desabado sobre ele, quando depois de 10 anos de
Colégio dos Carvalhos se viu "à solta" no Liceu Rodrigues de Freitas.
A história não se repetiu, pelo contrário. Bati todos os recordes
pessoais no exame de 7º ano e ganhei, pelo bem-amado Liceu, o prémio
nacional.
De qualquer modo, foi no Sardão que vivi a minha primeira batalha
política - ou político-sindical. E um "enclausuramento" que me fazia
apreciar mais os fins de semana e as férias de verão em Espinho, como
espaço e tempo de liberdade...
Frequentava com o Pai o estádio das Antas, com os Pais e o Avô os
cinemas e teatros e, também, os cafés do Porto, coisa invulgar na
época para o sexo feminino, de qualquer idade...
COIMBRA ANOS 60
Em Coimbra, era também à mesa dos café que estudava, que convivia e
bradava contra as discriminações em que continuava fértil a sociedade
portuguesa de 60. ..
No Tropical, no Mandarim, no bar da Faculdade de Letras ou de Farmácia
encontrava-me com colegas, com assistentes, pouco mais velhos do que
eu, embora bastante mais sábios, como era o caso do Doutor Mota Pinto,
que viria a ser o responsável pelo meu tirocínio na política.
Eu falava abertamente, contestava leis e costumes. A leitura do Código
de Seabra era um pesadelo - a "capitis diminutio" da mulher casada,
que era a expressão latina para a escravidão feminina subsistente
2.000 anos depois, só podia alimentar sentimentos de revolta, a
revigorar um feminismo que, por oposição à situação portuguesa, ia
ganhando base doutrinal na social-democracia sueca.
O tema da igualdade de sexos não estava na agenda política de 60 - e
ainda hoje não está suficientemente...
Em todo o caso, na altura soava mais a radicalismo e excentricidade.
Esperava tudo menos que, anos e anos mais tarde, essa faceta pudesse
pesar, como creio que pesou, numa mudança de rumo, que pôs fim a
escolhas profissionais assentes (assistente de um Centro de Estudos
Sociais, assessora do Provedor de Justiça).
Sempre sonhei com uma carreira jurídica. A magistratura estava-me
vedada por ser mulher Queria ser advogada, uma espécie de Perry Mason
portuguesa. Era no terreno jurídico que queria competir, não no da
política. Direito era, então, um curso de perfil masculino, com um
corpo docente sem uma única mulher e com mais de 80% de alunos homens.
No meu livro de curso, conto 63 homens e 12 mulheres. Entre elas há
excelentes advogadas e juristas, mas, das 12, na política só eu, e
acidentalmente... Dos 63, foram muitos os que, no pós 25 de Abril, se
distinguiram em Governos da República - Daniel Proença de Carvalho,
Laborinho Lúcio, António Campos, Luís Fontoura, João Padrão... Ou que
são vozes autorizadas no domínio em que se cruza o Direito com a
Política, como Gomes Canotilho ou Manuel Porto, ou com as Letras, como
Mário Claudio ou José Carlos Vasconcelos...
Ao fim de 5 anos felizes, eu trazia de Coimbra apenas um pequeno
trauma: na única eleição a que concorri, pelo Conselho de Repúblicas,
para uma qualquer comissão, cujo nome nem recordo - só sei que dava
acesso à direcção da Associação Académica - perdi num colégio
eleitoral que era 100% feminino. Coisa natural, porque a maioria das
meninas era conservadora, mas eu assumi pessoalmente a derrota e
covenci-me de que não estava mesmo nada vocacionada para tais
andanças...
3 - A FORÇA DO IMPREVISTO
Na história dos antecedentes da minha relutante ocupação de cargos
políticos, estava já a força do imprevisto: primeiro uma proposta para
assistente de sociologia na Universidade Católica que veio da parte de
um professor que não conhecia, o Doutor Àlvaro Melo e Sousa ( um amigo
comum indicou-lhe o meu nome, na altura em que acabava de regressar de
Pari, com uns certificados na matéria). Foi preciso ele insistir, mas
acabei por dizer o sim - e não me arrependi. Esse facto tornou mais
fácil aceitar um segundo desafio lançado pelo Professor Eduardo
Correia, para a recém.criada Faculdade de Economia em Coimbra da qual
ele era o director. Confesso que nem sabia da abertura efectiva dessa
Faculdade... Foi um encontro acidental, num colóquio. Quando me viu
achou boa ideia associar-me ao empreendimento. Não houve hesitação da
minha parte. Que bom voltar a Coimbra! Tomei posse na véspera do 25 de
Abril de 1974. Na semana seguinte, Eduardo Correia era Ministro da
Educação do 1ª Governo Provisório e, pouco depois, um novo encontro
com outro dos grandes juristas do nosso século XX, o Professor, Ferrar
Correia, em pleno pátio da universidade, à sombra da torre, levou-me
para a minha própria Faculdade. Ao saber que estava ali ao lado, na
Economia, convidou-me, de imediato, a transitar para Direito e eu
aceitei tão depressa, que ele até julgou que eu julgava que ele
estava a brincar. Não era o caso, era mesmo questão de feitio. Decido
assim muitas vezes no que exclusivamente me respeita. E ali e então
não havia que pensar duas vezes!...
Guardo boas memórias de todas as passagens pelas funções docentes, na Universidade
Católica, na Universidade Aberta, (num curso de mestrado cheio de jovens "promessas"),
mas aquela tinha um significado muito especial - o convite chegava com
atraso, mas chegava... Quando acabei o curso, em 1965, as mulheres
estavam barradas do ofício - tinha havido uma, não existia impedimento
legal, mas a prática era essa. Entretanto mudara, mas não me lembro
de nenhuma colega - só homens e, quase todos, óptimos colegas, como o
Fernado Nogueira ou o Cordeiro Tavares. Dez anos mais novos do que eu,
o que me ajudou a rejuvenescer. Fui assistente de dois grandes
juristas, o Doutor Rui Alarcão e o Doutor Mota Pinto.
Os tempos agitados são-me geralmente favoráveis - como estudante
dei-me bem em Paris, no pós Maio de 68, e o mesmo posso dizer de
Coimbra, no pós 25 de Abril. Há coisas que seriam impensáveis fora de
períodos revolucionários, e que fiz, sem oposição de ninguém, como dar
aulas "extra muros", aos voluntários do Porto ou aulas práticas, a
turmas naturalmente pequenas, no bar de Farmácia, ao ar livre, em dias
de sol. Saíamos, em cortejo, dos "Gerais", já a falar das matérias,
como os peripatéticos. Esclarecia dúvidas, exactamente como se
estivessemos numa daquelas escuras e frias salas de aulas. E, depois,
analisávamos o PREC. Os rapazes (ainda em maioria) eram quase todos de
outros quadrantes ideológicos, mas isso não obstava ao ambiente de
tertúlia. Em 1975/76 dei aulas teóricas de Introdução ao Estudo de
Direito a salas cheias de "caloiros" simpáticos. Um dever e um
prazer.
E refiro tudo isto, porque julgo que foi esta segunda estada em
Coimbra que me abriu as portas da política. Antes de mais, porque
reatei, naquele preciso momento da nossa História, o relacionamento
próximo com amigos que estavam no centro da fundação de partidos (em
particular do PPD) e da criação de um regime democrático, E, por
outro lado, porque descobri que era capaz de comunicar em público -
eu, que me considerava fadada apenas para trabalho de gabinete.
Anos mais tarde, ao fazer um levantamento do perfil profissional das
mulheres mais activas do PSD, descobri que, sobretudo a nível local,
havia um grande número de professoras. A meu ver, não era
coincidência, mas a consequência de uma maior auto-confiança do que a
que se consegue em outras funções... No meu caso, não tenho dúvida de
que me transformou o suficiente para admitir a hipótese de enveredar
pela exposição nos palcos da política. Que não para a planear... Na
verdade, o convite que o Primeiro Ministro Mota Pinto me dirigiu para
a Secretaria de Estado do Trabalho, uma daquelas que eram vistas como
coutada masculina, foi um absoluto imprevisto. E o Doutor Mota Pinto
usou o argumento decisivo: "se recusar, não haverá mulheres no meu
Governo". Depois da mera combatividade verbal, era a hora de agir....
Estávamos em fins de 1978. A ousadia da minha designação valeu ao
Professor Mota Pinto um rasgado elogio de Marcelo Rebelo de Sousa num
editorial do Expresso, que ainda guardo na pasta de recortes e na
memória.
Sendo defensora do sistema de quotas, assumi-me como a "quota mínima"
daquele Executivo, que veio a integrar outra Secretária de Estado na
área mais tradicionalmente feminina da Educação...
Sabíamos que a missão era de curto prazo - um governo de independentes
de nomeação presidencial, que não cedia nem a pressões de rua nem a
influência de máquinas partidárias, algumas já então poderosas. Na
minha opinião, foi um governo que se impôs, ganhou credibilidade e,
por isso, durou ainda menos do que o esperado... Os partidos trataram
de se entender para o derrubar. Foram 9 meses intensos e formidáveis,
findos os quais voltei para a Provedoria de Justiça, que, com o Dr
José Magalhães Godinho como Provedor, era o melhor lugar de trabalho à
face da terral. Para mim, o Dr Godinho representava um conjunto de
legendários tios republicanos, com quem nunca tive as conversas que
pude ter com ele. Era família - não aquela em que se nasce, mas a que
se faz tão raras vezes na vida.
Até que novo imprevisto sobreveio: em janeiro de 1980, logo depois da
posse do VI Governo Constitucional, um telefone do Primeiro Ministro
Sá Carneiro, que não conhecia pessoalmente, mas com quem me
identificada, porque, como afirmou numa entrevista a Jaime Gama, e
era "social-democrata à sueca".( É por isso que, sem ter filiação
partidária antes de 80, me considerava PPD "avant la lettre", ou seja,
Sácarneirista desde 1969).
Pelo telefone, Sá Carneiro, foi sintético e breve a marcar um encontro
para as 5.00 horas da tarde - audiência para o qual eu parti inquieta,
mal penteada e mal vestida, como andava normalmente. E se ele fosse
pessoa distante e pouco simpática? Se com isso arrefecesse a minha
"condição de incondicional" de tudo o que dizia e fazia? Grande
preocupação... Quanto ao que me esperava, isso já não era assim tão
misterioso, porque os jornais falavam do meu nome para várias pastas.
Sá Carneiro recebeu-me à hora exacta - não cheguei a sentar-me na sala
de espera. Com um sorriso luminoso, que começava no seu olhar claro!
Assim sempre o recordo, em todos os encontros que se seguiram. Quando
a ele me dirigi pelo seu título de chefe do Governo, atalhou: "Não me
chame Primeiro Ministro". Ao que eu respondi: "Desculpe, mas é como o
vou chamar, porque me dá imensa satisfação que seja Primeiro-
Ministro,e esperei anos para o poder tratar assim".
Mas, tratamento cerimonioso àparte, a conversa tomou o rumo de uma
alegre informalidade.
Dei respostas um pouco insólitas, no tom que tantas vezes usei com
outros políticos de quem era amiga de longa data. Sá Carneiro fez-me
sempre sentir absolutamente à vontade. Parece que havia quem ficasse
inibido na sua presença. Eu, pelo visto, ficava eufórica.
O Doutor Sá Carneiro, ele próprio, era, assim, uma esplêndida
surpresa. A outra surpresa veio do pelouro que me propôs: a
emigração, num Ministério onde nunca tinha entrado, o de Negócios
Estrangeiros.
No governo da AD, em 1980, havia apenas três Secretárias de Estado,
uma de cada um dos partidos, a Margarida Borges de Carvalho pelo PPM,
a Teresa Costa Macedo pelo CDS e eu pelo PSD (num impulso, filiei-me
nessa altura). Ainda a "quota mínima", tripartida...
A emigração, ou melhor dizendo, a Diáspora Portuguesa,( porque falo da
que tem uma estrutura orgânica, uma vida própria, colectiva, imersa na
nossa cultura e um futuro que talha com a preservação da herança
cultural) foi uma esplêndida descoberta - andava de comunidade
distante em comunidade distante, sempre e reencontrar-me em Portugal -
um fenómeno por mim insuspeitado de extra-territorialidade da nação.
Um mundo associativo espantoso, embora um mundo de homens. Eu era a
primeira mulher que junto deles aparecia, como face do governo da
Pátria.Se tinha dúvida quanto à reacção que provocaria, logo os
receios se desvaneceram - receberam-me sempre com alegria, com
simpatia. Não fiz unanimidade, é claro, mas os afrontamentos que houve
foram sempre devidos a questões políticas, não a questões de género.
Trataram-me tão bem, que me deram o que mais me faltava: um superávide
de confiança. Mesmo nas hostes ideologicamente adversárias encontrei
quase sempre boa vontade para trabalho conjunto, até no, por vezes,
agitado Conselho das Comunidades, que me coube organizar e presidir,
desde1981 (era então um forum associativo, de perfil masculino,
politicamente dividido entre uma Europa mais contestatária e uma
Diáspora transoceânica mais próxima das posições do governo´).
Na verdade, acredito que ser mulher tornou bem mais fácil a minha
missão. Logo em 82, quem me fez ver isso, de uma forma bem divertida,
foi um jornalista de S Diego, o Paulo Goulart. No fim de uma
entrevista, ao almoço, disse-me: "Sabe, aqui só há dois políticos de
quem gostámos: é de si e do João Lima". ( João Lima, antigo Secretário
de Estado da Emigração era, então, deputado pelo PS). Fez uma pausa,
como quem avalia e compara os seus dois eleitos e acrescentou:
"Pensando bem, o João Lima até tem mais valor, porque é homem e
socialista".
Achei muita graça à sua franqueza. Na América ser socialista, de
facto, assusta e não dá votos... E também é verdade que, em certas
situações, mesmo na vida política ,mesmo em ambientes dominados pelo
poder masculino, é uma vantagem ser Mulher... Porque é a "exótica"
excepção? Porque há no fundo, um reconhecimento de que as mulheres
fazem falta? Muitas hipóteses, para uma só certeza: no meu caso, senti
simpatia, adesão e apoio desde o 1º momento, de um sem número de
homens influentes e de algumas raras mulheres, que já se faziam ouvir.
Quando deixei o governo, depois de cinco sucessivas experiências -
sendo a última aquela em que os Secretrários de Estado passaram a ser
considerdos "adjuntos de ministro"... - o imprevisto estava, de novo,
à minha espera na AR, onde tinha o meu lugar pelo círculo do Porto.
Um convite para ser candidata à 1ª Vice-Presidência da Assembleia.
Aceitei, como aconteceu anteriormente, não muito segura de me sair
bem na responsabilidade da representação feminina... Fui, assim, a 1ª
Mulher a presidir às sessões plenárias do parlamento, à Conferência de
líderes, a Delegações parlamentares - ao Japão, para começar...
Após 4 anos nesse cargo que, enquanto não assumido por uma mulher,
tinha sido sempre mais discreto, apesar da sua importância protocolar
(2ª figura na linha da sucessão do Presidente da República, "en cas de
malheur"...) sucedeu-me Leonor Beleza. Mas o País teria ainda de
esperar um quarto de século por uma Presidente da AR, escolhida pelo
mesmo partido, que é contra as quotas mas aposta na alternativa do
pioneirismo na abertura de oportunidades ao que eu chamo "mulheres de
excepçã"o...
Só em 1991, me propus, eu própria, como voluntária, para um lugar
que verdadeiramente queria: representante da AR na APCE (Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa). Aí, me mantive até abandonar o
Parlamento nacional em 2005. Fui bem mais feliz e bem sucedida fora do
que dentro de fronteiras (tanto na emigração como nas organizações
internacionais, a APCE. e a AUEO...). Aí havia menos jogos políticos
de bastidores, não se sabia o que era disciplina partidária, era larga
a margem de iniciativa pessoal, para intervir, para propor
recomendações... Presidi à Comissão das Migrações à Subcomissão da
Igualdade e a outras, fui relatora em inúmeras propostas. Defendi a
dupla nacinalidade, o estatuto dos expatriados, a não expulsão de
imigrantes, o reagrupamento familiar, insurgi-me contra a guerra do
Iraque, denunciei a discriminação de género no desporto... Acabei a
presidir, entre 2002 e 2005, à própria delegação Portuguesa à APCE e
á Assembleia da UEO.
Um outro inesperado e insistente convite me levou, depois, à vereação
da Câmara da cidade onde vivo, Espinho... Fui vereadora da Cultura no
ano do centenário da República e isso permitiu fazer coisas diferentes
e por o enfoque no movimento feminista e republicano. Não que eu seja
republicana hoje, mas tenho a ecrteza que o teria sido em 1910, na
companhia da Carolina Beatriz Àngelo, Ana de Castro Osório ou Adelaide
Cabete. E feminista sou-o no sentido preciso que lhe davam as nossas
sufragistas.
Também nunca tive complexos de inferioridade por prenche,
eventualmente,r um espaço aberto pela "quota" , mais ou menos larvada.
No meu caso, nunca explicita, nem mesmo no cargo de VP da AR e sempre
rejeitada como tal pelos opositores das quotas do meu partido. Quando
eu dizia: "escolheram-me para Vice-Presidente da AR, porque queriam
uma Mulher" (o que para mim era evidente, estava certo e só pecava por
ser decisão tardia), respondiam-me:
"Manuela, não diga isso! Está nas funções pelo seu mérito"
O meu mérito não era coisa que eu fosse discutir!... Discutia, sim, o
mérito do sistema de quotas, que em nada contende com o valor ou
capacidade pessoal, antes pelo contrário o pressupõe, mesmo quando,
porventura, errando. Mas erros de "casting" não faltam também, e são
muito mais comuns, no caso de políticos promovidos pelas máquinas
partidárias, à maneira tradicional.
PELA PARIDADE, PELAS QUOTAS
Com este tema recorrente, vou terminar a minha intervenção longa....
Quando há avaliações objectivas dos candidatos, o sistema de quotas é
gritantemente inaceitável! No acesso às universidades, por exemplo,
são escolhidos os melhores alunos, os que têm melhores notas. Por
sinal, são mulheres, mas aí, se não fossem, não seria justo nem
legítimo intervir .
A falta de educação, de formação seria, de resto, o único fundamento
de uma desigual participação feminina na vida pública. Onde a situação
é de igualdade ou supremacia, a ausência das mulheres num domínio como
o da intervenção cívica, da política, impõe uma presunção de
discriminação. A Lei da Paridade torna essa presunção inilidível e,
a meu ver, é com base nela que determina uma quota mínima em função do
género.
A igualdade de mérito presume-se e a realidade tem vindo a comprovar a
presunção onde quer que o sistema seja praticado de boa fé e com
honestidade: no norte da Europa, onde o sistema nasceu, ou no sul,
onde chegou com atraso. E Portugal não é excepção. As quotas vieram
garantir novos patamares de equilíbrio de género, com aparente
valorização do todo!
Mas é da maior importância que a aplicação da Lei da Paridade seja
objecto de avaliação, como a própria Lei impõe, ao fim de cinco anos
(artº 8º)
. Estranho que 7 anos depois da entrada em vigor da lei, a obrigação
de cumprir o preceituado no artº 8º ande esquecida. Onde estão os
estudos sobre a progressão das mulheres, a nível do parlamento e das
autarquias locais? Sobre a sua actuação concreta?
Estranho, ou talvez não... porque as questões de género continuam
descentradas da agenda política em Portugal.
Aqui fica uma chamada de atenção ao Governo (à Comissão para a
Cidadania e Igualdade de Género, que terá condições ideais para o
levar a cabo um estudo conclusivo) e ao Parlamento, seja para
eventualmente poder o legislador pensar alterações à lei nº 3/2006,
com vista a "mais paridade", ou a dar mais visibilidade ao percurso
que as mulheres vêm fazendo no caminho aberto pela Lei, contra regras
não escritas e práticas discriminatórias vigentes nos aparelhos
partidários.
E quanto à frase com que comecei para me definir como feminista, devo
dizer que não a li num livro, nem a ouvi num congresso - vi-a, há
muitos anos, inscrita numa placa de um automóvel que atravessava o
centro de Boston, num dia de sol:
FEMINISM IS THE RADICAL NOTION THAT WOMEN ARE PEOPLE
MAUS COSTUMES
(a propósito da praxe académica)
A minha opinião sobre a "praxe" é, devo dizê-lo, influenciada pela experiência vivida na Universidade de Coimbra (1960/65), há mais de meio século.
Como as regras vinham dos tempos em que a Academia era integralmente masculina, quando as primeiras mulheres ingressaram nas Faculdades houve que as integrar - embora tão marginalmente quanto possível. Antes do mais, trataram da feminização do traje. O equivalente encontrado à capa e batina foi a capa e um sóbrio mas feminino fato de saia e casaco. A única sanção a que as estudantes estavam sujeitas, na prática, tinha a ver com o uso incorreto desse traje - por exemplo, ousar uma blusa às riscas, ou uns sapatos brancos, coisa que não lembrava a ninguém. Uma outra significativa adaptação se impunha no dia da formatura: à saída do último exame, o novo doutor era cercado pelos amigos que, no meio de festiva algazarra, lhe rasgavam a batina. À nova doutora, se estivesse trajada a preceito, apenas cortavam, gentilmente, a gravata preta. Galantes formas de sexismo! A menos amável de que me recordo aconteceu no ano em que pus fitas. A pasta com as fitas só podia usar-se com capa e batina (ou fato). Contudo, sempre se abrira uma exceção para o baile de gala da "Queima", permitindo às (quase) doutoras comparecerem de vestido comprido e a pasta na mão. Nesse ano, porém, o todo poderoso "Conselho de veteranos" decidiu acabar com o privilégio e as estudantes tiveram de ir à gala sem as insígnias... Todas, menos uma: eu. Fui ao baile com a capa e o fato de todos os dias, e a pasta com as fitas vermelhas. A trupe de veteranos, que vigiava a porta principal (qual "polícia de costumes" do Irão ou da Arábia Saudita), quis, em vão barrar-me a entrada, assim evidenciando que estava em curso uma golpada misógina, mais do que a pura defesa da ortodoxia do traje. Não esperavam que uma só colega teimasse em aparecer com o fato praxisticamente certo, embora socialmente incorreto. Claro que eu destoava no salão de festas, entre as sedas e as rendas das minhas amigas, mas sentia-me bem na veste da feminista que resistira ao "diktat" dos "veteranos".
Globalmente, aliás, nem tudo era mau na vivência das tradições coimbrãs: gostava do fado, das serenatas, das "latadas", dos cortejos da "Queima", do sobe e desce das ruelas mediavais da cidade. E divertia-me com os rituais que via como essencialmente lúdicos, com a irreverência, a graça e o entusiasmo de viver os anos de juventude, em alegre companhia, na senda dos feitos que Trindade Coelho registou na melhor crónica que jamais se escreveu sobre Coimbra ( "In illo tempore"). Gostava da minha capa (tão confortável, salvo num salão de dança) como símbolo de pertença a um universo de sã camaradagem e amizade. E, para tanto, não precisei de percorrer a via iniciática de praxes, contra as quais me revoltava - mesmo contra aquelas que teriam um sentido pedagógico - caso da proibição dos caloiros andaram sozinhos, à noite, pela cidade, que, supostamente, visava protegê-los da boémia e obrigá-los a estudar. A partir do sol posto, começava a caça aos caloiros... As "trupes" escondiam-se nas sombras das vielas e, de repente, cercavam as vítimas, num círculo de vultos negros do qual não escapavam sem tesouradas fatais nas cabeleiras (a única solução era irem, depois, ao barbeiro rapar o cabelo, uniformemente...) . Escapavam, porém, se tivessem "proteção" de uma senhora, com quem andassem de braço dado. A senhora podia, curiosamente, ser uma caloira! Eu própria "salvei" muitos colegas, dando-lhes, momentaneamente, o braço, mal pressentia a movimentação das sinistras trupes ...
2 - Voltei a Coimbra, para dar aulas na Faculdade de Direito, na década seguinte, em 1974, nas vésperas do 25 de abril, e lá fiquei durante dois anos de boa memória. Agitação havia bastante, no interior e exterior da universidade, mas não relacionada com a praxe, que fora totalmente abolida pelos ventos da Revolução, como vestígio do fascismo. Sei que o epíteto de "fascista" foi, então, utilizado a torto e a direito, mas neste domínio, por sinal, com alguma propriedade, porque há, nas hierarquias em que a praxe se organiza como corporação, nos ritos de obediência que impõe, cegamente, afinidades com o "ancien régime".
O pós revolução era a altura ideal para repensar a praxe antiga, para separar o que ela continha de trigo e de joio. Infelizmente, veio a ser reinstalada com facetas incomparavelmente mais malignas, um pouco por todo o lado, em universidades sem passado, sem tradições próprias, onde constituem meros jogos de imitação - e jogos perigosos, reinventados com uma brutalidade sádica que fazem mortos e feridos. Se a prática continuada os converte em costumes, são certamente, maus costumes, quando não crimes.
A proibição das praxes violentas é, a meu ver, um imperativo numa sociedade democrática. Muito bem anda o Ministro do Ensino Superior ao tomar posição neste sentido.
3 - A dificuldade maior, no que respeita à proibição, é traçar a fronteira entre ações livremente consentidas e lícitas, de caráter lúdico e o que é "bullying", comportamento degradante, indigno, criminoso.
Por isso, para além da corajosa e lúcida intervenção do Ministro, uma outra boa notícia é o anúncio de uma investigação científica sobre a realidade atual do universo das praxes , no seio de uma universidade, em Lisboa. Espero que uma tal análise interdisciplinar, ampla e rigorosa, possa lançar nova luz sobre as sombras que envolvem a evolução do fenómeno.
Maria Manuela Aguiar
julho 31, 2018
MANIFESTO DO CCP SOBRE O VOTO DOS EMIGRANTES
Comissão Temática para os Assuntos Consulares, Participação Cívica e Política (CCPCP) do CCP
MANIFESTO
A Comissão para os Assuntos Consulares, Participação Cívica e Política, reunida na Sexta-feira, dia 20 de Julho de 2018, deliberou manifestar o seu contentamento relativamente à aprovação na Assembleia da República dos Projectos Lei de alteração das leis eleitorais e do recenseamento eleitoral ocorridas no dia 18 Julho 2018.
Havendo ainda um longo caminho a percorrer, saudamos a iniciativa da Sociedade Civil das comunidades e o reconhecimento por parte do Parlamento de um direito fundamental dos portugueses residentes no estrangeiro, corporizado no recenseamento automático.
É agora primordial promover uma maior participação cívica dos portugueses residentes no estrangeiro, por forma a não pactuar com níveis de abstenção alarmantes. Não sendo uma panaceia, é vital equacionar o voto electrónico descentralizado para, entre outras formas, assegurar que a voz das comunidades portuguesas seja ouvida em Portugal.
Aguardamos com expectativa a promulgação e implementação destas iniciativas parlamentares. Acreditamos que estas medidas trarão benefícios na consolidação da Democracia Portuguesa.
CONVITE
Jantar-Homenagem
"Durval Marques"
Sexta 15 de Junho de 2018
Estimados Compadres, Comadres e Amigos, Portugal e as Academias do Bacalhau de todo o mundo estão de luto.
O dia 10 de Junho de 1968 está histórica e afectivamente ligado à génese da fundação das Academias do Bacalhau, data em que o nosso querido e saudoso Compadre Durval Marques inaugurou oficialmente a primeira Academia em Joanesburgo, por tal razão designada de “Academia – Mãe” e se comemorou também pela primeira vez na África do Sul, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Meio século volvido e inesperadamente, Deus o levou. Mas a Família não se destrói pois uma parte dela fica invisível.
Pensa-se que a morte é uma ausência quando ela é apenas uma presença secreta. Pensa-se que ela cria uma distância infinita e afinal apenas suprime toda a distância porque o Céu não é só habitado por anjos ou por Deus, tornando-se assim a casa da nossa Família, num andar um pouquinho mais acima!
Bem-haja por tudo, querido e bom amigo Durval Marques. Sentimos muito a tua falta mas tem a certeza que a tua exemplar postura será sempre o rumo deste nosso “barco rabelo”, no qual continuarás a ser o seu fiel timoneiro .
A Direcção da Academia do Bacalhau do Porto, convida as suas comadres, compadres e amigos, para o Jantar de Homenagem que justa e merecidamente lhe vamos prestar, no próximo dia 15 de Junho, sexta-feira, na secular Quinta da Boucinha e no qual a nossa ilustre Comadre Maria Manuela Aguiar, ex-Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, que tão bem o conhecia e com ele partilhou muitos momentos, desenvolverá em sua memória, o tema particularmente relevante e tanto do seu agrado: “O papel da Mulher Migrante na Diáspora Portuguesa”.
julho 26, 2018
2018 - VOTO DOS EMIGRANTES E O CCP
Comissão Temática para os Assuntos Consulares, Participação Cívica e Política (CCPCP) do CCP
MANIFESTO
A Comissão para os Assuntos Consulares, Participação Cívica e Política, reunida na Sexta-feira, dia 20 de Julho de 2018, deliberou manifestar o seu contentamento relativamente à aprovação na Assembleia da República dos Projectos Lei de alteração das leis eleitorais e do recenseamento eleitoral ocorridas no dia 18 Julho 2018.
Havendo ainda um longo caminho a percorrer, saudamos a iniciativa da Sociedade Civil das comunidades e o reconhecimento por parte do Parlamento de um direito fundamental dos portugueses residentes no estrangeiro, corporizado no recenseamento automático.
É agora primordial promover uma maior participação cívica dos portugueses residentes no estrangeiro, por forma a não pactuar com níveis de abstenção alarmantes. Não sendo uma panaceia, é vital equacionar o voto electrónico descentralizado para, entre outras formas, assegurar que a voz das comunidades portuguesas seja ouvida em Portugal.
Aguardamos com expectativa a promulgação e implementação destas iniciativas parlamentares. Acreditamos que estas medidas trarão benefícios na consolidação da Democracia Portuguesa.
julho 04, 2018
PRESENÇA E AUSÊNCIAS EM SOCHI
O ADEUS PORTUGUÊS ao Mundial
1 - Muito poucos portugueses estiveram na Rússia a apoiar a nossa equipa. Um desses raros compatriotas, entrevistado pela Sport TV, antes do início do derradeiro "match", contou que estava a viver momentos emocionantes, e lançou um desafio aos que ficaram em casa: "saiam do sofá!". Do sofá, os portugueses até saíram, ocupando as praças de todas as cidades, em frente a ecrãs gigantes, sem, todavia, ultrapassarem a fronteira da sua terra.
Os uruguaios, pelo contrário, estiveram, aos milhares, em Sochi, pintando as bancadas de azul. É certo que víamos, aqui e ali, camisolas vermelhas, mas, pelas numerosas entrevistas que um repórter da TVI24 tentou fazer-lhes, no final, fiquei a saber que eram, na sua esmagadora maioria, russos, possivelmente mais adeptos de CR7 do que de Portugal.
O Uruguai tem uma população de apenas 3,5 milhões (4 milhões, com os imigrantes), face aos nossos 10 milhões (15 milhões, não esquecendo a "diáspora"). E, se Rússia é longe para nós, é muitíssimo mais longe para eles. Uma viagem intercontinental da América do Sul para os confins da Europa, ainda por cima, paga em moeda bem menos forte do que o euro!
A que se deverá esta diferença de comportamento? Não sei. Uma hipótese, bastante deprimente, aponta causas económicas, a pobreza, ao menos, relativa. Serão as nossas classes médias mais frágeis do que as uruguaias? Outra hipótese, de ordem imaterial, não é de molde a deixar-nos menos insatisfeitos: a seleção não nos move? Prevalecerá, entre nós, irremediavelmente, a "cultura de clube" sobre a "cultura de seleção"?
Numa interessante entrevista ao "Expresso", a Embaixadora do Uruguai em Lisboa, destacou o carater identitário que o seu País (duas vezes campeão olímpico, duas vezes campeão do mundo) reconhece ao futebol, que, segundo ela, o colocou no "mapa mundi". É este o sentimento que nos falta? (A propósito, recordemos que Scolari, homem nado e criado num Brasil confinante com o Uruguai, foi quem mais tentou motivar-nos a exteriorizar a pertença à seleção).
Não tendo respostas para as questões que coloquei, resta-me sugerir análise aprofundada do tema, que falta, realmente, debater e explicar.
2 - O que não tem faltado, nos "media", é análise e comentário ao nosso abreviado percurso neste campeonato.
Nada acrescento de novo, ao enfileirar ao lado daqueles para quem o nosso destino, ou fado, ficou traçado com um erro grosseiro do VAR, com um golo de "penalty" que não existiu, dando ao Irão o empate, no último minuto, e à Espanha o primeiro lugar no grupo. Assim nos coube defrontar, nos oitavos de final, a dupla atacante Cavani/Suarez, a que não resistimos, em vez de uma Rússia, em princípio, mais acessível, com a qual, neste campo, costumamos ter sorte. Não pode a Espanha dizer outro tanto. Contudo, o seu destino foi traçado por erros próprios, não pela arbitragem.
3 - Erros próprios, para além da má fortuna, também sobejaram para nós, designadamente no que respeita a "casting" - jogadores em baixo de forma, uns vindos de lesões, outros com escassa utilização nos clubes de origem...
Sem chegar ao extremo de Bento, ao desastre que foi a participação no Mundial do Brasil, Fernando Santos tem-se aproximado do modelo do antecessor, ou seja, foi-se convertendo em treinador da "sua" equipa, " em vez de se manter como verdadeiro selecionador, que elege os melhores, em cada momento, (para o seu sistema de jogo, naturalmente). Guerreiro, João Mário, Adrien, André Silva, Ricardo, Guedes e, até, Bernardo Silva, foram apostas falhadas e Ruben Dias nem aposta foi, o que se aceita, porque a dupla de centrais esteve bem. Particularmente difícil de aceitar foio desfazer da fantástica dupla atacante Ronaldo/André Silva. Intenção que já se adivinhava, porque, nos três jogos de preparação, Santos não os deixara jogar juntos. O pressentimento, primeiro, e a certeza, depois, terão minado o ânimo do jovem André e deixaram mais só o mediático parceiro. E, talvez por isso, entre outras coisas estranhas, na Rússia, só brilharam seniores - Quaresma (tão sub-aproveitado!), Pepe, Patrício e Ronaldo. Ronaldo, que, em Sochi, começou bem e acabou mal, tal como a seleção
julho 02, 2018
MARIA BARROSO Entre os nomes que constituem o nosso imperecível património humano, há os que revelam a dimensão da cultura portuguesa, na sua essência universalista e fraternal. Um desses nomes é o de Maria Barroso, a maior figura feminina do século XX, a mais intemporal, a mais inspiradora. Cidadã, por excelência, em décadas de participação cívica, cultural e política, que lhe dão lugar na história da democracia, do feminismo, do teatro, do ensino, da lusofonia... Mulher símbolo de dedicação à "res publica", com um percurso de intervenção anterior ao encontro de destinos com Mário Soares, depois com ele continuado, tanto na resistência à ditadura, como na construção de um país democrático e reaberto ao mundo. Corajosa e solidária, ícone de elegância e perfeita diplomata, soube apoiá-lo com uma amável cumplicidade, sem nunca se apagar na sua sombra, ou esconder a independência de espírito, e uma forma própria de estar na sociedade e na política. A jovem revolucionária, que usava a força da palavra, como arma de combate pela liberdade, nos palcos do teatro, nas arenas políticas, ao qual não hesitou em sacrificar a vocação artística e a carreira docente, viria a ser a primeira senadora da democracia portuguesa, sem nunca perder a faceta vanguardista, a lucidez e capacidade de dizer "não" a novas formas de exclusão e violência, a violência nos "media", o tráfico de armas... Com um sentido de missão, que uma repentina e emotiva conversão ao catolicismo, levaria a outros espaços e projetos, afirmou-se no plano internacional, no universo da lusofonia e da Diáspora, que, já octogenária, percorreu, incansavelmente, para presidir aos" Encontros" para a Cidadania e Igualdade. Através da Fundação PRO DIGNITATE, de fora da política partidária, levou a cabo obra notabilíssima e ainda insuficientemente conhecida - caso do seu papel no início do processo de paz em Moçambique. Com a ideia fulcral de dignidade humana respondia a um inadiável desafio civilizacional do nosso tempo: a criação de uma cultura de paz, justiça e liberdade para todos os povos, todos os indivíduos. Nas suas preocupações e na sua ação não havia favoritos - eram iguais portugueses, timorenses, africanos, imigrantes, refugiados, mulheres e homens de boa vontade... Deu cumprimento a essa causa maior, numa relação de proximidade com as pessoas, em gestos concretos de apoio e companheirismo, com rigor e trabalho árduo, quando não excessivo, no dia a dia, até ao seu dia derradeiro! Na hora em que se despedia de Maria Barroso, o Povo Português, espontaneamente, transformou uma simples cerimónia privada em impressionante testemunho público e consensual de admiração e de saudade. Foi o primeiro sinal de que ficaria na memória do País, pelo afeto e pelo exemplo de grandeza de alma, superior inteligência e infinita energia . Maria Barroso, humanista "muito praticante", ao longo de uma longa vida
AMM 2017/18 DOUTORA FÁTIMA PONTES
La diáspora de Venezuela es un fenómeno en pleno siglo XXI
En estos últimos veinte años, hemos ido palpando una economía totalmente destruida o estropeada por la política en Venezuela, ya analizada por mi persona y con declaraciones dadas a la prensa de la Isla de Madeira en el año 2016, de que cada día es más evidente, como la capacidad productiva interna ha disminuido, las ofertas de trabajo, los empleos caen casi en un 80%. Como profesora que soy de una de las universidades más grande e importante del país, Universidad de Carabobo, ubicada en la ciudad de Valencia, Estado Carabobo; es deprimente ya que hoy observamos a un profesor universitario, sin calidad de vida, por la hiperinflación existente, donde comprar alimentos, medicinas, transporte es casi imposible de cumplir. Por lo tanto se dice: toda una vida estudiando y trabajando, para poder adquirir un nivel de vida estable, y cubrir sus necesidades básicas, en este momento es casi imposible.
Desde mi niñez, adolescencia y de adulto, vivimos siempre en un entorno agradable, casi sin problemas; donde el trabajo de mis padres emigrantes de la Isla de Madeira por los años 50, 60, fue realmente aceptable, donde el emigrante portugués era aceptado y respetado; por lo tanto mis padres nos dieron una gran calidad de vida y de estudios para superarnos y que apreciáramos esos sueños de emigrantes, que ellos habían hecho realidad en este hermoso país.
Cada día que va pasando, es preocupante ver que ha salido del país, 1,6 millones de personas, lo cual sería un aproximado de 5,5% de 29 millones (según Tomas Páez), la mayoría representa una fuerza total de talentos, que va a diferentes partes del mundo; y quiero recordar que Venezuela fue magnifica puerta de entrada, de miles de europeos durante el siglo XX.
El proceso de sostenimiento de esta democracia en Venezuela, hace necesario recuperar la credibilidad en la palabra y en la confianza social, hay que sobreponerse a la demagogia y a los muchos discursos populistas, con falacias y manipulaciones, que hoy en día conceptualizamos en ignorancia y detractores de la sociedad; por lo tanto esto hace que las personas entren en el mundo de las hojas de rutas hacia otros países.
Es así que estamos como en Modo de Pausa, en torno a este debacle económico y político que cada día nos sumergen, en la peor verdad amarga y difícil de los últimos años en Venezuela.
Creo en seguir soñando y luchando por este hermoso país, que un día acepto a unos inmigrantes portugueses, en especial a mis padres que hicieron sus sueños realidad; así que permítanme seguir ese sueño de ellos, del creer en un país y de que muy pronto saldremos de esta pesadilla socialista-comunista.
Siendo mujer siempre luchadora, de nuestra comunidad portuguesa, Conselheira de las comunidades portuguesas, y vice-presidenta de la Mujer Migrante en Venezuela, quiero seguir siendo esa voz suceptible e intensa ante el mundo, y pidiendo a viva voz y a Dios la mayor sabiduría para nuestra diáspora portuguesa; de tratarlos con la misma bondad y confianza que puede tener pueblo ninguno y en especial la comprensión del pueblo portugués.
Siguiere luchando y meditando desde mi punto de vista profesional, en que no hay que parar, hay muchos sueños, retos y compromisos; pero no nos dejaremos decepcionar porque mi alma esta despierta, por esos sueños de migrantes portugueses, que lo viví y lo palpe día a día, en la transformación y en la pronta recuperación de la democracia que ya viví.
Doctora Pd. María Fátima De Pontes Loreto.
Conselheira das Comunidades Portuguesas en Venezuela
Presidenta do Conselho das Comunidades Portuguesas
En Venezuela.
julho 01, 2018
ACONTECEU A DERROTA QUE SE ADIVINHAVA E TEMIA
Tudo começou num erro do VAR. A marcação de um penalty na 25ª hora do Portugal- Irão. Cedric salta, de olhos fechados, na grande área iraniana, e a bola roça o seu braço, que lá estava porque pertence ao braço e às leis físicas da impulsão. O caso mais perfeito e indubitável de "bola na mão".
Portugal cai para segundo do grupo e, com isso, cai na metade pior do campeonato que prossegue... O Uruguai em vez da Rússia, mais os potentados que se perfilam nessa caminhada. O contrário do que se passou no Europeu.
Havia uns fantasistas que até preferiam o Uruguai à Rússia. Não eu... Para o futebol de Santos nada pior do que o futebol de Tavárez. Santos é um aprendiz de Tavárez e a dupla Cavani -Suarez deixa a anos luz a dupla que Ronaldo faz seja qual for o seu companheiro de avançadas...
Viu-se...
junho 30, 2018
VER O JOGO NO SOFÁ
Este ano o mundial é longe, na Rússia, onde não há emigrantes. Previsivelmente, muito poucos são os portugueses que lá estão a apoiar a seleção.
Uma desses raros compatriotas (e patriotas), entrevistado pela Sport TV, dizia que estava a viver momentos emocionantes, muito mais intensos do que o mero acompanhamento do jogo pela televisão. E lançava um desafio: "saiam do sofá!"
Do sofá, os portugueses até saem e ocupam as praças de todas as cidades em frente aos ecrãs gigantes... 70.000 só num dos espaços de Lisboa. E sabe-se que têm loucura pelo futebol.
Qual é, então, o fator determinante da espantosa diferença de presenças de Portugal e do Uruguai, neste encontro decisivo em Suchi?
O Uruguai tem uma população de apenas 3 milhões, face aos nossos 10 milhões. A Rússia é longe para nós, mas é ainda mais longe para eles. E é também muito mais cara (ao menos nos voos regulares) uma viagem intercontinental da América do Sul para os confins da Europa.
Não sei ao certo, mas postaria numa explicação simples e deprimente: somos pobres, somos mais pobres do que os outros. Os ricos são mais ricos e os pobres são mais pobres e muito mais numerosos.
RECORDANDO ÂNGELO VIEGAS
Ângelo Viegas é um dos nomes mais ilustres da nossa Diáspora, no século XX. Ao dedicar uma publicação à sua memória, ao seu percurso de vida, estaremos, em simultâneo, a fazer a história da construção e afirmação da presença lusa no sul do Brasil, no progressivo Estado do Paraná, na jovem e moderna cidade de Maringá.
Já o conhecia pela fama, pela qualidade da sua intervenção comunitária, antes de o encontrar pessoalmente. E foi por seu intermédio que aceitei o convite para incluir o Estado Paranaense no roteiro de uma deslocação ao Brasil. com a primeira visita a uma cidade, que tinha de idade, menos anos do que eu, e a um novo Centro Cultural, cujo dinamismo revelava a existência de forte liderança. Muitos terão dado importante contributo para a concretização desse ousado projeto, mas não me ficaram dúvidas quanto ao papel fundamental de Ângelo Viegas, apesar da sua postura sempre tão discreta e diplomática. Na verdade, não procurou nunca o reconhecimento individual, mas o coletivo, fazendo sua a missão tão tradicionalmente portuguesa de convivialidade, de partilha de experiências e de afetos com outros povos, de vontade de integração, norteada pelos valores da cultura de origem. Foi essa sua vontade de pertença a duas nações, a realidades culturais que quis e conseguiu tornar mais próximas, mais interativas, através de uma ação notável e constante, que o tornou, ou torna, um exemplo para as gerações futuras, um exemplo intemporal.
A Ângelo Viegas não faltavam ideias e sonhos fantásticos, e não faltava, sobretudo a capacidade de os levar a bom termo, com entusiasmo e alegria, com esforçado trabalho e brilho inexcedível. Maringá deve-lhe a "época de ouro", em que esteve na vanguarda de todas as comunidades portuguesas de então!
Entre as inúmeras iniciativas, que pude acompanhar de perto, estão o esplêndido paradigma que constituiu a geminação de Maringá com Leiria, e a reunião do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), que organizou em 1986. As cimeiras do CCP, em diferentes regiões do mundo, eram bienais e convocadas para cidades com núcleos dinâmicos de portugueses, que se viam convertidas, durante o período da reunião, em autênticas "capitais" da emigração portuguesa. Foi o caso de Toronto, Fortaleza, Capetown, Danbury/ Connecticut, Estugarda, e Maringá. De todas, a maior foi a de Maringá! Primou pela cooperação das autoridades brasileiras, pela excelente cobertura dos "media", pelo envolvimento comunitário, e culminou num espetacular jantar de despedida, com a participação de mais de um milhar de portugueses e brasileiros. Só alguém como Ele conseguiria tanto. Pelo empenho e competência, naturalmente, mas também pela a facilidade com que fazia aliados, com que abria todas as portas, graças à simpatia, à sua invariável disponibilidade para colaborar, para ajudar quem quer que precisasse do seu apoio.
Por isso, aqui deixo o testemunho da minha imensa admiração pelo cidadão, pelo incansável defensor dos direitos dos compatriotas, pelo excecional Embaixador da Cultura Portuguesa, e , igualmente, do sentimento de perda, de saudade por um Amigo verdadeiro, leal e generoso
junho 11, 2018
ADELAIDE VILELA
hoje em ESPINHO, Na BIBLIOTECA JOSÉ MARMELO E SILVA
Versos dedicados a minha Mãe
Dª. Maria Antónia
Um beijo e um sorriso
Como me traz feliz seu nome,
Mas por causa de uma graça
Linda, e igual à sua também,
Meu coração navega num mar
Onde o farol se apagou
Deixando-me despida de amor
Mas enlaçado a belas recordações.
Dª. Maria Antónia, oh! que beleza!
Vista de energia cada alvorada,
Neste mundo que lhe dá guarida,
Inspirando cada vez mais o século
Que se aproxima confiante,
Descalço de tristeza mas caloroso
E cheio de alegria de viver!
Sra. Dª. Maria Antónia que prazer
Ao deixar-lhe um abraço sereno
Enlaçado em amor, sorrisos
E candura; mas que vontade
De cantar a Deus Gratidão
Por saber que está bem com
A sua Manuela, filha amiga,
Exemplar e companheira bela!
Na partilha do abraço
Aqui deixo mil afetos
E o sonho de poder cantar:
Parabéns à Dª. Maria Antónia
No dia em o menino século chegar.
Transformaremos todos os momentos
Em pensamentos de amor só para si:
Minha querida Dª. Maria Antónia!
Um beijinho da Adelaide Antónia Ramos Vilela
maio 20, 2018
DA EMIGRAÇÃO ATUAL À DIÁSPORA FUTURA
O tema da emigração portuguesa é, para mim, que tenho trabalhado neste setor ao longo das últimas 3 décadas, uma escolha que sugeri, sobretudo porque é bem atual. Com uma singularidade: é atual há mais de 500 anos!
. Sabemos quando e como começou, mas não vemos o seu termo na linha do horizonte .Começou com a Expansão, com um projeto régio de controlo dos caminhos marítimos do comércio e de colonização de vastos territórios, mas continuou em ciclos intermináveis de expatriação, que foram desígnio ou necessidade individual. E, sobretudo após o declínio do que poderemos chamar o 1º império português, o do Oriente, com a concentração de esforços na construção do império brasileiro, de tal forma, se interligaram, de facto, os processos colonização e emigração, que se torna impossível aos historiadores traçar com nitidez as franteiras entre um e outro - tarefa que do ponto de vista teórico, jurídico, pareceria fácil, mas que o não é numa perspetiva sociológica e política. Na verdade, emigrava-se, em larga escala, para essa imensa colónia, muito para além do que a Coroa via como desejável para os seus escopos. Claramente o diz Joel Serrão, ao escrever que o êxodo assumia, de uma forma crescente, um carater puramente migratório. Comprova-o, de resto, a política de restrição ou proibição das saídas, que é, com algumas exceções, uma constante ao longo de séculos de história legislativa, neste domínio. Como salienta Joel Serrão e a maioria dos outros estudiosos deste fenómeno numa apreciação diacrónica, foi esta a única política de emigração que conhecemos tradicionalmente.
A revolução de 1974 foi, em matéria de políticas de emigração, a única digna desse nome - e veio revelar a importância daquela antiga e singular coexistência de realidades distintas,ao que julgo com uma grande preponderância de projetos individuais e familiares da "pura emigração", implicou modos de relacionamento entre os povos que deram destinos diferentes, opostos aos impérios de fronteira terrestre, que se desfizeram em novas formações nacionais, e às diásporas, que permanecem, na fronteira cultural, com uma vocação de eternidade, dentro e fora do antigo espaço colonial . A descolonização teve, para além do mais, a virtude de permitir a emergência deste outro mundo da lusofonia e da lusofilia, até então completamente subvalorizado ou ignorado. "Há um Portugal maior do que o império que se fez e se desfez", proclamava numa celebração do Dia Nacional, Vitorino Magalhães Godinho. Pouco depois, em 1980, o Primeiro Ministro Sá Carneiro, reconhecia que Portugal foi um País de colónias, hoje é uma" Nação populacional, uma Nação de comunidades" Ainda que no discurso político a Diáspora possa parecer um sucedâneo de coisa perdidas, nunca o foi , nem é.Já existia autonomamente. Mas poderemos talvez considerar que foi a nossa grande descoberta contemporânea. Uma tardia e feliz viagem de achamento...de encontro ou reencontro com quem lá estava desde há muito, no descaso dos governos...
A comemoração do 40º ano passado sobre a revolução do 25 de Abril, que decorreu em 2014, foi, pois,para todos os que se interessam pela complexa e multifacetada problemática migratória na vida nacional, um tempo de reflexão sobre o seu significado para Portugal e para os Portugueses, com a promessa, que viria a ser cumprida, de liberdade e de democracia, não só no território, mas nas comunidades do estrangeiro. Um processo abrangente, para todos os Portugueses, também para os da emigração e da Diáspora. Deles falarei em breves palavras.
A revolução do 25 de Abril é, neste domínio, uma data maior, a maior de todas, porque veio romper com os obstáculos de ordem jurídico- administrativa à decisão individual de emigrar, rompendo com políticas multisseculares de limitação ou proibição das saídas - mais ainda para as mulheres do que para os homens.
Na verdade, o êxodo sem fim dos portugueses pelo mundo, num contínuo encadeamento de ciclos, não fora, nesse passado longo, como disse, nunca, inteiramente livre.
E a democracia nascente vinha também restituir aos emigrantes o seu direito de cidadania, de participação política, contra uma tradição de absoluta exclusão da comunidade nacional, uma verdadeira "capitis diminutio", que os atingia mal atravessavam a fronteira terrestre para viver no estrangeiro. Foi, pois, uma revolução de princípios e conceitos, com imediato reflexo a nível dos direitos individuais.
A centralidade dada às questões da emigração revela-se, na cronologia das medidas políticas tomadas nesta área, antes de mais, pela criação, logo em 1974, de uma Secretaria de Estado da Emigração. A nova Secretaria integrava os serviços preexistentes do Secretariado Nacional da Emigração, a partir dos quais se haviam planificado e executado, nas vésperas da Revolução, as primeiras medidas de apoio social e cultural às comunidades do estrangeiro, sobretudo na Europa. Todavia, é com o novo regime que essas políticas embrionárias se vão desenvolver, nomeadamente no que respeita à representação política, à aceitação da dupla nacionalidade, à defesa activa dos direitos dos portugueses, à atenção dada ao associativismo, ao ensino da língua, à informação (alguns anos mais tarde, potenciada com as emissões da RTPI, um privilegiado instrumento ainda hoje subaproveitado), ao apoio ao regresso voluntário ao País, através de um conjunto de benefícios fiscais e de empréstimos a juros bonificados. para aquisição de casa própria ou para lançar empreendimentos - medidas cuja eficácia se viria a comprovar nos anos seguintes. A reinserção de centenas de milhares de portugueses, vindos, sobretudo, de França e de outros países do nosso continente, foi de tal modo por eles planeada neste contexto, que se consumou numa infinidade de regressos "invisíveis”.
Estou já a pensar na década seguinte, antecipando avanços conseguidos: a revolução significou, no imediato, a vontade de consolidar um “estatuto dos expatriados”, mas só depois este foi sendo materializado, em novas configurações de direitos, e em práticas, a um ritmo lento, que é o ritmo a que mudamos preconceitos e mentalidades. Há ainda muito por fazer para uma "cidadania de iguais", fora das fronteiras geográficas, isto é, para corporizar o projecto de representação política e de igualdade de direitos no campo social e cultural, erradicando, de vez, o "paradigma territorialista" dominante até 1974. Até então, a ausência no estrangeiro implicava a perda de todos os direitos políticos e da própria nacionalidade (se os portugueses voluntariamente adoptassem a de outro país e, no caso das mulheres, mesmo contra sua vontade, automaticamente, pelo casamento com estrangeiros) e\ de outros direitos, como o do acesso ao ensino da língua, de que o Estado nacional não curava - as primeiras políticas de intervenção, em meados do século XX, limitavam-se ao acompanhamento da viagem atá ao ponto de chegada, onde os emigrantes ficavam entregues a si próprios. Foi a dinâmica do associativismo, que, nos países de acolhimento, soube, quase sempre e por todo o lado, substituir-se ao Estado.
O trânsito para o" paradigma personalista", na definição de Bacelar de Gouveia, ir-se-á concretizando num estatuto de direitos de cidadania à medida da Nação e não só da terra portuguesa.
Um novo Direito, um "acquis" da Democracia.
O nº 1 do art. 46º da Constituição de 1976 estabelece que : "Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos políticos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos". Pela primeira vez, os portugueses emigrados são eleitores de representantes na Assembleia da República, mas não ainda com um “voto igual”. De facto, o nº 2 do art. 152º, restringe a aplicação do sistema proporcional aos círculos territoriais e o regime de exceção vai servir para impor, na lei eleitoral, um teto de apenas quatro representantes em dois círculos próprios da emigração, europeia e transoceânica, com menos de 2% do total dos membros da Assembleia, para uma população que se estima em 30% - embora se deva reconhecer que são muito menos de 30% os potenciais recenseados no estrangeiro.
Nos outros actos eleitorais, a Constituição de 1976 exigia a residência no território nacional (art. 124 para o PR) ou na área territorial da autarquia (art. 246º nº1 para as freguesias e art. 252º para os municípios). No que respeita às regiões autónomas, não há dispositivo semelhante, mas a questão não foi equacionada nos respectivos estatutos político administrativos.
O sufrágio na eleição presidencial viria a ser alcançado, entre públicas controvérsias e difíceis negociações inter partidárias, na revisão Constitucional de 1997, com as exigências formuladas no nº2 do art. 121: "A lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional".
Mais restritivo é ainda o nº 2 do artº 115, que prevê a sua participação nos "referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito". Nos referendos já realizados os emigrantes não foram consultados, por terem sido vencidas as propostas que lhes davam esse direito.
Não poderei alongar-me, aqui, sobre as vicissitudes de processos de legiferação, em que fui interveniente, ao longo de mais de 20 anos, sempre em favor do alargamento do estatuto político dos expatriados, a nível nacional, autonómico e autárquico, com base em exemplos do direito comparado - como o de Espanha que atribui aos seus expatriados o direito de voto a todos os níveis. Direi, apenas, em síntese que, a meu ver, entre nós, os partidos atuaram, regra geral, de acordo com as suas subjectivas expectativas sobre o sentido de voto dos emigrantes. Os que se consideravam por ele prejudicados desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão do eleitorado da diáspora, artificialmente engendrada pelos prosélitos do sufrágio. Ao fim de 40 anos de experiência democrática já não restam dúvidas sobre o irrealismo dos receios: no estrangeiro o universo eleitoral é reduzido e estável, com cerca de 260.000 recenseados e cada vez maiores taxas de abstenção. Na Espanha, só a Galiza tem muito mais eleitores do estrangeiro e, sobretudo, muito mais votantes.
Creio que o clamor sobre a anunciada avalanche de votos "de fora", que, redobrou a partir da aprovação da Lei nº 73/8, popularmente chamada "lei da dupla nacionalidade", se ficou a dever a confusão entre emigrantes recentes - os que, tendo passaporte português, podem recensear-se voluntariamente e, em larga maioria, note-se, não o fazem - e os da Diáspora, cuja ligação ao País passa por laços afectivos e pela intervenção cultural, não pela política. A meu ver, há que deixar aos próprios emigrantes e seus descendentes a escolha da forma de manifestação dos seus sentimentos de pertença, não sendo, pois, legitimo nem desvalorizar nem pretender retirar à minoria de participantes na vida política os seus direitos inalienáveis, em nome de uma maioria que se reconhece em outras formas de "ser português".
Um organismo criado na confluência destas diferentes vertentes de afirmação de pertença foi o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), nos moldes originalmente propostos pelo DL nº 373/80. Nele tinham assento representantes eleitos das associações, independentemente de serem ou não de nacionalidade portuguesa. Era uma órgão consultivo do Governo, presidido pelo MNE, uma plataforma de encontro e articulação de acções entre comunidades dispersas e praticamente desconhecidas entre si, e de co-participação nas políticas destinadas a um mundo tão plural. Um órgão de consulta pensado para as duas vertentes, para a emigração antiga, com a força das suas aspirações e projectos culturais, e para a mais jovem, com a pressão dos seus problemas e reivindicações sociais. Nem sempre foi fácil o diálogo entre ambas e teria sido talvez preferível, como continua a propugnar Adriano Moreira, a instituição de estruturas específicas para cada uma delas.
No CCP, a última acabou por ter mais visibilidade e mais voz, deixando na sombra os consensos naturais no domínio cultural - que é sempre, por excelência, o lugar de uma solidária partilha das raízes matriciais - e focando, essencialmente, as questões laborais, sociais e políticas do quotidiano, as divergências ideológicas e partidárias, que, fora como dentro do país, se confrontavam na sociedade portuguesa. Foi, assim, o espaço de uma esplêndida vivência democrática, que, porém, desde a primeira hora, marcou o Conselho com uma imagem de conflitualidade mais do que de cooperação e solidariedade, que, por sinal, existiram em muitas matérias. Terá sido essa aparência mediática que, a partir de 1988, levou o governo a suspender as suas convocatórias, a silencia-lo, antes de o substituir por uma estrutura insólita, composta de múltiplos colégios eleitorais, que era patentemente inoperacional.
Em 1997, o CCP ressurgiu em novo figurino, passando a ser eleito por sufrágio directo e universal, ou seja, reservado a emigrantes com nacionalidade portuguesa.
O Conselho teve, assim, várias vidas entrecortadas, um percurso acidentado, em cuja fase inicial pude intervir mais diretamente, como membro do governo, em representação do MNE. Depois, por inerência de funções, como deputada do círculo de “Fora da Europa”, continuei a colaborar nos trabalhos de conjunto, acreditando sempre na sua capacidade de ser o grande "forum" democrático da emigração. Uma espécie de 2ª Câmara consultiva, uma "assembleia" - título que passou a assumir, ultimamente, o antigo "Conséil" francês. Uma instituição que deveria ser consagrada na arquitectura da Constituição, para ficar ao abrigo do poder discricionário dos governos. O tema foi discutido na AR, em 2004, por iniciativa da Sub comissão das Comunidades Portuguesas, a que eu, então, presidia . A ideia persiste, foi ali analisada construtivamente por eminentes constitucionalistas e pode vir a ser lei, um dia, não sabemos se e quando...
No domínio das políticas da emigração e da diáspora avança-se a par e passo. Falar de uma e outra, em conjunto, não significa esquecer que há uma gradação no conhecimento e reconhecimento público, que subvaloriza a realidade da diáspora face à da emigração do presente. Os movimentos migratórios sempre foram vistos, e ainda o são, numa perspectiva principalmente economicista. - envio das remessas, investimentos e benfeitorias locais, o chamado "comércio étnico", tudo o que é materialmente palpável - desvalorizando outros aspectos, como o esforço para expandir o espaço cultural português na densa rede de instituições, de que são feitas as comunidades portuguesas. Na ligação entre movimentos migratórios e diáspora, aqueles surgem como causa (ou concausa) e esta como sua dimanação, graças à enorme propensão associativa, com que nos temos singularizado, em todos os tempos e lugares. Comunidades organizadas, espaços de vivência nacional...
Sabemos que a revolução de 74 veio derrubar uma ditadura, pôr fim ao impasse de uma guerra sem sentido e sem futuro, fechar um ciclo colonial e repor o Estado nas suas fronteiras geográficas europeias. Não veio, antes pelo contrário, pôs fim a essa presença universal dos portugueses, que sempre teve "vida própria" numa espontânea convivialidade, em relações de vizinhança e de cooperação, à margem dos desígnios ou poderes do Estado.
É certo que a nossa tradição migratória começou o seu curso ligado ao projecto do Estado de expansão marítima e de colonização de possessões, mas logo o transcendeu. Um projeto estatal aparentemente desmesurado e para o qual não havia paradigma, não havia lições a aprender... Era enorme o risco de perder o certo pelo incerto, mas nunca faltou gente para servir a incerteza da aventura, indo cada vez mais longe, dominando um todo geográfico cada vez mais vasto, a partir de uma população de somente cerca de um milhão pessoas. Logo no século XVI, o movimento envolve quase um terço da população total – mais de 280.00 homens, segundo Vitorino Magalhães Godinho. Uma impressionante média anual, que sobe no século seguinte para cerca de 8.000, no século XVIII para 40.000 e atinge novos máximos nos séculos XIX e XX. Estamos a falar, globalmente, de números na ordem de milhões. E as partidas assumiam, como disse, cada vez mais, o carácter de aventura individual, privilegiando o imenso Brasil. As políticas que procuravam regular os fluxos migratórios iam inevitavelmente no sentido de os restringir, ou mesmo de os proibir. Movimentos incessantes, uma autêntica cultura de expatriação...
Talvez por isso os historiadores da emigração portuguesa (Joel Serrão, por exemplo) não resistam a olhar as partidas ininterruptas de 500 anos e não apenas de 150 ou 200 anos de migrações, em sentido estrito. De facto, não se consegue traçar, com precisão, os contornos da passagem de um ao outro dos fenómenos – o último a suscitar maior confronto entre vontade do Estado e a do povo, entre uma emigração que os governos não pretendiam naquela dimensão, ou para aquelas paragens. Ou que queriam apenas temporária, mas que os protagonistas converteram em definitiva, sobretudo quando se generalizou a saída de mulheres, de famílias inteiras. O regresso definitivo era a parcela menor e não aumentou após a independência do Brasil, que continuou a atrair vagas (crescentes...) de portugueses.
As duas grandes migrações de retorno aconteceram só na segunda metade do século XX: a da Europa, voluntária, bem preparada, gradual, ano após ano, atingindo o auge nas décadas de oitenta e noventa - e a de Africa, no curto período da descolonização, súbita e dramática, com cerca de 800.000 retornados a Portugal e muitas dezenas de milhares a reemigrar. O Brasil foi, então, único país que abriu as fronteiras a todos os portugueses, sem olhar a idade, formação profissional, saúde ou fortuna. Um gesto de fraternidade muito concreto, a não esquecer!
O retorno de África vinha em contra corrente, depois da maior emigração de sempre, que fora a dos anos cinquenta e sessenta, apenas estancada, em setenta, pela crise económica mundial. Saíram então quase 2 milhões (para a Europa mais de 1.200.000, para novos destinos transoceânicos, como a Venezuela, Canadá, RAS, Austrália, mais de 500.000). A chegada, em 74/75, de quase um 1.000.000 de portugueses parecia uma situação impossível de gerir. Não foi. Fica para a nossa história e para exemplo geral, o modo como superaram perdas e mágoas inenarráveis, encontraram lugar no país e contribuíram para o seu desenvolvimento. Sucesso assente em políticas de integração, na solidariedade familiar, mas principalmente nas próprias pessoas, no seu perfil empreendedor, na sua vontade de recomeçar a vida, num meio tão diferente, relativamente tão pequeno. Impressionante foi a sua aceitação local, o seu ascendente, revelado no número dos que foram eleitos para cargos autárquicos, logo nas primeiras eleições livres. Um tema a merecer mais estudo e mais destaque do que o que lhe tem sido dado.
É sobre as causas sociais e económicas da emigração portuguesa que as atenções se têm concentrado. Há as estatísticas das partidas dos homens, a que se juntam as do retorno das remessas. Por trás dessa densa cortina de números, mal se adivinhavam outros feitos, outras verdades. A Diáspora era praticamente ignorada, não só pelos políticos, como pelos tratadistas e investigadores da nossa emigração. Até à convocação dos Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, em 1964 e 1967, por iniciativa de Adriano Moreira, presidente da Sociedade de Geografia, ninguém dedicara mais do que uns breves parágrafos à existência de comunidades portuguesas, organizadas numa base institucional, que lhes garantia a sobrevivência, para além das primeiras gerações de imigrantes (coisa que ninguém imaginara possível).
Ora, de facto, tudo o que políticos e académicos viam como compensação de um êxodo de tamanha dimensão - as riquezas do comércio, da exploração de recursos de vastas possessões, e, em cada época, as remessas de emigrantes, tiveram o seu tempo e com ele se desvaneceram. O que resiste é a parte que escapou à perceção de todos - a criação pelos Portugueses de um incomensurável espaço de lusofonia e de lusofilia, a língua, as comunidades portuguesas, e para além delas, um mundo de memórias que hibernam, à espera de uma chamada, de uma aproximação, para ressurgir. Citando Jorge de Sena :“solúvel e insolúvel este povo, na memória dos outros e na sua própria”.
Serão estas as maiores das retribuições de um êxodo excessivo - a virtude do excesso…
Em primeiro lugar, a língua. A língua, viva em todos os continentes, é muito mais o resultado desta expatriação voluntária, em massa, e do relacionamento quotidiano entre os portugueses e os seus vizinhos de outras falas, do que do poder soberano exercido num território. O uso da língua não se decreta sem falantes!
Veja-se o caso paradigmático do Brasil, para onde foram tantos portugueses, contrariando leis e ditames dos governos, que procuravam canalizar essa corrente migratória para as colónias de África (onde, aliás, nem sequer estavam criadas as condições efetivas para o seu aproveitamento). Medidas polémicas, contra as quais se insurgiram os que viam nas novas correntes migratórias condição necessária para preservar a herança linguística e afetiva num Brasil independente, aberto ao acolhimento de outros europeus. Afonso Costa foi um dos que tomou partido, claramente: "Não cometamos o crime de lesa pátria de embaraçar a emigração para o Brasil ou de ali nos deixarmos vencer por qualquer outro povo migrante".
Em causa via, certamente, a língua, sobre a qual Joaquim Nabuco, discursando no Gabinete de Leitura do Rio de J, no 4º centenário de Camões havia proclamado:
“A tua glória não precisa mais dos homens. Portugal pode desaparecer, dentro de séculos, submergido pela vaga europeia, ela terá em 100 milhões de brasileiros a mesma vibração luminosa e sonora ” (100 milhões, então, mais de 200 milhões agora!).
António Cândido, no 4º centenário da Descoberta do Brasil, celebrado a 19 de Maio, no Teatro de São João, do Porto, enunciara, por outras palavras, a mesma ideia - força: “Temos uma longa vida nacional. Não nos escasseiam meios de a nutrir, não nos falece a coragem para a defender. Mas, se, por fatalidade acabássemos, se (…) uma terrível catástrofe geológica submergisse esta parte do continente europeu (…) lá ficariam no Brasil para sempre, o seu sangue, a sua alma, a sua língua.
E, noutro passo: “Poderá a história ser esquecida, poderá o interesse volver-se contrário: resistirá a tudo a afinidade espiritual, a aliança pela língua será eterna.”
Língua europeia, americana, africana, asiática, universal. Legado de partilha de vida, de convivência de gente comum, que a força do poder imperial não contaminou…
Uma última referência às comunidades da emigração - comunidades inteiramente construídas pelos cidadãos, perante o absoluto descaso do Estado.
O fim do império coincide com a atenção dada às comunidades, antes apenas se podendo excecionar as realizações de Adriano Moreira, os dois grandes Congressos, dos quais emergiram a “União das Comunidades de Cultura Portuguesas" e a "Academia Internacional de Cultura Portuguesa".
Vitorino Magalhães Godinho afirmou numa celebração oficial do dia 10 de Junho: “Há um Portugal maior do que o Império que se fez e desfez e que é constituído pelos portugueses, onde quer que vivam”
Também Sá Carneiro vê um Portugal maior :“Foi uma Nação de colónias. Hoje não é apenas uma Nação territorial, é uma Nação populacional, uma Nação de povo (...)“uma Nação de Comunidades”. “É uma cultura, mais do que uma organização rígida”.
A existência da nossa Diáspora precedeu, assim, em vários séculos o seu conceito, o seu reconhecimento. Diáspora que soube organizar-se, para sobreviver, através de um poderoso impulso associativo. No Brasil, o primeiro e o máximo paradigma, com os Gabinetes de Leitura, os Liceus e os Grémios Literários, instituições muito prestigiadas, com as Beneficências e os seus hospitais, que estão entre os maiores e melhores do país, com grandes clubes sociais e desportivos. Por todo o lado onde se fixaram, os portugueses deram vida duradoura a organizações centradas naquelas três áreas (cultura, apoio social, tradições de convívio), associações idênticas nos seus propósitos, apesar de se ignorarem entre si. Semelhança que se deverá ao facto de se inspirarem em modelos da terra de origem.
Portugal, o país das migrações sem fim... Assistimos hoje a um dramático recomeço de ciclo , a exigir dos governos o cumprimento dos seus deveres constitucionais em políticas de defesa dos direitos dos emigrantes e de difusão da língua e da cultura.
O êxodo dispersa agora os portugueses por uma multiplicidade de países em todos os continentes, acentuando a que já era uma das características da nossa emigração.
Mais emigrantes, mais mulheres, esperança de mais diáspora futura, mais Portugal no mundo
maio 16, 2018
SÉRGIO, UM TREINADOR PORTISTA, UM TREINADOR À PORTO
1 - Para mim, festejar um título é sempre subir ao céu (ao céu muito azul), mas o campeonato ganho neste maio de 2018, foi especialíssimo! Fez renascer a esperança no recomeço de um longo ciclo vitorioso, e acordou memórias da primavera de 1956, de um outro campeonato alcançado contra a predestinação, o impossível, ou, talvez, afinal, simplesmente, forças mais ou menos ocultas.
1956! A primeira vitória azul e branca no meu tempo de vida, quando o centralismo nacional ditava o vencedor antecipado, com regras não escritas, mas cumpridas (como nas eleições em ditadura). Só os da minha geração (privilégio da idade) podem comparar, em tudo o que têm de espantosamente semelhante, duas equipas separadas por mais de sessenta anos de história - a de Yustrich e a de Sérgio Conceição. Em ambas, sobressai o treinador, que as impulsiona à sua imagem, unindo um coletivo, em que todos são iguais. Ambas entram em campo de rompante, e partem para o ataque, com a intensidade que o líder lhes inculca, sem nunca vacilar ou desistir. Ambas se apresentam desfalcadas de nomes sonantes, parecendo de menos para o feito enorme que se lhes exige. De fora, poucos acreditam que o conseguirão, porém, eles - Sérgio, como Yustrich, e os seus jogadores - não têm dúvidas, só certezas de alma!
Se quisermos ir ao pormenor, poderemos ver no veloz gigante que é Marega um avatar de Jaburú, no artista que é Brahimi o de Hernâni, e em Sérgio Oliveira o de Monteiro da Costa, "quinta essência" da entrega à luta e de orgulho nas cores da camisola.
2 - Um regresso ás origens... de resistência à adversidade e ao desfavorecimento dos poderes instalados. A primeira vida do FCP decorreu, invariavelmente, assim. Mais obstáculos, mais dificuldades, forjaram o seu caráter. Triunfos com a dimensão da utopia, criaram a sua mística. O sumptuoso troféu que o Povo da cidade lhe ofereceu quando, num "match" particular, derrotou o nº 1 do mundo, um Arsenal no apogeu, era já o prenúncio de uma ambição sem limites, que havia de levá-lo ao patamar proibido - o de campeão do mundo de clubes.
A segunda vida do FCP começa, (como não poderia deixar de ser), numa revolução libertária, em 1974. A revolução chegou ao futebol, com uma inesperada "viragem a norte" e a marca de Jorge Nuno Pinto da Costa.
[44 anos depois, note-se, semelhante rotura está ainda por fazer na política, onde o centralismo, herdado da ditadura, mantém o cerco às atividades económicas, culturais, sociais, fora de Lisboa].
Em liberdade, o FCP pode ser igual, Em igualdade, pode ser superior. Do plano nacional ao internacional. Não era milagre, era organização, modernidade, rigor, liderança... As estruturas organizacionais criavam valores, convertendo jovens desconhecidos, vindos de todo o lado, em estrelas, e apostando em técnicos e treinadores portugueses, que ganharam fama universal - na senda de Artur Jorge e de Mourinho.
Dir-se-ia o "toque de Midas"!
3 - A época de ouro teve o seu ocaso numa longa e dura a travessia do deserto de títulos. Em 2017, com o plantel depauperado e um orçamento zero para contratações, por imposição das regras de "fair-play" financeiro, parecia não haver treinador de renome que aceitasse um convite do FCP. E eis que surge em cena um "voluntário", capaz de trocar o certo pelo incerto, disposto a reduzir a metade o valor do contrato que o ligava a um dos grandes de França e pronto para a missão impossível de salvar o Dragão - o seu clube. Sérgio, o resistente, que desde menino soube viver com pouco, conviver com a injustiça e nunca se dar por vencido. Não era, ao que consta, uma primeira escolha, mas foi, sem dúvida muito melhor do que qualquer outra teria sido.
À chegada, deixou bem claro que vinha para ensinar, não para aprender. E assim foi. Consigo trouxe, de facto, não só o saber muito de futebol, em termos teóricos e práticos, mas também "a arte de ensinar a arte", de levar cada um a redescobrir-se, na sua capacidade de evolução, não apenas individual, mas como parte de um todo. Não é para qualquer um - é só para génios! Como Mourinho, que, nas primeiras declarações, afirmou que, no ano seguinte, iria fazer do Porto campeão - e fez! - para tal lhe bastando dois reforços do Leiria e um do Setúbal, contratados a custo reduzido, Chamavam-se Derlei, Paulo Ferreira e Nuno Valente, aos quais se juntou o incomparável Ricardo Carvalho, que andava emprestado.
Paradigmático, na tradição de Mourinho, o modo como, inteligentemente, conseguiu adaptar as disponibilidades à sua ideia de jogo (ou as táticas às disponibilidades...), como transformou em mais valias, jogadores " descartados" pelos seus diretos predecessores. Recuperação profissional, recuperação humana, numa rota de transcendência, de emoção, que, de imediato, passou às bancadas, e arrastou multidões no movimento imparável para a vitória
Assombroso o ensinamento de Sérgio, que vale tanto para avaliar o passado recente, (nomeadamente, a "performance" dos seus antecessores) , como para preparar o futuro, de preferência com ele.
Sérgio Conceição foi um jogador que admirei imensamente e um treinador em quem sempre acreditei - o que, em tempos recentes, só com Villas Boas acontecera. No que estava muito bem acompanhada. Antes de ser, nesta segunda veste, entronizado na história do FCP, já ele era o herói do povo. E o povo também jogou neste campeonato!
maio 13, 2018
carta a um primo que não gosta de futebol - SOBRE O MEU FCP CAMPEÃO
Muito obrigada pelo "Vivó Puarto"! No sotaque mais tradicional até pode ser "Bibó Puarto"... O que me faz lembrar um episódio passado com Mário Soares (estou sempre a lembrar-me dele, mas a verdade é que é figura central da maioria das memórias divertidas da minha passagem pelas margens da política).
No que respeita a futebol era a tua alma gémea. Não só não o apreciava como o conotava com o velho regime. Quem gosta não pensa assim, a beleza do jogo resiste a qualquer tentativa de aproveitamento político. Eu, por exemplo, com a ditadura só conoto o Benfica, "clube do regime", clube imperial, arrogante, megalómano, símbolo do poder, não do desporto...
Voltando à história do Dr Soares: ele não valorizava o espetáculo nos relvados, mas respeitava a instituição, não faltando às comemorações dos títulos, que o FCP, em democracia, passou a ganhar com regularidade. Encontrei-o, várias vezes, no pavilhão das Antas,naturalmente, mas num ano, não sei porquê. houve, também, celebrações a sul, no casino do Estoril. E lá estava o Presidente Soares e eu ao seu lado, em representação da Assembleia. O programa foi absolutamente atípico - não houve discursos, nada... apenas o jantar, acompanhado por um "show", repetitivo, pois os diálogos e as canções eram-nos apresentados em português e, depois, em inglês... Tenho uma vaga ideia que envolvia piratas... O Dr Soares suportava o "show" de olhos fechados, como que a dormitar, e, quando as as luzes se apagavam, e "acordava", logo que ouvia o som das palmas. Até que, do fundo da sala, alguém soltou um brado, que encheu a sala: "Biba o Puarto, c-----!". (C----- , a versão branda do gripo de guerra, que, nas celebrações deste ano, nos Aliados, fez furor). O Dr Soares abriu os olhos, voltou-se para mim e disse: "Até que enfim, alguma coisa de
genuíno!"
A Dr.ª Maria Barroso pertencia à mesma escola de pensamento. Custava-lhe ver o sobrinho Eduardo Barroso a alardear, o seu clubismo (sportinguista) na TV e parecia-lhe estranho o facto de ele ser muito mais conhecido no país inteiro pelo seu expressivo discurso nesses programas ligeiros de comentário do que pela sua excecional classe como cirurgião (pioneiro dos transplantes, em Lisboa, como o nosso primo Mário foi, a norte, no Santo António). O Alfredo Barroso é, também, mestre nesta ciência e sportinguista, como o primo Eduardo, embora muito mais comedido na análise. O tio Mário Soares, pelo contrário, fazia gala em revelar o seu desinteresse na matéria. Segundo me contou um ilustre dirigente portista, o Dr. Soares, que assistia assistia a um jogo no camarote presidencial, no momento em que as equipas entravam em campo, perguntou-lhe, com toda a naturalidade: "Quantos são de cada lado?".(Esta é história, que não posso garantir, não a testemunhei...).
Eu nunca pertenci ao "plantel" daqueles programas semanais de grande audiência, exceto um,da RTP, em que os comentadores eram numerosos e chamados rotativamente, de longe a longe, e em que me recordo de ter coincidido, com José Lello e com Alfredo Barroso. Foi há tantos anos, que já me esqueci como se chamava... Mas estive, muitas vezes, em outros esporadicamente dedicados ao futebol, em entrevistas do "Expresso da meia noite", das manhãs e tardes da RTP/Porto, da Sónia e do Jorge Gabriel, do Malato e da Merche, ou, em Lisboa, da Maria Elisa. E, durante mais de um ano, participei num programa semanal, de 2ª a 6ª feira, na Rádio Comercial, com um título de sabor sulista: "Os cinco violinos". Cada um dos cinco intervenientes tinha um dia da semana reservado para o seu apontamento de um a dois minutos - lido pelo telefone. Como eu, então, viajava constantemente, falei de destinos tão longínquos como Hong-Kong, Buenos Aires, Los Angeles, Tóquio... ou mais próximos, como Paris e Bruxelas, sem falhar uma única vez... Foi obra!.
Com o Zé Lello, num desses debates, a figura central foi o Jardel, na sua última fase, já de declínio no Sporting. Mesmo tendo deixado o FCP, Jardel continuava sendo o meu ídolo e, ali, me tornei a única voz que se levantava em seu favor, com os argumentos de um afeto antigo... No intervalo, enquanto tomávamos café. o Zé Lello informou-me, direto e sintético : "Manuela, já não posso mais ouvi-la a falar do Jardel - parece a Santinha da Ladeira!". Com a Merche, o pomo da discórdia foi o celebrado Ronaldo. Ela considerava-o o melhor do mundo e pedia apoios para uma espécie de "abaixo-assinado", que corria mundo, a exigir esse reconhecimento. Eu, pelo contrário, achava que superior a Ronaldo, e muito mais influente na produção de jogo da seleção, era Deco, o melhor jogador que vi em campo, em toda a minha vida. Só tarde demais, depois de ter discorrido, alegremente, sobre as superiores qualidades do meu favorito, é que, de súbito, me lembrei que a Merche era namorada de Ronaldo!
Ela, muito simpaticamente, não levou a mal as minhas palavras, mas, em conversa, depois que as luzes do estúdio se apagaram, perguntou-me, com amável curiosidade: "A Manuela é amiga do Deco?". Esclareci que não, só o conhecia a muitos metros de distância, do relvado dos estádios...
Com o Jorge Gabriel, na véspera de um FCP-SCP, em que o palco estava cheio de adeptos das duas claques, com os seus coloridos cachecóis, o dissenso foi sobre guardas-redes, o do Sporting, que era a escolha de Scolari para a seleção (uma escolha que nos custou o campeonato da Europa...), e o do Porto, o mítico vitor Baía. Como o tempo estava esgotado, a imagem passava já com as letras e o som do genérico, eu recorri ao único meio ao dispor, levantei-me e gritei "Baía", logo secundada pela claque azul e branca, aos saltos, no que eu os acompanhei. A imagem falou por si - um final feérico. Foi impulso, porque, em regra, na TV sou mais contida...
Nessa tarde, uma amiga da minha mãe telefonou-lhe a contar que me tinha visto, no ecrã, a dançar!
Tudo isto te deve parecer bizarro...
Se, porém, no futebol não partilhámos gostos, já no óquei em patins estamos e estivemos bem sintonizados, desde crianças. Também eu seguia, pela rádio, os relatos da seleção. O entusiasmo clubista era incomparavelmente menor, pelo menos aqui no norte, porque os campeões eram lá de baixo (Paço de Arcos, etc). Um dia, quando a seleção estava em estágio, escrevi aos jogadores, a pedir autógrafos e eles responderam-me, de imediato. Guardei sempre a carta como um tesouro, que, agora, tenho de procurar.
No colégio do Sardão, as infra estruturas desportivas eram esplêndidas - parecia um colégio inglês: "court" de ténis, ginásio polivalente, mesas de ping-pong, campos de volei, andebol e basquetebol, pistas para bicicletas e até um ringue de patinagem. Só faltava a piscina. Lugar já havia, muito bonito, rodeado de uma pérgola, mas a obra não avançou por questões atinentes aos bons costumes... Entre as freiras, a ala conservadora e a progressista nunca se entenderam quanto ao traje: fato de banho normal ou um modelo especial, com saia até ao joelho (como era obrigatório na ginástica e nos desportos de campo).
O pior era o ritmo de vida do internato, o desconforto dos dormitórios, os duches de madrugada, a missa matutina, a anteceder o pequeno almoço, as marchas de braços atrás das costas pelos longos corredores, o confinamento (embora numa grande casa rodeada de uma enorme quinta, que terá pertencido a Almeida Garrett). O melhor era desporto, que, contando os tempos de recreio, me ocupava várias horas por dia. Horas felizes!
Nem sei se era particularmente dotada para a prática desportiva, ou não. Penso que não, mas compensava qualquer défice com velocidade e entusiasmo, levando tudo (e todas) pela frente. Temível... No futebol, imitava o Séninho, um célebre extremo do FCP, que batia todos na corrida, e arriscava sair pela linha de cabeceira, com a bola... O Séninho acabou bem a carreira, do Porto transitou, com um contrato milionário, para a América, onde, então, o "soccer" dava os primeiros passos. Para a cultura americana, falta ao "soccer" o condimento da violência, que abunda no futebol americano e no óquei sobre o gelo, que não é muito mais "civilizado". A última vez que assisti a um jogo de óquei foi em Toronto e, por sinal, a equipa mais dura estava a ganhar, e o espetáculo decorria mansamente. Para compensar a sensaboria, os grandes ecrãs, suspensos do teto, transmitiam imagens terrivelmente agressivas de jogos anteriores, para "animar a malta". Fiquei estarrecida...
O futebol feminino, que só conheço pela TV, é muito bonito, menos violento, menos faltoso e cada vez mais tecnicista. EUA e Canadá apresentam excelentes seleções, a par da China, da Alemanha, da Suécia, do Brasil... Nós estamos longe do topo, mas vamos evoluído.
Todavia, as Doroteias do Sardão, nos anos 50, tinham colocado o futebol no "index". Proibição e penas pesadas para chutos na bola! Nada que me dissuadisse de organizar partidas clandestinas. Em geral, começávamos pelo legalíssimo andebol, que passava a futebol, logo que víamos a vigilante, sentada num canto e absorvida em leituras e orações. Um dia, porém, numa pausa da leitura, houve uma que percebeu a diferença entre as duas modalidades... Presumiu - e bem - que a responsável pelo desacato era eu e denunciou-me. Fui, de imediato, levada ao gabinete da Madre Superiora, em estado de crescente preocupação com a sentença que me esperava. Os castigos rotineiros pouco me ralavam. O mais comum era escrever qualquer coisa edificante, umas 500 vezes. Neste caso, poderia ser: "As meninas bem comportadas não jogam futebol". Ou, em alternativa, ficar isolada nas pequenas celas onde decorriam lições de piano - fora do horário das lições, naturalmente. Durante uma ou duas horas, era coisa muito agradável, ca companhia de um livro ou de um caderno para escrever (uma vez deixei-me lá ficar pela noite dentro e as freiras andaram angustiadamente à minha procura e, quando deram comigo, esquecida no quartinho do piano, pediram-me desculpa, em lágrimas, e, de seguida, deram-me um jantar melhorado. Na verdade, a porta estava aberta, eu podia ter saído, mas estava distraída, estava bem... Porém, castigo para delitos mais graves podia chegar à proibição de saída no fim de semana. A bomba atómica dos castigos, raramente aplicável, porque, na verdade, atingia a família inteira. Pessimista, era o que eu antecipava no trajeto de ida ao encontro da Superiora. Ela recebeu-me, com um inesperado sorriso e disse-me palavras ainda mais inesperadas. Em síntese, isto:
"Manuela, o futebol não é um desporto próprio para meninas. Não podes organizar jogos com as tuas colegas. Nunca mais! Mas eu compreendo a tua paixão pelo futebol e por isso, para ti, vou abrir uma exceção. De hoje em diante, tens a minha autorização para jogar - as outras não!
As "Madres" também podem ser pessoas sensíveis e com sentido de humor... Para mim, foi um momento inesquecível, porque lhe achei muita graça e porque, assim, ficavam garantidas as minhas 48 horas de liberdade e uma provável excursão dominical ao estádio das Antas. Claro que continuei a organizar torneios de futebol, em que era a maior goleadora, e, que me recorde, nunca mais fui apanhada em flagrante delito.
Pertenci sempre ás "seleções" do colégio, nos desportos permitidos, o que não significava grande coisa. Apesar de termos um excelente treinador (Edgar Tamegão, campeão em não sei quantos desportos). a matéria prima era tão fraca, que nunca fomos longe.
Tal como a Raquel fico nervosa quando pressinto risco de fracasso nas minhas equipas e, cada vez mais, evito enervar-me... Noutros tempos, aguentava firma na bancada. Tenho, há muitos anos, o meu lugar anual na bancada central do Dragão e estou prestes a receber o meu emblema de ouro (podiam ser muitos mais, não fosse o hiato, de que falo adiante). De qualquer modo, nos jogos mais emocionantes, cedo o meu cartão a uma afilhada, bisneta da Tia Carolina, a Teresa, que é tão "fanática" como eu, tem menos cinquenta anos e nervos de aço! No lugar ao lado, senta-se o irmão, António. Faz anos em julho, mês de renovação de assinaturas, pelo que lhe ofereço o lugar anual como presente. É o meu companheiro habitual no Dragão, quando lá vou, como, nos meus tempos de juventude, eram os seu bisavô Serafim e o seu avô António. Não falhávamos um jogo nas Antas.
Em criança era com o meu pai que ia ao estádio, e foi ao seu lado que festejei o "meu" 1º título do FCP, em 1956 (depois de 13 anos sem conhecer a euforia da vitória). O treinador era Yustrich, um brasileiro, de Minas Gerais, de ascendência alemã. O nosso ídolo! Um vanguardista, no que respeita a treino, estágios, concentração na véspera dos jogos - na altura. o "jamais vu"... As vedetas de então ensaiaram uma variante da "revolta na Bounty". Foram todos borda fora, e, depois, ele conseguiu fazer uma equipa fantástica. Homem de afrontamento, afrontou também a direção, o presidente Dr Cesário Bonito e os outros. Acabou despedido, com p povo azul e branco, ao seu lado, então e para sempre! Muitos portistas, entre eles o meu pai, ano auge da indignação, rasgaram o cartão de sócio. Portistas de alma, mas não de cartão...
No ano seguinte, o FCP voltou à rota descendente, e poucos títulos nos deu, até aos tempos novos da revolução de 74. No futebol, a revolução foi capitaneada por Pinto da Costa. O centralismo perdeu, a regionalização avançou. Na política, não! 44 anos depois, Portugal continua a ser dos países mais centralizado da UE, uma espécie de México da Europa...
E, por hoje, basta de futebol! Prometo não voltar ao tema.
abril 27, 2018
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