março 31, 2010

O meu candidato continua a ser PEDRO PASSOS COELHO

As razões porque apoiei Pedro Passos Coelho são as mesmas que me levaram a apoiar, com grande entusiasmo, o Dr. Sá Carneiro, desde antes de 1974, e, depois, o Prof. Cavaco Silva na década de 80: a subjectiva certeza de que ele é o melhor, não só para liderar um partido de oposição, mas também para governar o país – tarefa a que acho que vai ser chamado, não tardará muito.
É uma escolha absoluta, em relação não só aos candidatos que se apresentaram, agora, à eleição, mas a todo e qualquer outro militante social-democrata de primeiríssimo plano.
Considero-o um expoente da sua geração – a geração à qual cabe salvar Portugal da descrença em que se afunda - com gente da mesma geração, diga-se em abono da verdade...
Passos Coelho tem experiência política de liderança, desde muito jovem e, por isso, um já longo passado democrático que fala por ele: integridade moral, carácter, competência profissional, inteligência e sensibilidade para os problemas concretos das pessoas, coerência de percurso, feita de idealismo e de pragmatismo, na combinação certa.
Eu diria que é um homem de ideias firmes, mas não de ideias fixas: sabe ouvir os outros, é moderno, tolerante e aberto. Preparou-se, no diálogo, na reflexão, no trabalho de equipa ao longo de 30 anos de acção cívica.
O resultado viu-se bem nos debates que a televisão nos proporcionou, e que ele ganhou, um a um: conhecimento de causa, sentido de missão (como a política se fez, logo a seguir ao 25 de Abril e antes de instalada a quase "omnipotência" dos partidos grandes...). Com a coragem de fazer opções, em época de crise - determinado, mas sem quaisquer laivos de arrogância e prepotência.
Nas antípodas do modo de ser e agir do actual Primeiro Ministro, a alternativa de que Portugal precisa, no tempo concreto que vivemos (o mesmo se podendo dizer, aliás, qualquer outro tempo...).

março 29, 2010

Prefácio para um livro de leitura imprescindível: apitos dourados, finais e algo mais...

O Dr.Fernando Sardoeira Pinto pertence a uma estirpe rara enquanto homens do desporto que é também homem de cultura e homem de carácter - sendo, para além disso, nortenho e portuense, dos que citam Sofia de Mello Breyner para evocar a "pátria dentro da pátria". Um "dragão de causas", símbolo do espírito inquebrantável do FC Porto,
voz dos seus adeptos, em quem nos sentimos esplendidamente representados, todos os que somos portistas como ele.
Presidente da Assembleia Geral do FC do Porto a partir de 1982, desde o primeiro mandato de Jorge Nuno Pinto da Costa é, com o amigo e aliado de sempre, obreiro da aventura que levou à transformação de um clube "de província", como era chamado depreciativamente, para o clube de craveira universal que deu ao País os títulos europeus e mundiais de futebol, que a própria selecção nacional não conseguiu ainda alcançar.
Aventura colectiva que começou por aproveitar os ventos de mudança do Portugal democrático para repor a verdade das capacidades e dos talentos de quem era secundarizado por força bruta de um centralismo implável imposto pelo regime e que, da política, extravazava para todos os domínios, como era o caso particular do futebol.
A ascensão do FC Porto deve-se antes de mais, a estes dirigentes que trouxeram a democracia e a igualdade de oportunidades para o rectângulo de jogo, permitindo, então, aos próprios executantes colherem a glória e os louros de uma superioridade real.
Os senhores do velho sistema renderam-se a um fenómeno que julgaram transitório, vendo azuis e brancos somarem, ano após ano, vitórias a nível nacional tanto quanto internacional. Até que parecem ter perdido a esperança de lutar, em campo, com armas iguais e desenharam estratégias que passavam por outros campos e outras armas!
Este livro conta, em português de mestre, em palavras que fluem com o rigor e a simplicidade, que é arte dos grandes jornalistas, a crónica de um tempo do futebol profissional português, o início do século XXI, marcado ou manchado por uma tentativa de abater o gigante em que convertera o maior clube nacional, decapitando-o da sua liderança - à falta de outros meios que lograssem atingir o mesmo fim, dentro de fronteiras...
O livro é, assim, um contributo mais do Dr. Sardoeira Pinto para a causa da justiça, e um subsídio precioso para a reconstituição de um período irrepetível da justiça - ou injustiça - portuguesa, de um processo ramificado em vários outros, que se arrastou pelos tribunais de todas as instâncias, incluindo as desportivas, no país e na Europa - ultrapassando fronteiras com foros de escândalo, deliberadamente provocado ou instigado para a pura e simples destruição de um competidor demasiado forte. Os vários processos dos "apitos", de variadas cores e outros mais episódios e acontecimentos, que ajudam à sua descodificação e plena compreensão são aqui detalhados e sistematizados, com datas, nomes, tomadas de posição e decisões, guardados e patenteados para memória futura.
Para que os vindouros não esqueçam e não tolerem a recorrência de tais expedientes: a volta dos Calabotes, de que nas suas páginas também fala.
E se o conteúdo é, nesta perspectiva uma mais valia extraordinária, também na originalidade da forma e da metodologia o livro se recomenda.
Começa o autor por procurar satisfazer a pergunta que lhe coloca um jornalista sobre qual foi o melhor momento da sua vida. Fiel a si próprio, quer dar uma resposta verdadeira, pensada, definitiva. E, nas primeiras páginas, parte numa demanda, que é uma fascinante "viagem de descoberta", conduzida pelo olhar sobre um mundo de emoções e de vivências, que quer partilhar connosco, e em que revela muito de si, do ser humano excepcional que é, e das suas paixões, entre elas, a "pátria dentro da pátria", e, naturalmente, o FC Porto.
E, consequentemente, não vão os leitores surpreender-se ao verem (perdoem-me se anticipo a conclusão), que o Dr. Sardoeira Pinto inclui no número extrememente restrito dos melhores momentos da sua vida o epílogo dos processos dos "apitos finais, dourados... e outros mais".
Muitos o acompanham, por certo, nesse sentimento. Porque o epílogo fez justiça ao Porto e abriu-lhe caminhos de futuro, que havia quem quisesse barra-lhe a qualquer preço, mesmo o da iniquidade e da vergonha nacional.
Este é o livro que todos os portistas quereriam ter escrito e que todos os desportistas vão gostar muito de ler.

março 25, 2010

Deixem-nos jogar !

Está em vigor um regulamento sancionatório de agressões a agentes desportivos que é atentatório dos direitos dos jogadores de futebol à prática do desporto profissional, e que, por isso, devia ser alterado de imendiato e com efeito retroactivo (porque a retroacção da lei só é indevida quando se trata de salvaguardar direitos adquiridos ou prevenir outras formas de prejuízo - e neste caso ninguém poderia legitimamente invocar um prejuízo!).
Os autores do regulamento, note-se são, nada mais nada menos, do que as entidades patronais, os clubes de futebol.
O incompetentissimo jurista, que é o rosto visível (demais!) da Comissão de Disciplina da "Liga" (uma desgraça nunca vem só, e à má qualidade das normas vem acrescendo a péssima qualidade dos juldadores...), naquela paradigmática conferência de imprensa, longa e apalhaçada, em que veio anunciar os castigos de Hulk e Sapunaru, só num ponto teve razão: esse regulamento, que disciplina agressões de jogadores a "agentes desportivos", conduz a resultados injustos e excessivos.
Certo! Face a actos semelhantes, que atingem quaisquer outros cidadãos (sejam eles jogadores, anónimos ou ilustres componentes do público, seguranças privados ou pequenos "apanha-bolas"), impõe para aquela categoria de "intocáveis" castigos imensamente mais gravosos. E, nessa desigualdade, nessa desconformidade absurda, assume um carácter profundamente "autoritário" e discriminatório.(Na época aurea da revolução de 1974 dir-se-ia: "é uma lei fascista" - e, aqui, no sentido em que então se usava o adjectivo, muito a propósito, convenhamos!)
Um ligeiro agravamento da pena quando estejam em causa "autoridades" seria coisa aceitável. Mas chegar à multiplicação por 6 (como aconteceu com Hulk!), 2o, 30, é um achado de "legislador desportivo" absolutamente insensato. E não havendo a mediação de uma entidade disciplinar prudente e inteligente, o efeito só pode ser potenciado no momento da aplicação do regulamento, como foi...
Estão, assim, equacionadas, para um mesmíssimo acto, sanções que configuram, como diz o povo, o "oito e o oitenta".
Hulk e Sapunaru, indevidamente enquadrados no "oitenta" viram a instãncia de recurso reduzir drasticamente para o "oito" o castigo - que já tinham cumprido a mais(em suspensão preventiva). Vandinho, cujo acto é subsumível nessa regra "oitenta", viu mantido a bárbara punição. Acompanho os adeptos do Braga, quando gritam : "É uma vergonha!"

A diferença reside nisto: Hulk e de Sapunaru, que foram provocados e responderam a provocações de agentes de segurança privados do Benfica (que nem sequer estavam, pelos regulamentos, autorizados a permanecer no túnel onde tudo se passou!) a CD da "Liga" aplicou a despropósito o regulamento.
Os seguranças contratados por um clube - no caso, como ficou provado, uns vulgares "arruaceiros" - foram, artificial e espantosamente, convertidos em "agentes desportivos" - para "tramar" os jogadores.
Contra esta aberrante aplicação das normas logo se insurgiram, em esmagadora maioria, os especialistas de direito desportivo.
O Conselho de Jurisdição da FPF limitou-se a dar o devido enquadramento jurídico aos factos imputados a esses dois jogadores. Entram, pois, na moldura disciplinar menor.
Como ambos estavam suspensos por cerca de três meses, perderam 15 ou 16 jogos em que deveriam ter alinhado. Um escândalo!

O caso Vandinho é também um escândalo, mas por outra razão. O enquadramento jurídico não está em causa. O alvo do que foi qualificado como "tentativa de agressão" era, efectivamente, um "agente desportivo", um treinador adjunto do SL Benfica. Todavia, 3 meses de suspensão para um acto que nem chegou a ser "agressão", mas mera tentativa parece não caber na cabeça de ninguém em seu perfeito juízo!...
Encontrões, empurrões, esbracejar, vocifrar são coisas do quotidiano do nosso futebol, que nunca deram em castigo idêntico, nem de longe nem de perto. É um precedente medonho. Mas não creio que vá constituir precedente. Acho que foi caso único... Especial para Vandinho...
Porque é uma peça chave na equipa sensação deste campeonato, o candidato ao título SCB? Acham que não os que acreditam demais em puras coincidências...
Vandinho é um jogador insubstituível para o Braga, como Hulk é para o Porto.
Os imbróglios envolveram o Benfica, e beneficiaram o Benfica, face aos seus mais directos competidores. Coincidência?...

O Presidente da Liga demitiu-se, no dia em que foi conhecido o resultado do recurso de Hulk e Sapunaru. Daí não vem mal ao mundo do futebol. O mal vem do que ele disse: a decisão do Conselho de Justiça "tem implicações que ultrapassam a justiça desportiva".
Estranha afirmação!
Não entendeu ele que, desde o início, a questão era eminentemente jurídica, ou seja, na expressão dele, de "justiça desportiva"? Com grandes nomes do direito desportivo a defender a solução que a instância de recurso perfilhou?
O que ele esperava, pelo visto, é que tinha contornos ou implicações que ultrapassavam a questão de Direito e inviabilizavam um juízo independente da 2ª instância...
Felizmente, esta instância, tal como eu, na qualidade de jurista, esperava, fez bom uso da sua independencia e ninguém se poderá queixar disso.
Quando Madaíl se apressa a vir dizer que as decisões da justiça lhe passam ao lado, vem dizer o óbvio. Assim deve ser, em nome da separação de poderes.
Que existe na Federação como deve existir na Liga.
Porém, se existia essa separação na Liga, porque é que se demitiu Hermínio Loureiro, o presidente do executivo, em vez de se demitirem os membros da Comissão Disciplinar?

Em suma: Mudem as pessoas, logo que possível.
Mas, e de imediato, mudem também o regulamento, se reconhecem que ele é iníquo. Deixem jogar o Vandinho!
Afinal estamos no país em que o trinador da selecção nacional agride, num aeropoto, à vista de toda a gente, um jornalista, agente UEFA, e não lhe acontece nada! talvez em nome dos nossos brandos costumes.
Mais um bom motivo para lembrar que por muito menos está o jogador do Braga suspenso por três meses.
Deixem jogar o Vandinho!

CONVICÇÃO REFORÇADA

Grande intervenção de Pedro Passos Coelho em Aveiro, num auditório cheio.
Sereno e seguro. Objectivo e preciso. Tudo bem pensado, articulado, ajustado à dura realidade, que é, neste momento, a do país e a do partido, também.
Um partido, em estado de instabilidade, cizania e indefinição - consumindo lideranças, uma atrás de outra, e a última a mais fraca de sempre.
Se no PSD o maior problema é o escasso tempo de vida de cada liderança, no país, pelo contrário, é a estabilidade ou excessiva duração de um governo em queda livre para o abismo.
Um governo e, com ele, o país.
É preciso não ter medo de confrontar este governo com os seus fracassos - e de o substituir, na hora certa.
Passos Coelho, na minha leitura das suas palavras, disse que não tinha medo.
Lembrou-me Sá Carneiro, no tempo em que falava de "IMPASSE" (que é precisamente o que hoje temos, de novo, pela frente), quando à sua volta todos tinham medo da mudança. Na sua própria comissão política, como conta no livro que tem o título de "Impasse", chegou a ser derrotado por 15-1...
A auto-proclamada intelectualidade deste partido cultiva ainda, como então, esta tradição de tibieza... Caso dos "situacionistas" de agora, que, espero, sejam, amanhã, os vencidos - "conditio sine qua non" para sairmos do impasse.

março 23, 2010

IMAGENS DE NEWARK




A MANUELA COM A CÔNSUL-GERAL Dra MARIA AMÉLIA PAIVA E COM AS MENINAS PIANISTAS, QUE ACTUARAM E RECEBERAM GRANDE APLAUSO.


A CÔNSUL E A MANUELA TAMBÈM.

março 21, 2010

CENTENÁRIO EM BERKELEY

Berkeley poderá ter sido a única universidade fora do território português a organizar grandes comemorações do Centenário da República. Mais: a única comunidade portuguesa do estrangeiro a integrar as suas iniciativas no plano nacional de comemorações!
Mérito, antes de mais, da Professora Deolinda Adão, que dirige o Departamento de português naquela tão famosa instituição universitária e que teve a visão e a audácia de fazer a proposta em bom tempo. Mérito repartido com os historiadores que deram corpo ao programa: Richard Herr, professor "emeritus" e António Costa Pinto, uma dupla académica, que já organizou eventos memoráveis no passado.
Memorável também este foi - e será, cada vez mais, no futuro, como é da esssência dos eventos memoráveis...
Pena foi que o acidente da Drª Maria Barroso - um braço partido, que a não impediu de presidir ao início de comemorações em Espinho, mas inviabilizou, por completo uma ida ao far-west da América... - não tivesse permitido a sua presença e a do Dr Mário Soares, que estava convidado a presidir à Conferência de Berkeley. No entanto, graças às modernas tecnologias, esteve entre nós, no video, numa bela mensagem de encerramento .Com o brilhantismo e a simpatia que o caracterizam!
A minha parte foi olhar aquilo em que a República mais me atrai: falar sobre a metade da República a que adiro, afectivamente, ideologicamente - a metade feminina. A utopia da igualdade de género, em 1910.





março 19, 2010

MULHERES DA PRIMEIRA REPÚBLICA - conferência da Drª MARIA BARROSO - Espinho, 5 de Março de 2010

Conhecendo a desigualdade de direitos que persistiu ao longo dos séculos entre as mulheres e os homens, não poderíamos deixar de nos surpreender com o oásis que representou o período da I República.
Ainda nos finais do século XIX, Portugal assistiu ao nascimento de algumas mulheres que, antes da República ou mesmo não partilhando o republicanismo, começaram a lutar, com coragem, pela melhoria da situação das mulheres, então, extremamente subalternizadas na sociedade e na família. Não havia educação oficial para as meninas. Saber ler era raro e não tinha importância. Antes pelo contrário, já que, segundo as concepções vigentes, o sexo feminino deveria manter-se reservado e longe das más influências transmitidas pela leitura. É certo que a maioria da população era analfabeta. Mas as mulheres atingiam mais de 80% do total.
O ensino primário começou a existir tarde mas, para as raparigas, nele se conteúdo incluíam os lavores e as prendas domésticas necessárias às formandas, cujo principal destino era o casamento e a família.
O ensino secundário ainda foi mais tardio e o primeiro Liceu feminino – Maria Pia – é de 1906.
Este panorama da educação no nosso País explica as dificuldades das mulheres e é explicado pelo atavismo e preconceitos em relação aquilo que era importante para as suas vidas, na opinião dos homens.
O acesso às Universidades era ainda mais difícil. As mulheres “sábias” e as “doutorices” eram ridicularizadas e, pelo riso e troça, os homens acabavam por mantê-las longe dos cursos superiores.
Os tempos foram mudando. Certamente, algumas notícias chegavam da Europa e da longínqua América despertando as jovens para a injustiça das desigualdades e para as dificuldades que foram criadas às mulheres que não tinham pai ou marido para as sustentar a elas e à família. Trabalhar fora de casa era também um tabu. Ficando sem recursos, as mulheres da burguesia lograram ultrapassar os obstáculos escrevendo ou ensinando, trabalho por que auferiam parcas retribuições para a sua sobrevivência. Naturalmente, que tendo nascido dentro de famílias mais ou menos abastadas, elas eram as únicas a beneficiar de alguma instrução, muitas vezes, com professoras no domicílio e eram também as únicas a poder usar o seu talento para sobreviver.
A oposição social ao trabalho das mulheres não se verificava, porém, relativamente ao povo, às mais pobres, que partilhavam o destino dos trabalhadores rurais e operários, ganhando, contudo, muito menos do que eles.
Neste enquadramento, sumariamente descrito, viveram, trabalharam e sofreram algumas mulheres da transição para o século XX e do início desse século que foram fazendo o caminho para as reivindicações sociais, muitas delas incorporadas na Revolução Republicana. Esperavam as que aderiram à República e às suas instituições – quase todas – que este novo sistema político curasse a sociedade de todos os males. Muitos escritos de mulheres ilustres, como Ana Castro Osório e outras feministas defenderam que “a República não sendo na forma de governo nova nem perfeita… é, no entanto mais lógica, mais compreensível à nossa inteligência e mais tolerável à nossa razão, dando-nos também garantias de progresso”. Ana Maria Gonçalves Dias afirma, igualmente, no Congresso Republicano do Porto, em 1910, que todas as mulheres feministas deveriam ser republicanas, visto que só da República se podem aguardar leis igualitárias e justas. E, com efeito, muitas leis foram publicadas pela I República, em benefício das mulheres e muitas medidas foram tomadas para melhorar a sua situação: novas leis do casamento e filiação baseadas na igualdade, o direito de trabalhar na função pública, a escolaridade obrigatória até aos 18 anos para ambos os sexos e abertura, pela primeira vez, de uma Cátedra a uma mulher, (Carolina Michaëlis de Vasconcelos a quem é concedido o grau de doutor), o início dos cursos de direito para mulheres e exercício da advocacia, até então vedado (Regina Quintanilha).
Como afirma João Estêvão, na obra “Mulheres e o Republicanismo”, “durante 20 intensos anos assistiu-se à adesão ao ideal republicano; ao combate à monarquia; … à criação de organizações partidárias, feministas e femininas; à formação de reivindicações; … à realização de dois Congressos Feministas e de Educação (1924 e 1928). Em momentos únicos, as mulheres estiveram lá. Pensaram, debateram, organizaram-se, actuaram. Escreveram, opinaram, polemizaram. Discursaram, aderiram a causas. Politizaram-se. Alugaram sedes, calendarizaram reuniões. Reivindicaram, peticionaram. Expuseram-se, lutaram, correram riscos, sofreram incompreensões, injúrias e agressões. Marcaram presença em sessões, reuniões, festas, saraus, comícios, congressos, homenagens, celebrações, cortejos, manifestações, funerais, romagens. Foram para a rua. Associaram-se, desassociaram-se, reagruparam-se, conforme desavenças pessoais, divergências de opinião, de estratégia, de liderança e de rumo consoante se assumiram mais como feministas do que republicanas e vice-versa, sendo muitas vezes ambas as coisas, o que originou também fracturas entre as duas causas, com prejuízo para o reforço das respectivas lutas e consequências para a República”.
Mas não se pense que os homens republicanos queriam todos a inteira igualdade entre as mulheres e os homens. António José de Almeida, que apoiou a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, esclareceu numa reunião em 1908 o que pretendia daquela organização: “Não se trata de ir ao Parlamento reclamar o voto das mulheres. Não se trata de trazer mulheres para a rua ou para os clubes, envolvendo-as numa febre de agitação a que a mulher portuguesa é tão esquiva e refractária. Pretende-se que cada uma delas exerça na sua esfera de acção, na sua família, nas suas relações, o influxo do seu espírito e o exercício da propaganda”.
A Liga não aceitou este estreito campo de actuação e procurou pugnar pela igualdade entre mulheres e homens, em casa e na rua.
Passado algum tempo e na sequência de posições como a de António José de Almeida advieram desilusões entre republicanos que não viam satisfeitas as aspirações das mulheres.
Ana de Castro Osório recordou às mulheres os acontecimentos anteriores à Revolução Francesa em que aquelas foram utilizadas e de seguida remetidas ao silêncio.
Mas as conquistas da I República foram uma realidade. Entre 1908 e 1928, data do segundo Congresso Feminista e de Educação, verificou-se um enorme incremento da vida cívica e política, tanto a nível associativo como na visibilidade pública enquanto força de pressão sobre os poderes constituídos.
O oásis que as mulheres e os democratas, em geral, construíram teve aquela duração bem curta. Em 1926 inicia-se a Ditadura Militar, sendo dissolvido o Parlamento. Em 1927, teve lugar uma revolta militar e civil no Porto contra a Ditadura Militar, mas foi vencida. O Governo da Ditadura acabou com o regime de coeducação nas localidades em que existisse mais do que um estabelecimento de ensino não superior.
Viveu-se a partir daí um longo período de apagamento da acção das mulheres e dos seus direitos. A Constituição da República de 1933 vem legitimar as discriminações contra elas ao estabelecer a igualdade dos cidadãos perante a lei “salvas”, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem estar da família, o que legitimou, até ao 25 de Abril, todas as discriminações existentes na vida cívica e política, na família e no trabalho.
As republicanas que viveram um período de 20 anos de intensa luta deixaram às gerações que se lhe seguiram um legado que acabou por não ser aproveitado senão muitos anos depois. Foi pena! Porque poderíamos ter sido um país exemplar e progressista se as mentalidades retrógradas do século XIX não tivessem continuado a florescer durante quase todo o século XX.
As mulheres que ajudaram a implementar a I República e a tornar brilhante e grande o seu pequeno percurso, mulheres que foram feministas, pacifistas, maçónicas-livre-pensadoras e republicanas, merecem a nossa admiração e homenagem. Elas foram autênticas guerreiras, tendo conquistado posições que, só cinquenta anos depois, a partir de 1974, conseguimos começar a readquirir e alargar.
Mas que mulheres foram essas? Qual o seu perfil e identidade? A homenagem que desejo propor não pode, infelizmente, por escassez de tempo e benefício da vossa paciência, contar a biografia completa das várias personalidades que constituíram o eixo feminino da I República. Nem esta seria a oportunidade de o fazer. Assim, limitar-me-ei, num resumido apontamento a referir quem são e o que justifica o seu lugar na História. Antes, porém, uma referência deve ser feita, ao facto de feministas ou não, republicanas ou não, todas em geral, terem defendido a instrução e a educação para as mulheres, como factor essencial da sua valorização na família e na sociedade. Ao não terem sido, devida e atempadamente ouvidas, o nosso País perdeu muito do seu alinhamento no progresso e no desenvolvimento, cujo défice ainda hoje sentimos.
Maria Antónia Pusich, mulher culta e instruída, publicou em 1849, a Assembleia Literária que foi o primeiro jornal fundado por uma mulher, tendo tido a coragem de dar a público o seu nome. Fez da escrita o seu modo de vida, para seu sustento e de seus filhos.
Depois da criação do primeiro jornal, muitas outras mulheres passaram a subscrever artigos e mesmo a dirigir publicações. E não se pense que se tratava apenas de imprensa feminina. Investigações feitas relativas ao século XIX, revelam que muitas mulheres colaboraram em jornais literários, noticiosos ou políticos, usando, por vezes, nomes masculinos para fugir à censura social. Teresa Leitão de Barros em “Escritoras de Portugal”, de 1924, descreve as condições difíceis que as mulheres enfrentavam para serem escritoras. Podiam ser estimadas como autoras recreativas, dizia, mas eram postas à margem da sociedade burguesa pela sua situação de mulheres independentes e chefes de família.
Guiomar Torrezão, nascida em 1884, numa família burguesa, desde cedo teve também que prover à sua substância, dando lições de instrução primária e francês, ao mesmo tempo que se iniciava na escrita, com elevado sucesso. Traduziu obras de escritores célebres e trabalhou em vários órgãos de imprensa, designadamente no Diário Ilustrado, Diário de Notícias, Voz Feminina e outros.
Tendo que trabalhar por gosto, mas essencialmente por necessidade pois o pai falecera cedo deixando a família em precária situação económica, Guiomar depressa reconheceu a importância de uma formação superior, a qual, não teve condições de adquirir. Apesar das adversidades, sendo detentora de uma superior inteligência e engenho, cumpriu um brilhante destino como mulher e escritora. Como pioneira lançada numa sociedade conservadora, Guiomar Torrezão, sofreu, como outras mulheres, calúnias, críticas e invejas.
Guiomar contou, porém, com apoios importantes, nomeadamente de Fialho de Almeida, que, por altura da sua morte, depois de elogiar o seu carácter e mérito, diria que “para ser verdadeiramente alguém, ela só teve um obstáculo, o meio onde apareceu e se fez gente. Em Londres ou em Paris, teria sido ilustre. Em Lisboa, quase a quiseram tornar cómica”.
Guiomar deixou vários romances, contos e peças de teatro, representadas nos teatros de Lisboa.
A sua tristeza e conformismo perante uma sociedade tão conservadora está bem patente quando escreveu de si própria, que a sua vida literária era “obscura, improfícua, pobre e triste …” Esperaria mais reconhecimento e também uma vida mais desafogada. E conta que quando no estrangeiro lhe perguntavam quanto ganhava com os seus escritos, via-se obrigada a mentir para defesa da honra do seu país, multiplicando as quantias até atingirem uma soma decente.
Alice Pestana (Caiel), nasceu em 1860, também dentro de uma família burguesa. Aprendeu francês, inglês e piano. Este tipo de educação não a satisfez, porque não queria frequentar salões e precisava de se sustentar e auxiliar a família. Assim, com o auxílio financeiro de uma avó, continuou os estudos, matriculando-se no ensino secundário, ao mesmo tempo que dava lições.
Em 1877, iniciou a sua carreira como jornalista de mérito. Usou um pseudónimo, masculino, CAIEL, como estratégia de legitimação. Além do jornalismo, escreveu livros, contos, novelas e peças de teatro.
Foi grande defensora da educação feminina e encarregada de uma visita de estudo ao estrangeiro para analisar as condições de instrução feminina noutros países.
Fundou, em 1899, a Liga Portuguesa da Paz, de que foi presidente, tendo como outros fundadores, homens ligados ao movimento republicano ou à maçonaria, como Magalhães Lima, Teófilo Braga, Consiglieri Pedroso e Teixeira Bastos.
Tendo casado, em 1901 com um professor espanhol, passou a residir em Madrid. Continuou, porém, a escrever, a estudar e a dar lições, tendo sido professora em prestigiadas instituições espanholas.
Domitila da Carvalho, nasceu em 1871. Frequentou a Universidade de Coimbra em 1891, tendo sido a primeira mulher a fazê-lo. A sua inscrição teve que ser autorizada ministerialmente, a pedido do Reitor, por não haver nenhum precedente. Entrou para o curso de matemática. Mas não ficou por aqui. Em 1899, inscreveu-se também em medicina, juntamente com Sofia Júlia Dias, sendo as duas primeiras mulheres a frequentar este curso. Além de matemática e medicina, obteve ainda a licenciatura em filosofia, tendo alcançado altas classificações em todos os cursos.
Contrariamente a outras mulheres que aderiram às ideias republicanas, esta mulher era monárquica e católica, tendo mantido com a rainha D. Amélia assídua correspondência. O seu percurso político levou-a, mais tarde, a pertencer ao grupo de três primeiras deputadas do Estado Novo.
Abraçou a causa do pacifismo, defendeu a educação das mulheres, mas não defendeu o sufrágio feminino. Foi professora e reitora do Liceu Maria Pia, o primeiro Liceu feminino em Portugal.
Carolina Michaëlis de Vasconcelos nasceu em 1851, de origem alemã. Casada com um português, ficou na história como primeira mulher nomeada, em 1911, para o cargo de professor ordinário de Filologia germânica da Faculdade de Letras de Lisboa, onde não chegou a leccionar por ter sido, entretanto, transferida para Coimbra. Até à sua morte, em 1925, foi a única mulher a pertencer ao corpo docente de Coimbra. Era especialista em várias línguas. Recebeu várias distinções honoríficas tendo sido considerada a mulher mais erudita do seu tempo. Publicou várias obras, resultado das suas investigações literárias, abrangendo escritores antigos e, também seus contemporâneos.
Por curiosidade, anota-se que segundo Joaquim Ferreira Gomes, até ao fim de 1910, tinham-se matriculado na Universidade de Coimbra 23 mulheres e, até 1926, frequentaram essa Universidade 280 mulheres, mais 257 inscritas.
Regina Quintanilha de Vasconcelos nasceu em 1893 e, em 1910, com 17 anos, foi a primeira mulher a frequentar o curso de direito, até então proibido às mulheres. Como estávamos no auge da revolução republicana, Regina Quintanilha foi recebida em festa pela Academia. Os seus colegas estenderam-lhe as capas para lhe dar as boas vindas.
Foi colega de homens ilustres como Manuel de Arriaga, nomeado presidente da República.
Com o advento da República, muitas alterações se verificaram, a nível académico – os alunos não eram obrigados a comparecer a todas as aulas e podiam escolher o seu plano de estudos com cadeiras de qualquer ano. Foi, assim que Regina Quintanilha frequentou, simultaneamente, o curso de Direito e o curso de Letras recém-criado pela República.
Em 1913, Quintanilha requereu autorização para advogar ao Supremo Tribunal de Justiça, autorização que foi concedida transformando-se esta primeira licenciada em Direito na primeira advogada portuguesa. Este facto causou grande impacto na imprensa e no público que acorreu ao primeiro julgamento que ela fez na Boa-Hora.
Regina Quintanilha foi ainda notária e conservadora do Registo Predial e professora no Liceu Maria Pia. Militou no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e foi presidente da Assembleia Geral deste Conselho, em 1917. Esteve ainda ligada à Cruzada das Mulheres Portuguesas.
As conquistas de Regina Quintanilha foram marcantes para a época, pois não era fácil frequentar o mundo do direito, eminentemente masculino. Também não foi fácil o acesso a outras profissões liberais, apesar da luta renhida das feministas contra o preconceito da inferioridade intelectual das mulheres e da “masculinização” que certas actividades provocavam. Bem clamou Elina Guimarães uma ilustre jurista, escritora e feminista, falecida há não muitos anos, dizendo que conhecia muitas intelectuais que eram todas excelentes mães de família, com vários filhos.
Angelina Vidal nasceu em 1853, numa família da média burguesia. Foi uma voz forte da corrente progressista, empenhada na questão social e do operariado. Viveu com imensas dificuldades, inclusive, a nível familiar. Angelina era uma republicana socializante e o pai um arreigado monárquico o que provocava grandes discórdias familiares. Casou cedo, mas cedo se separou do marido que, pouco depois, viria a morrer. Neste quadro, sofreu muitas privações e foi alvo da reprovação dirigida às mulheres separadas, naquela época.
Com uma aguda consciência das dificuldades da classe operária, ela associou o seu feminismo a formas mais amplas de luta.
No meio das suas dificuldades, valeu-lhe a solidariedade ocorrida no âmbito da “Voz do Operário” com a criação de um subsídio mensal, já que lhe fora negada uma pensão a que tinha direito, por virtude da sua actividade política.
Foi jornalista, tradutora e professora, sendo de recordar a sua actividade de escritora – poesia e prosa – e a publicação de peças de teatro. Recebeu prémios internacionais e fez parte da Associação da Imprensa Portuguesa.
Angelina criticou a monarquia, o clericalismo e o sistema económico e social de então. Ela foi a voz dos desfavorecidos.
Adelaide Cabete nasceu em 1867, numa família ligada ao mundo do trabalho fabril.
Começou a trabalhar jovem, após a morte do pai. Dotada de uma enorme força de vontade, estudou e formou-se em medicina. Foi uma mulher empenhada no movimento feminista e na política e uma republicana convicta. Casou-se ainda jovem com um homem mais velho que, contrariamente à generalidade dos homens de então, não pôs obstáculos à continuação dos estudos da sua mulher. Ele investiu mesmo na formação dela, tendo vendido bens para a custear.
Adelaide fez a instrução primária com 22 anos e concluiu o curso dos liceus cinco anos depois. Em 1896 matriculou-se na Escola Médica de Lisboa e teve professores ilustres, como Alfredo Costa, Miguel Bombarda e Ricardo Jorge. Formou-se em 1900. Defendeu como tese “A protecção das mulheres grávidas pobres, como meio de promover o desenvolvimento físico das novas gerações”. É frequente encontrar como preocupação comum a várias destas mulheres a associação entre a condição feminina e as crianças. Escolheu como área de actividade a ginecologia, considerada uma boa escolha, para mulheres, já que a privacidade do corpo feminino tornava mais fácil o recurso a uma médica. Daí, os homens terem defendido, na época, que as mulheres cursassem medicina, apesar de se oporem à educação e ao trabalho independente daquelas.
Mas além de médica, Adelaide Cabete foi também professora, tendo leccionado higiene e puericultura.
Nos princípios do século XX, publicou vários artigos, nomeadamente sobre a condição feminina, versando, muitas vezes, a ligação mãe-criança e o alcoolismo. A luta contra a prostituição foi, igualmente, um tema que lhe mereceu a maior atenção.
A par da actividade profissional, Adelaide Cabete foi um membro muito activo do movimento feminista português. Republicana, era tolerante nas suas ideias mas não sacrificando nunca à ideologia a marcha da conquista da emancipação da mulher.
Em 1907, Adelaide é iniciada na maçonaria, na Loja feminina Humanidade (Loja de Adopção). Depois de terem sido concedidos direitos iguais à Loja Feminina, Adelaide cria a maçonaria mista que durou apenas três anos, chegando a ser a primeira venerável desta Loja. Aliás, viria a fundar Lojas em Lisboa, Alcobaça e Portalegre.
Em 1909 foi uma das fundadoras da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, ao lado de Ana de Castro Osório.
A título de curiosidade e pelo seu simbolismo, anota-se que a Adelaide Cabete e a Carolina Beatriz Ângelo, outra feminista ilustre, coube a honra de costurar as bandeiras asteadas no 5 de Outubro, o que revela a confiança que os revolucionários depositavam nestas duas mulheres.
Em 1914, Adelaide Cabete fundou o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas que, desde logo, se associou a organizações internacionais. Este Conselho deveria, segundo os seus estatutos, ser apartidário, sem linha de orientação política ou religiosa, o que não foi fácil, considerando que há sempre uma marca política na luta pelos direitos das mulheres.
O número de mulheres aderentes ao Conselho era muito baixo, à volta de 500, enquanto que, no estrangeiro, em organizações congéneres, as participantes contavam-se por muitos milhares.
O Conselho organizou dois Congressos Feministas, em 1924 e em 1928.
Adelaide Cabete deslocou-se a congressos internacionais e, na qualidade de representante do governo português, foi ao Congresso de Roma, em 1923.
Ana de Castro Osório, nasceu em 1872 e cresceu num ambiente culto e aberto, numa família que não a privou do contacto com novas ideias.
Estreou-se na vida literária em 1894 e casou em 1898 com um escritor, propagandista e activista republicano.
Em 1911, Ana de Castro Osório acompanhou o marido para S. Paulo, no Brasil, continuando, porém, o seu trabalho como republicana e feminista. Voltou a Portugal depois da morte do marido, mas, nos anos vinte, foi convidada pelas autoridades brasileiras para realizar um ciclo de conferências.
Esta mulher foi uma das mais importantes feministas portuguesas, não radical. Foi ainda escritora, editora, pedagoga, publicista, conferencista e republicana. Era vista como mulher de princípios e convicções, mas tendo uma visão gradualista da transformação social, foi alvo de duras críticas.
É considerada uma das fundadoras da literatura infantil em Portugal, tendo feito uma vasta recolha da tradição popular oral do conto infantil. Não se limitando a esta área da escrita, Ana Castro Osório escreveu ficção para outros públicos.
Aderiu à maçonaria em 1907, tal como Adelaide Cabete, e esteve no início da fundação da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.
Com o prestígio que possuía, Ana de Castro Osório colaborou com o Ministro da Justiça, Afonso Costa, na modificação de situações de desigualdade na condição feminina. Pretendia-se a alteração do Código Civil de 1867 que estabelecia direitos desiguais para homens e mulheres, subalternizando estas.
Depois de voltar do Brasil, Ana de Castro Osório funda uma loja maçónica com o nome da primeira mulher que votou em Portugal – Carolina Beatriz Ângelo.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Ana Osório defendeu o intervencionismo, tendo sido uma das mais importantes propagandistas da participação de Portugal naquele conflito. Esteve na organização da Comissão Feminina pela Pátria e entre o Grupo Fundador da Cruzada das Mulheres Portuguesas, em 1916 que deveria ser visto como uma instituição patriótica e humanitária e não como uma organização de assistência. Fez ainda parte do grupo restrito das mulheres que tiveram cargos no funcionalismo público, ocupando o lugar de inspectora do trabalho e de vogal do Conselho Central da Federação dos Amigos das Crianças, tutelado pelo Ministro da Justiça e Cultos.
Carolina Beatriz Ângelo nasceu em 1877, frequentou o Liceu na Guarda e veio para Lisboa cursar medicina cujos estudos terminou em 1902. Pioneira na prática das intervenções cirúrgicas, foi a primeira médica que operou no hospital de São José, acabando por se dedicar à ginecologia, como Adelaide Cabete.
Pertenceu a vários grupos femininos e feministas. Foi maçon e chegou a aceder ao grau de venerável. Defendeu o sufrágio feminino e em face das divergências existentes no seio da Liga Portuguesa, afastou-se desta organização e assumiu a direcção da Associação de Propaganda Feminista que não teve, porém, grande sucesso entre as mulheres.
Esta mulher ficou na história, não só como ilustre feminista e republicana, mas por ter sido a primeira mulher a votar nas primeiras eleições da República, em 28 de Maio de 1911. Ela reunia as condições legais: era cidadã portuguesa com mais de 21 anos, sabia ler e escrever e era chefe de família. Mas a República recém-formada não permitia que as mulheres votassem. Precisaram de esperar sessenta anos para verem instituído o sufrágio sem restrições, já depois do 25 de Abril de 1974. A revista “Alma Feminina” explica como Beatriz Ângelo conseguiu votar. Ao tentar inscrever-se no recenseamento, o funcionário administrativo indeferiu-lhe o requerimento. Tendo reclamado, o Ministério tutelado pelo republicano António José de Almeida negou-lhe o pedido. Recorreu para os tribunais e ganhou a causa. O Juiz concedeu-lhe o direito de se recensear e votar. Estava em causa a interpretação da expressão da Lei – “cidadãos portugueses” que, no entender dos homens republicanos, não abrangia as mulheres. Em 1913, o governo, para evitar dúvidas, alterou a Lei Eleitoral e especificou que o eleitor tinha que pertencer ao sexo masculino. As mulheres tinham servido para levantar a República mas já não eram necessárias nos trabalhos de ressurgimento nacional.
Beatriz morreu em Outubro de 1911, com trinta e quatro anos.
Maria Veleda nasceu em 1871, em Faro. Republicana, livre-pensadora e professora, Veleda pertenceu à Associação do Registo Civil e a outras organizações femininas. Antes da implantação da República, ansiava pela revolução, pela liberdade, pelo bem, pela justiça e pela redenção.
Foi considerada uma das mais importantes representantes do feminismo proletário, mas demasiado vermelha, segundo a opinião de alguns republicanos (António José de Almeida). Foi uma brilhante conferencista que, devido às suas ideias sobre a emancipação da mulher e sobre a necessidade de melhorar a situação das operárias e dos mais desprotegidos, era convidada para discursar em vários locais e escutada com muito interesse.
Estas são, algumas, quiçá as mais representativas mulheres que precederam e ajudaram a construir a efémera primeira República.
Algumas outras poderão não ter sido referenciadas. A todas, porém, quero cobrir com a mesma homenagem e gratidão por terem desbravado o deserto de direitos cívicos e políticos em que as mulheres viveram confinadas e construindo um pequeno oásis de liberdade e de valorização dos seus direitos. Oásis de curta duração é certo. Mas ele lá ficou encoberto por poeira para o podermos descobrir, como viemos a fazer.

março 17, 2010

DRAGÂO!


O único dos 7 famosos gatos da Manuela , que, até ver, foi retratado por mim

março 14, 2010

O "centennial" em Berkeley

Com um painel de grandes nomes das universidades de Berkeley e de diversas universidades portuguesas, de norte a sul do continente, e dos Acores, o centenário da República cobriu alguns dos interessantes ângulos em que aquela pode ser olhada, através das décadas de uma vida política e socialmente agitada, em democracia, e, pelo contrário, quieta, nas águas paradas da ditadura que, acho eu, o ditador, ele mesmo, queria imobilista.
Com Deolinda Adão como organizadora, o programa incluiu o que, de outro modo, seria impossível: um oitavo da conferência dedicado à questão feminina, em 1910 e ao longo do século. Coube-me dar voz as feministas da "primera República", enquanto a Deolinda fez uma notável intervenção sobre escritoras e poetas, ou poetisas.

março 09, 2010

Dia Da Mulher na CASA DO RIBATEJO Newark

1 Uma bela e significativa homenagem a mulher, numa casa regional, que eu nao conhecia e que, para alem de ser muito bonita, com uma recriacao de um espacocem por cento ribatejano, bem decorada, com uma fantastica "ambiencia", com a matriz de um centro cultural bem dimensionado e bem utilizado, soube dar nos a imagem de um sarau portugues, que ja poucos sabem organizar, seguindo um molde tradicional, no qual vazam, temas e deias plenas de modernidade.
Sentiu se ali, muito embora, como deve ser, para ser bem, sem interferencia directa, a inteligente e discreta inspiracao da nossa consul geral, Dra. Amelia Paiva, que, por onde passa deixa um rasto de simpatia, eficiencia e dinamismo e a feliz marca de novos eventos, que faziam falta, e que entram, em definitivo, no calendario anual de acontecimentos, como estes que dao centralidade ao problema da participacao da mulher. No dia 8 de Marco, ou em qualquer outro...
Uma exposica colectiva de artistas da comunidade, um recital de poesia feminina e dita por mulheres (alguma de sua autoria), um concerto de piano por duas meninas, estudantes do conservatorio de musica, um intervencao sobre as Mulheres na Republica (a meu cargo...). e discursos muito bem articulados da Dra. Amelia Paiva , do Presidente da uniao de associacoes, do Presidenta da casa e da dirigente responsavel pela cultura. Tudo muito bem, e na dose csrta, salvo a minha parte, que excedeu o tempo, como quase sempre acontece.
Presentes lideres da comunidade, jornalistas, professores das universidades do Estado, tanto portugueses como brasileiros, angolanos, caboverdeanos, o nucleo da Mulher Migrante, associacoes de joves universitarios lusofonos.
Um sucesso e um bom exemplo a muitos titulos!
Valeu a pena!
E para falarmos da importancia da mulher como factor de progresso e abertura, nada melhor do que apontar o exemplo vivo, e muito obvio, da propria Consul geral. Como dizia o presidente da Uniao: nunca em Newark viram, a frente do consulado, alguem com tanta qualidade, proximidade das pessoas e imparcialidade. O seu trabalho na comunidade, vale mais do que mil discursos...

2 Ao longo de 30 anos de convivio com as comunidades portuguesas, raras foram as oportunidades que se me ofereceram de participar em comemoracoes do DIA INTERNACIONAL DA MULHER.
Nunca foi, ao longo do seculo XX, tema em agenda na diaspora portuguesa (de que eu tivesse conhecimento), com a excepcao das iniciativas do Lornal Luso presse de Montreal, desde a sua fundacao ha 12 anos. A convite de Norberto Aguiar, estive la por diversas vezes, a ultima das quais em 2009, sempre em debates muito interessantes, que ultrapassavam a barreira da nossa comundade e a integravam no "mainstream" de iniciativas organizadas, nesse dia, naquela cidade
Ja no sec. XXI, propus uma parceria entre a associacao Mulher Migrante e a federacao das associacoes portuguesas, com sede em Paris, para uma reuniao de mulheres ligadas ao associativismo, nesta data especial. O presidente de entao Jose Machado manifestou se um parceiro aberto e interessado, mas confessou me que nao foi coisa facil convencer os demais dirigentes do relevo do tema, apesar de, em qualquer outro assunto, estarem sempre prontos a dar o seu sim.... Nao os fascinava este, seguramente... Estavam num outro maistream, muito portugues, que leva a sistematica desvalorizacao de tudo o que e feminino, a comecar, naturalmente, pela questao de genero.
O certo e que o debate se fez em Houilles, nos arredores de Paris, e, a partir dai, nao mais deixou de se fazer, apesar de ter cessado a parceria com a Mulher Migrante, depois que Machado regressou a Portugal. Temos razao para nos sentirmos satisfeitas, porque a ideia inicial era mesmo lancar a "tradicao", nao protagonizar organizacoes, para as quais, de resto, nos faltam meios humanos e materiais... e ha sempre outra comunidade onde se pode actuar, ainda que nao esteja a espera de nos...

março 07, 2010

Serão as mulheres assim tão resistentes?

COLÓQUIO
Uma iniciativa da Junta de Freguesia, da única mulher do executivo, a quem foi dado o pelouro da cultura. A 6 de Março, às 21.30, no belo auditório da Junta. Entrevista a 6 mulheres activas na sociedade ou na política em espinho. A moderar , uma jornalist, como convem ( e qu moderou muito bem). No painel, Manuela (Aguiar), a quem por sorteio coube começar, Rogélia, Manuela (Bigaíl), Margarida, Maria Ricardo e Graça (Guedes), a quem o sorteio reservou a última palavra.
Para abrir, um interessante filme, curta metragem, sobre o "chapéu violeta", com significado especial - viver a vida em pleno, em todas as idades, cada vez mais descontraidamente...
Depois, quando regressar de Berkeley, a Manuela (Aguiar) conta..

Na abertura do Centenário da República em Espinho

Na qualidade de vereadora da Cultura apenas umas breves palavras na sessão que decorreu a 5 de Março, no Centro Multimeios


As minhas saudações para a Senhora Doutora Maria Barroso, os Senhores Presidente da Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Espinho, autoridades, Espinhenses e amigos que vieram de fora para partilharem este dia connosco.
Um dia especial para recordar 1910 e uma revolução portadora de mutações, e de esperanças, de utopias, todas sonhadas, nem todas, naturalmente, cumpridas. Algumas restam para nós próprios levarmos por diante!
Queremos lembrar e reviver esse período singular da nossa história, e podemos hoje fazê-lo sem dividir os portugueses, com espírito cívico e perfeita tolerância, homenageando, por igual, mulheres e homens com visões diferentes, mas a mesma vontade de engrandecer Portugal.
Em Espinho, com estas a comemorações, ao longo do ano de 2010, pretendemos, envolver os cidadãos de todas as idades, de diferentes convicções e pensamento, assim como instituições, escolas, centros e grupos culturais e cívicos, pedindo-lhes activa participação e oferecendo a nossa disponibilidade de colaboração com as suas próprias iniciativas.
O nosso programa procurará, por um lado, trazer à memória costumes e vivências da época, reconstituindo o ambiente de salas de aula, de festas, tertúlias, saraus, comícios republicanos, ou organizando edições facsimiladas de jornais locais de Outubro de 1910, e várias exposições, a maior das quais, sobre "os Rostos da República" - onde os rostos femininos não serão esquecidos... - e, por outro lado, fazer o "balanço do século", com a intenção de perspectivar o futuro desse passado, em temáticas que mantêm um particular înteresse para a cidade e o país, como as migrações, o municipalismo, a educação, o laicismo, a literatura, o cinema - e a "questão feminina", evidentemente.
A instrução, a vivência da cidadania, a igualdade de direitos das mulheres estiveram entre as grandes causas republicanas e são actualmente uma daquelas que somos chamadas e chamados a continuar.
Não sei se algum outro município do país dedicará a sessão inaugural do Centenário às mulheres da primeira república. Nós escolhemos, de caso pensado, colocá-las, desde o início no centro das atenções - porque foram mulheres excepcionais, e o merecem, e porque tinham razão ao proclamar que a republica moderna e democrática não poderia construir-se sem elas.
Para dar hoje, aqui, voz a essas mulheres, ninguém melhor do que a Doutora Maria Barroso, ela própria uma protagonista da história que importa contar, uma grande senhora da cultura e da política portuguesas no século XX e XXI, que sempre se distinguiu pela sua coragem, lucidez e coerência, na luta pela liberdade.
Permitam-me que termine, com palavras de uma das feministas que melhor exprimiu o sentir das suas contemporâneas, Ana de Castro Osório:
"Se uma república nos expulsa das suas leis, não consideramos nossa a pátria onde não temos direitos, onde não temos voz para protestar".
Mas disse também: "A pátria amada pelas mulheres não morre nunca na História".
E nós temos, em 2010, mais razões de amar a pátria onde agora temos direitos e temos voz.

março 03, 2010

Comemoracoes com acento no feminino

• CONFERÊNCIA “AS MULHERES NA PRIMEIRA REPÚBLICA”
Palestrante: Dra. Maria de Jesus Barroso
Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 5 de Março – 17 horas

Participação:
Grupo de Percussão da Escola Profissional de Música de Espinho
Coro da Universidade Sénior de Espinho
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• “CEM ANOS DE LIBERDADE POÉTICA”

Divulgação de um século de poesia através de uma pequena prelecção sobre cada um dos temas e seus poetas, motivando a leitura e a interpretação - Paulo Condessa

Local: Biblioteca Municipal de Espinho
Data: 20 de Março – 15h30

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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: O Neo-realismo no Cinema

Ladrões de Bicicletas, 1948.

Exibição antecedida de uma palestra com um convidado a confirmar.

Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 25 de Março – 21.30h

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• LANÇAMENTO DO BLOGUE - “O MEU DIÁRIO DA REPÚBLICA”

Concurso para alunos das escolas do concelho e jovens residentes em Espinho, a partir de reportagens sobre as comemorações do centenário da República em Espinho.
1.º Ciclo; 2.º e 3.º Ciclo; Secundário.
Informações e regulamento disponíveis no Museu Municipal de Espinho.

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ABRIL


• SERÃO REPUBLICANO

Reconhecendo a importância dos cafés enquanto lugares de eleição para tertúlia, mais ou menos efusivas, sobre questões de ordem politica, cultural e social e sabendo o quanto a vida mundana de Espinho, à época, podia rivalizar com ambientes semelhantes do Porto ou Lisboa a Câmara Municipal de Espinho propõe uma pequena “viagem “ através da música, do canto e da poesia que nos levará ao tempo da 1ª República .
Este Serão Republicano será realizado em parceria com alguns dos mais prestigiados e experientes agentes culturais locais das áreas do teatro, da dança, da música e da poesia que interpretarão peças e textos dos autores mais representativos da época.
Uma noite diferente, no Centro Multimeios de Espinho, onde os presentes poderão também saborear, num ambiente acolhedor, um capilé acompanhado de um biscoito de Valongo.
Ainda em fase de investigação e preparação, esperamos ter concluído, em meados do mês de Março, o guião deste “ espectáculo”.

Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 22 de Abril – 21.30 h

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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: Conflitos e Revoluções

Exibição do filme « Non », ou a Vã Glória de Mandar de Manoel de Oliveira, antecedida de palestra.

Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 29 de Abril – 21.30h
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• EDIÇÃO FAC-SIMILADA das actas da Câmara Municipal de Espinho e dos números dos jornais Gazeta de Espinho e Defesa de Espinho, relacionados com o 5 de Outubro de 1910 e 25 de Abril de 1974. A distribuição será efectuada através de um encarte nos jornais Defesa de Espinho, Maré Viva e Jornal de Espinho.


MAIO

• MESA REDONDA

As Mulheres na República - “As Primeiras Mulheres a exercer cargos que lhes eram vedados”

Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: a confirmar
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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: Migrações Portuguesas

Exibição de um filme sobre as migrações portuguesas, antecedida de uma palestra com a Professora Doutora Ana Paula Beja Horta.

Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 27 de Maio – 21.30h
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JUNHO

• ARTE EFÉMERA

Intervenção Colectiva em Graffitis

Com o bom pretexto do Centenário da República, a Câmara Municipal de Espinho quer este ano promover diversas iniciativas que propiciem um olhar mais atento sobre alguns dos acontecimentos mais relevantes que se começaram a afirmar no dealbar do século XX.
A saída da arte dos salões e outros espaços conservadores, mais ou menos constrangedores, na tentativa de aproximação aos novos públicos é, então, um facto novo e inovador.
Os cartazes, autênticas obras de arte, invadem as cidades que se “deixam” contaminar pelas mais diversas manifestações culturais e artísticas que tem em comum o facto de serem novas formas de comunicação em nada preocupadas com um lugar na história dos museus e que se assumem claramente como formas de arte transitórias e efémeras. A utilização de paredes para colocação de cartazes ou como suporte de pinturas e textos passa a fazer parte do quotidiano europeu.
Espinho possui um núcleo muito forte de cultura hip-hop e, dentro desta, excelentes grafitters que realizam autenticas obras de arte.
Neste contexto convidamos Luis Couto e outros jovens artistas do concelho, a orientar um workshop de grafitti, que realizaremos no dia 16 de Junho, no exterior do FACE- Museu Municipal de Espinho e no qual participarão 20 crianças e jovens.

Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: 16 de Junho – 15h
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• CONCERTO EVOCATIVO DA OBRA MAESTRO FAUSTO NEVES (1890-1955). Lançamento de um CD gravado ao vivo.

Local: Auditório de Espinho/Academia de Música de Espinho
Data: 16 de Junho – 21.30h
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• ESTÁTUAS VIVAS

Prémio Especial para a estátua que melhor evoque uma personagem ou um acontecimento da república.
Local: Largo da Câmara Municipal
Data: 20 de Junho – 15.00 h


• CEM ANOS DE MIGRAÇÕES PORTUGUESAS

Conferência “Emigração na República” – Prof. Doutora Maria Beatriz Rocha Trindade.
Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: a confirmar
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• LANÇAMENTO DA OBRA “A EMIGRAÇÃO EM ESPINHO (1910-1913) ”

Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: 16 de Junho – 18.00h
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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: As Mulheres no Cinema
Camille (Margarida Gautier), 1937.
Elisabeth, 1998.
Exibição antecedida de palestra.

Local: Cinema ao ar livre – local a designar
Data: 26 de Junho – 21.30h
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JULHO

• AO LARGO REPUBLICANO

A Câmara Municipal de Espinho vai promover, no mês de Julho, uma grande iniciativa de rua que quer evocar, com o rigor histórico possível mas também de forma lúdica, os comícios políticos tão comuns no tempo da 1ª República.
Esta iniciativa que se quer de grande impacto social e mediático, será realizada em parceria com os nossos agentes culturais com larga experiência de trabalho para grandes públicos e ao ar livre. Assim, ranchos folclóricos, grupos de teatro e de música reunirão perto de duas centenas de actores, músicos e figurantes que encenarão, vestidos a rigor, um grande comício republicano. No “ Ao largo Republicano!” poderemos encontrar as mais diversas personagens: monarcas e republicanos, pescadores, camponeses e fidalgos, inflamados políticos locais e nacionais, caricaturistas, bandas de música e todos aqueles que se reuniam aos grandes ajuntamentos: ceguinhos cantores, artistas de pequenos circos familiares, ardinas e outros vendedores: de água, de banha da cobra, de folhetins…. E nem as crianças faltarão por ali, brincando os jogos de então.

Local: Largo da Câmara Municipal (Praça Dr. José Salvador)
Data: 25 de Julho – 15.00h
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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: As Férias no Cinema
Morte em Veneza, 1971.
Exibição antecedida de palestra.
Local: Cinema ao ar livre – local a designar
Data: 24 de Julho – 21.30h
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• TEATRO DE ROBERTOS
“Representações sobre a República” – José Bessa

Em Espinho muitos possuem boas memórias dos espectáculos de teatro de Robertos que deambulavam pelas nossas praias e eram presença obrigatória em feiras e romarias.
O teatro de Robertos, que continua tradições medievais de grupos de marionetas, tem no início do século XX particular expressão.
José Bessa, com larga experiência de teatro, integrou o grupo do Centro Dramático de Évora, que recuperou os Bonecos de Santo Aleixo e diversas companhias de teatro como o Teatro Experimental do Porto.
A convite da Câmara Municipal de Espinho José Bessa, que participa habitualmente no nosso Festival de Marionetas, irá construir um texto, jocoso mas didáctico, para o seu teatro de Robertos. Para a construção do texto o actor terá a colaboração de diversos serviços da Câmara Municipal de Espinho.
O espectáculo deambulará pelas praias do nosso concelho nos meses de Julho e Agosto.

Animação de rua, praia e outros lugares de Espinho
Data: Fins-de-semana de Julho


AGOSTO

• EXPOSIÇÃO E CONFERÊNCIA – “HUMOR GRÁFICO” – Osvaldo de Sousa
Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 7 de Agosto – 16.00h
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• DESFILE DE FATOS DE BANHO da Época da Implantação da República

Local: Praia da Baía
Data: 8 de Agosto – 16.00h
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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: O Veraneio no Cinema
As Praias d’ Agnés, 2008.
Exibição antecedida de palestra.
Local: Cinema ao ar livre – local a designar
Data: 07 de Agosto – 21.30h
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• TEATRO DE ROBERTOS

“Representações sobre a República” – José Bessa
Animação de rua, praia e outros lugares de Espinho
Data: Fins-de-semana de Agosto

SETEMBRO

• CONFERÊNCIA “CEM ANOS DE MUNICIPALISMO”
Homenagem aos Promotores de Espinho a Concelho”.
Palestrantes: Dr. Teixeira Lopes e Dr. Azevedo Brandão

Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: 30 de Setembro – 17.00h
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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: A Música no Cinema
Amadeus, 1984.
Exibição antecedida de palestra.
Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 30 de Setembro – 21.30h
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• RECRIAÇÃO DE UMA SALA DE AULAS DOS INÍCIOS DA REPÚBLICA

Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: 18 de Setembro a 31 de Outubro
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OUTUBRO

• EXPOSIÇÃO “ROSTOS DA REPÚBLICA”
Local: Galeria do Museu Municipal de Espinho
Data: 05 a 31 de Outubro
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• MESA REDONDA “A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA EM PORTUGAL”
Palestrantes a confirmar

Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: a confirmar
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• CONCERTO DO CENTENÁRIO – ORQUESTRA CLÁSSICA DE ESPINHO

Local: Auditório de Espinho
Data: 05 de Outubro
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• TEATRALIZAÇÃO - «Da Monarquia Constitucional à República »

Apresentação de quadros vivos, dirigida a um público infanto-juvenil.
Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: 05 a 31 de Outubro
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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: Um Século de Guerra e de Paz
A Vida é Bela, 1997.
Exibição antecedida de palestra.
Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 21 de Outubro – 21.30h
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• EXPOSIÇÃO “ROSTOS DA REPÚBLICA”; CONFERÊNCIA; CONCERTO.

Local: Brunoy – França
Data: Inauguração da exposição a 24 de Outubro
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NOVEMBRO

• EXPOSIÇÃO “AS MULHERES NO ESTADO-NOVO”

Abertura da exposição com conferência
Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: 06 a 30 de Novembro
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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: Um Século de Cinema
Cinema Paraíso, 1988.
Exibição antecedida de palestra.
Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 25 de Novembro – 21.30h
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• LANÇAMENTO DO CATÁLOGO «OS BENS CULTUAIS EM ESPINHO»

Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: 19 de Novembro – 16.00h


DEZEMBRO

• EXPOSIÇÃO « CEM ANOS DE VIVÊNCIAS EM ESPINHO »

Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data : 04 de Dezembro a 02 de Janeiro
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• FINAL DO CONCURSO – BLOGUE « O MEU DIÁRIO DA REPÚBLICA »

Entrega de Prémios.
Local: Fórum de Arte e Cultura de Espinho
Data: 19 de Dezembro
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• CEM ANOS VISTOS ATRAVÉS DO CINEMA

Tema: Um Filme de Natal
Milagre na Rua 34, 1994.
Natal em Família, 1998.
Um Conto de Natal, 2009.
Exibição antecedida de palestra.
Local: Centro Multimeios de Espinho
Data: 18 de Dezembro – 21.30h
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março 01, 2010

Entrevista - Defesa de Espinho

- A deslocalização da vereação da Cultura para o Fórum de arte e cultura é presumivelmente um sinal de descentralização (de gestão e de actividade) autárquica?

Há, é claro, uma "deslocalização" da vereadora, mas sem que isso signifique “descentralização no relacionamento com o presidente do executivo, que é quem delega competências nos restantes membros da sua equipa. Assim é no plano formal, e assim é de facto também. Tenho gostado de colaborar com o Dr. Pinto Moreira e, neste aspecto, haverá, naturalmente, uma manutenção do "status quo". Nada de importante vai em frente sem o seu conhecimento. Mas é fácil chegar a acordo com ele: é directo, percebe rapidamente o que está em causa e não receia tomar decisões, qualidades que, para mim, são fundamentais no ambiente de trabalho. Não tenho paciência para políticos hesitantes...
2 - E é também um acto de valorização do Fórum de arte e Cultura de Espinho?
Sem dúvida! É um acto de muito apreço por aquele magnífico pólo cultural, e de vontade de contribuir para lhe dar a visibilidade e a vivência, que ainda lhe faltam. E é, também, uma forma de dizer aos espinhenses que o Fórum fica perto do centro da cidade - eu tenciono ir a pé da Rua 7, a norte, até ao gabinete, vir a casa, para o almoço em família, e regressar. Quatro pequenos passeios saudáveis, por bom caminho, com o mar à vista. De agora em diante, reuniões, contactos de serviço, recepções a visitantes, e, igualmente, muitos eventos vão passar para lá. No Fórum, funcionam já os serviços do Museu e do Arquivo, e espero que, em breve, se lhes junte a DAC, a divisão de assuntos culturais. Ora esta proximidade geográfica vai facilitar muito o trabalho quotidiano, em conjunto, que eu privilegio sempre.

3 - E é Igualmente uma maneira de dar face...ao FACE
Tem toda a razão - é isso mesmo, dar face ao FACE e dar-lhe destino. Aquele imenso Fórum, muito maior do que parece, visto do exterior, está, ainda à procura de vocação, de identidade - de gente, de público, que possa admirar a sua beleza arquitectónica e sentir ali presente o espírito da cidade, a sua história, o seu património.

4 -Respeitada, como se impunha, a relíquia arquitectónica da antiga fábrica Brandão Gomes, o rosto... do FACE deslumbrantemente colorido... e o espaço físico adequadamente apetrechado? Funcionalidade das divisões caracterizada pela polivalência ou cada espaço em função da utilidade inicialmente projectada?
Neste momento, eu diria que o FACE é muito mais potencialidade do que realidade já firmada. Há espaços definidos - e bem - como os do Museu, o da Arte Xávega e o da própria Fábrica Brandão Gomes, ou como a galeria de exposições temporárias, que deslumbra qualquer visitante, mesmo que venha, por exemplo, do Museu de Serralves, um dos parceiros possíveis, que nos propõe a sua dinamização.
Falo no singular, quando, em boa verdade, deveria falar de “galerias”, no plural, porque são duas, geminadas, com uma área de 1,100 metros quadrados. Infelizmente, uma delas está ainda ocupada por uma empresa à qual pudemos oferecer outra área adequada e convenientemente livre. O bom senso prevaleceu, a troca foi rapidamente proposta por este executivo, e logo aceite. Em breve irá concretizar-se, promete o colega que tem o assunto em mãos. Nesse dia, Espinho passará a dispor de um espaço de galerias de arte dificilmente igualável em qualquer grande cidade de Portugal! Tanto aí, como nas amplas zonas de transição, nos pátios interiores, nos salões, no auditório, não falta lugar convidativo para “happenings” do mais variado género.
Todavia, há limitações na multifuncionalidade de alguns sectores, a começar pelo auditório, pensado apenas para conferências, e com lacunas no que respeita a tudo o resto - projecção de cinema, teatro, concertos. Mesmo para simples palestras ainda falta equipamento de som, de luz... Não por culpa do arquitecto, evidentemente. Terá feito o que lhe foi pedido. Algumas dessas omissões podem ser supridas - a de equipamentos, obviamente - outras são irremediáveis... De qualquer modo, eu prefiro olhar tudo positivamente. Partir do que existe. Vamos aproveitar algumas das imensas paredes interiores, os seus longos corredores, para exposições fotográficas permanentes sobre Espinho: sobre os antigos e míticos cafés da cidade, sobre o caminho de ferro, sobre os filmes que passaram nos cinemas no Teatro São Pedro, no Casino ( e a quantos eu mesma assisti!), sobre festas que marcaram a cidade, como as "batalhas de flores", ou competições como as divertidas gincanas. Nas paredes do Fórum se fará a marcha do tempo, nesta terra pioneira. Os visitantes serão convidados a seguir, lá dentro, um extenso, roteiro de mostras e exibições, de uma ponta à outra do edifício. E há ainda, em preparação, um novo acervo museológico, que representará uma outra esplêndida face de Espinho. Mais não posso dizer por agora, porque correm conversações com os mecenas, que o vão oferecer. É um sonho, quase a tornar-se realidade!
Entretanto, como é sabido, faltam coisas simples e elementares: a loja do museu (que já só aguarda a entrega de mobiliário), as cafetarias, a abertura do "parking"... E, também, o arrendamento de lojas, interiores ou com vista para o mar, parece já despertar interesse. Espero que o ritmo de concretização destas fases de crescimento acelere, ao longo deste ano.

5 - E sobrou (ou foi descoberto...) espaço para o pelouro da Cultura
Sim, é o reverso da medalha deste isolamento do Fórum... Sobra, de momento, área desocupada, que vem sendo utilizado, também, em benefício de instituições da terra que aí encontram facilidades para trabalhar, ensaiar, actuar. “Ateliers”, teatro, música, com a presença de prestigiadas e antigas instituições, como a Banda de Música de Espinho, ou de grupos de jovens, como o Quetzal e o Spinuartes, alunos das nossas escolas, têm apreciado as condições que lhes reservamos no Fórum. O Cinanima, que já lá estava, também. É óptimo para eles, é óptimo par nós, porque, em cada um, vamos ganhando aliados e divulgadores. À medida que aumente o grau de ocupação, teremos de assegurar a partilha e a coordenação de agendas. Esse é um problema que queremos enfrentar, como sinal de crescimento e vitalidade do FACE.

6 - Entretanto desponta o sucesso do Museu Municipal...
Sim, do Museu, em si mesmo, e das suas iniciativas voltadas para os munícipes, os turistas, assim como das suas actividades de serviço educativo para crianças e jovens - um novo conceito de Museu. Têm surgido, também, interessantes propostas de parcerias, as últimas das quais, como já disse, com o Museu de Serralves, e, igualmente, com a Cooperativa Árvore. Há condições para atrair o interesse dos melhores, pela qualidade das valências, dos espaços - o único obstáculo é o de um magro orçamento. Isto é o habitual: Há sempre dinheiro para obras grandiosas, que, depois, falta quase em absoluto, para as utilizar como deveria ser... Não é só aqui, é em Portugal inteiro. É preciso uma verdadeira alteração de paradigma - a nível local, a nível nacional (penso em auto-estradas a triplicar, TGV...)

7 - E lá está representada a história de Espinho, fundamentalmente a zona envolvente e da gente ligada ao mar, à pesca e às tradições socio culturais ... locais
Sim, queremos que, nomeadamente, os moradores do bairro piscatório, olhem aquele museu como coisa sua. Queremos que as crianças e os jovens desse lugar, onde nasce Espinho, se habituem a considerar o Museu uma casa acolhedora. Queremos que a centralidade do FACE em Espinho seja uma forma de os colocar, a eles, no centro das atenções.
E queremos que ali se encontrem e se reúnam, harmoniosamente, as várias realidades históricas e actuais da cidade. No desenrolar das fases da programação cultural, nas exposições permanentes.
A concretização do "3º Museu", de que falei, ao lado do da fábrica matricial e da pesca (também matricial), será um passo de gigante nessa direcção.

8 - No museu municipal estão patentes, por exemplo, uma cama e outros exemplos de mobiliário de outrora, assim como objectos e vestuários e em lugar de destaque central um barco e a rede de pesca... Mas estará todo o conselho lá exposto? Numa síntese do passado de cada freguesia de Espinho...

O Museu da Arte Xávega é representativo de toda a área costeira e piscatória e tem nessa temática a sua unidade. Não creio que se deva misturar com outros elementos da cultura local.
Mas a proposta implícita na pergunta, que é a de dar visibilidade a outras facetas e singularidades da vida local parece-me uma excelente ideia, e julgo que merece ser trabalhada em conjunto com os munícipes, os responsáveis eleitos e as instituições de cada freguesia. Se houver interesse e vontade, pode organizar-se, por exemplo, um espólio fotográfico e expô-lo no FACE, em permanência. O Dr. Armando Bouçon tem todo o know-how para realizar um projecto nessa linha de actuação.

9 - E o Arquivo Municipal?
É outro serviço que funciona muito bem, com competência reconhecida mesmo fora da terra, com convites dirigidos à Dr.ª Beatriz Matos Fernandes para participar e encabeçar iniciativas de âmbito nacional, que são para nós motivo de orgulho.
Para além do perfil tradicional de um Arquivo, está, igualmente, aberto à colaboração com as escolas, em programas educativos, e ao contacto personalizado com os visitantes, no objectivo de divulgar a nossa riqueza documental. Lembro, por exemplo, a organização dos roteiros da arte nova em Espinho (o que ainda resta!). Este mês, apresenta uma bela exposição: “Scriptorium medieval”, cedida pela Santa Casa de Misericórdia de Coimbra. E no programa do "Centenário da República" em Espinho participa com vários projectos: desde um projecto de investigação sobre a emigração de espinhenses entre 1910 e 1914, com base em documentos de arquivo, à recriação de uma sala de aula de 1910 e à teatralização de cenas da monarquia constitucional e da república, destinada a grupos de alunos das escolas.
Porém, a decisão de transferir a localização do Arquivo das caves do edifício municipal para o FACE, à beira-mar, não foi isenta de alguns riscos. A proximidade do mar não ajuda…
Há necessidade de acautelar o espólio, de investir e despender, quotidianamente, em equipamentos de desumidificação. Ali, mais do que em qualquer outro lugar, é preciso atenção constante a estes aspectos...

10 - A Galeria de exposições já tem agenda em curso…
Propostas e ideias não faltam. Verbas é que não há, para fazer muito mais... Estamos a apostar, sem prejuízo da qualidade, em exposições das menos dispendiosas. Temos em carteira, por exemplo, uma exposição sobre Amadeo, um grande "simpósio" sobre pintura, com participantes com nome já consagrado, cujas obras reverteriam para o Museu... Talvez para 2011...
Este ano posso referir, de memória, algumas: Uma sobre o PREC do repórter fotográfico Valentim, por alturas do 25 de Abril; em Maio, várias mostras sobre a temática da pesca – uma sobre instrumentos da pesca, outra sobre a pesca do bacalhau (cedida pelo Museu de Ílhavo), uma exposição de pintura, presentes no FACE, enquanto decorrem em Espinho as festas do dia nacional do pescador, organizadas em colaboração com o NAPESMAT da Matosinhos; no verão, virá de Barcelona uma exposição de pintor catalão Carles Bros sobre os Caprichos de Paganini, uma outra de Balbina Mendes sobre "Máscaras rituais de Trás-os-Montes", uma mostra de "Humor gráfico". Em Outubro, inauguramos uma exposição fotográfica sobre "Rostos da República", (que, depois, levaremos a França, à cidade geminada de Brunoy e, porventura, a outros países, no contexto da geminação). Durante Março e Abril estarão patentes duas exposições, cedidas pela Cooperativa Árvore - uma de desenhos de Siza Vieira, outras de gravuras, serigrafias e litografias de vários autores, entre os quais Resende, Pomar, Charters de Almeida, Justino Alves...

11 - A cultura do concelho não se cinge eventualmente ao Fórum de Arte e Cultura de Espinho.
Pois não! Como espaço aberto que é, o Fórum depende, em absoluto, da capacidade das pessoas, dos actos culturais com que lhe dão vida, com que lhe permitem, afinal, atingir os seus objectivos. Em si, é apenas o equivalente a uma tela em branco, de superior qualidade, onde poderá nascer a obra de arte ou, pelo contrário, uma pintura banal. É, pois, um instrumento esplêndido, ao serviço da cultura em Espinho, isso é! Mas é necessário preenche-lo, usa-lo, fazer, dentro das suas paredes, história da terra, das artes, dos talentos. Um grande desafio colectivo!


12 - O Centro Multimeios não perde visibilidade e ocupação com o FACE também equipado com uma galeria de exposição? Claro que também existe uma galeria de exposições na Junta de Freguesia de Espinho...

São salas de exposição com características diversas, ao serviço de uma multiplicidade de públicos e de artistas ou "agentes culturais". O FACE pode receber exposições de enorme dimensão, com os seus 1.100 metros quadrados. Os outros, não. Mas são óptimos, tanto para exposições de arte, como para mostras didácticas, "work shops" ou outro tipo de organização. Por exemplo, no Multimeios vai estar, em Março, com fins didácticos, uma exposição promovida pela Escola Sá Couto sobre o Padre António Vieira, na galeria da Junta, esteve, antes do Natal, uma colorida feira de artesanato...
São equipamentos a mais? Teria sido preferível apostar em menos construções com mais funcionalidades? O que hei-de responder? Estão feitas, são boas, são atractivas, vamos geri-las, todas, o melhor que nos for possível.



13 - Ainda em esqueleto, a Biblioteca Municipal aguarda... pela oportunidade da sua funcionalidade? Enquanto a actividade da Biblioteca Municipal se confina ao dimensionamento e condicionalismo da área por enquanto reservada da infra-estrutura da Piscina Solário Atlântico?

Como há pouco dizia, o mais importante ainda são as pessoas, na medida em que com criatividade e vontade, conseguem suprir muitas das deficiências ou insuficiências das infra-estruturas. O que se passa com a Biblioteca prova isto mesmo. A Drª Isabel de Sousa, a Drª Andreia Magalhães e os seus colaboradores vêm desenvolvendo, nas improvisadas instalações, na piscina, com grande dinamismo, inúmeras actividades à volta do livro, da literatura, do estudo, do conhecimento e reconhecimento de valores da nossa cultura, de motivação para a leitura e a escrita, envolvendo os mais diversos grupos da sociedade, sem esquecer crianças, jovens, idosos - o "cantinho dos avós", "a hora do conto", lançamento de livros, como, há pouco, o de Richard Zimmler e o de Sérgio Godinho, e, mais recentemente, o de uma jovem autora de Espinho, na sua primeira experiência literária.
Nas novas instalações vão oferecer programas semelhantes, com condições de trabalho para os funcionários e de participação para os destinatários das acções e de frequência para o público, que serão muito melhores.



14 - Os ranchos e as bandas... o folclore e a música... A cultura é do povo?

A meu ver, sim! O que faz a identidade de Espinho, a sua singularidade, é o apego às tradições, o respeito pela herança cultural, a vontade de a lembrar e de a continuar. De procurar transmitir o fio da história, fazendo coisas novas. Sem isso, cairíamos no anonimato, seríamos apenas um lugar, ruas, casas, bairros, dormitórios, e não, como somos, uma autêntica comunidade, feita do sentimento de pertença.

15 - E o povo também vive de eventos culturais...

Claro que sim: neles se revê, se relaciona, se enriquece e se diverte... O que é particularmente verdadeiro em Espinho, não só para os espinhenses, com a sua imensa panóplia de associações e grupos culturais, a sua extraordinária história de tertúlias e de convivialidade em esplanadas e cafés, mas também para os visitantes, que aqui sempre procuraram e encontraram a animação que faz parte de um programa de veraneio, numa estância balnear. Desporto, cinema, música, concertos, multidões em festa são a imagem de marca da cidade, que soube manter, de geração em geração! O que perdemos em tempos recentes, temos de recuperar!


16 - Na qualidade de vereadora da cultura já dá o seu cunho pessoal e confere a sua experiência e sensibilidade sociocultural, por exemplo, assinalando com um programa especial em Espinho a efeméride do centenário da República e ainda com a promoção de um blogue - "O meu Diário da república"...

Este ano o "centenário" é incontornável, mesmo para quem, como eu, entende que, hoje, é mais importante o primado da democracia do que a chamada "questão de regime". Mas temos de situar os factos no seu tempo, e esse foi um acontecimento determinante do futuro português. É um período singular, como são os de grandes mutações, como veio a ser o do 25 de Abril. Tempos de grandes esperanças, nem todas concretizadas. Com contradições e excessos, também, evidentemente. Todavia
vale bem a pena recorda-los, olhando os ensinamentos de um século de vida nacional, e perspectivando o futuro desta república.
A preparação do "centenário" foi obra de equipa, em várias reuniões longas, de "brain storming", eu quase diria "de tertúlia", pelo gosto que nos deu fazê-la. A tal ponto obra colectiva que é difícil dizer a quem pertence a ideia de cada evento, porque a ideia foi, logo de seguida, recriada com sugestões de cada um dos responsáveis pelos serviços que comigo trabalham no pelouro da cultura.
A partir de um projecto inicial, a exposição sobre "Os rostos da República" para o dia 5 de Outubro, pensado para a Galeria do FACE, foi assim nascendo um programa variado e ambicioso (atendendo, sobretudo, ao facto de os serviços da cultuar terem gente de qualidade, mas não gente em quantidade suficiente… ). Irá de Março a Dezembro, e pretende envolver os espinhenses de todas as idades e sensibilidades, com apelo ao espírito cívico e á tolerância - incluindo a tolerância para com as ideias dos nossos antepassados, fossem eles republicanos ou monárquicos. O resultado vai depender muito mais daqueles que são convidados a participar, do que de nós!
Haverá momentos de festa, como a reconstituição de um serão de época, ou de um comício republicano (com centenas de actores e de figurantes, se a Drª Idalina conseguir, e vai conseguir, a adesão que esperamos!), de representações de teatro de rua, de Robertos, durante o verão, de "work shop" sobre graffitis , a exposição sobre humor gráfico, e momentos de reflexão, em conferências e debates sobre temáticas escolhidas, numa visão diacrónica do século.
O concurso de blogues destina-se a incitar os jovens à participação neste projecto do centenário, através de escritos e imagens, de reportagens em estilo jornalístico e de comentários sobre os diversos acontecimentos que vamos promover, de Março a Dezembro de 2010.
17 - E para o 5 de Outubro, no Centro Multimeios, está calendarizada uma conferência subordinada ao tema "As Mulheres na 1ª República". O convite formulado à Drª Maria Barroso confere desde logo dimensão e distinção à inauguração das comemorações do centenário da República em Espinho?
Sim, antes de mais, a dimensão humanista: a do feminismo republicano, que é um humanismo no feminino, tratado por quem melhor o pode fazer, uma grande Senhora, que representou, de uma forma excepcional, a República portuguesa, na qualidade de Primeira Dama. A Drª Maria Barroso é um exemplo de luta pela liberdade, pela democracia, pelos valores da história e da cultura portuguesa. É, por direito próprio, uma figura de relevo da nossa cultura no século XX r no actual. Foi uma jovem e muito talentosa actriz do Teatro Nacional, de onde foi saneada pela ditadura, depois, professora E directora de um grande colégio. É uma figura da nossa vida política, única mulher entre os fundadores do seu partido, deputada à Assembleia, dentro e fora do parlamento, uma voz corajosa e influente na defesa da paz e da dignidade das pessoas.
Para nós, é um privilégio tê-la na abertura do "Centenário", prestando homenagem às mulheres da 1ª república.
A questão da igualdade, da participação cívica, da educação das mulheres foi uma das grandes causas republicanas, é bom lembrá-lo! Não sei se haverá outro Município que dedique a cerimónia inaugural à luta das mulheres pela igualdade, que é condição da própria vida democrática...


18 - A iniciativa aprazada para a primeira sexta-feira de Março também será valorizada com actuações do grupo de percussão da Escola Profissional de Música de Espinho e do coro da Universidade Sénior de Espinho...

Uma das primeiras orientações adoptadas nas reuniões preparatórias da comemoração foi a de tentar motivar os parceiros da Câmara os agentes culturais a colaborarem, integrando a temática nos seus espectáculos, nos guiões, sempre que possível. Isso já aconteceu, no Festival de marionetes, no "Tú cá, tú lá" ...
O coro da Universidade Sénior, que eu já tive o gosto de ver actuar, será justamente uma presença do "Tú cá, tú lá". O grupo de percussão, cuja qualidade é sobejamente reconhecida, vem dar ao evento um toque de juventude, que não poderia faltar.
Quisemos combinar as duas vertentes das comemorações, logo neste 1º acto: a vertente de reflexão e diálogo, com a conferência e o debate e a vertente lúdica, com o concerto.

19 - O Orfeão de Espinho também está na antecâmara do seu centenário... Mas há mais e louváveis registos de instituições que fazem parte da história do concelho... As novas gerações espinhenses estarão cientes dos pergaminhos e dos contributos dos ranchos, das bandas e das associações de cariz cultural? Estarão sintonizadas e motivadas com a identidade social do concelho?

Acho que sim, e espero não estar a ser apenas optimista ou “voluntarista”! Considero que muitas destas instituições antigas têm sabido aliciar os jovens, rejuvenescer com eles... Também neste aspecto são exemplares. Poucas terras da dimensão de Espinho terão uma riqueza comparável. Muitos destes grupos são verdadeiras escolas - de música, de dança, de teatro... Não foi por acaso que o Presidente da República veio a Espinho dar o devido reconhecimento à Academia É em larga medida graças a eles, em colaboração, em parceria, que conseguimos organizar a agenda cultural. Ideal seria que integrassem também outras agendas culturais do país e do estrangeiro, levando com eles o nome de Espinho..

20 - e os emigrantes?

O meu trabalho com a emigração portuguesa começou há precisamente 30 anos, em 1980, e tornou-se parte da minha vida. Tratei da emigração no governo, no parlamento, na assembleia parlamentar do Conselho da Europa, onde presidi à "comissão das migrações e refugiados", e na universidade, onde regi um curso de mestrado sobre "políticas e estratégias para as comunidades portuguesas". É uma paixão, uma causa. Pertenço, hoje, a uma associação de estudo e solidariedade com a "mulher migrante" e sou presidente da assembleia da "Associação dos Portugueses do Estrangeiro". Mantenho, naturalmente, o contacto com muitos amigos e instituições das comunidades.

21 - Já foi Secretária de Estado na vertente da emigração e como tal afigura-se que esteja habilitada a traçar o orgulho dos emigrantes espinhenses no que concerne à identidade colectiva de um concelho geograficamente pequeno, mas disperso no mundo...

Acho que o concelho bem pode rever-se na sua diáspora, na ligação com a cultura e as tradições da terra, que levam consigo na memória e sabem preservar, na importância que, em alguns países, têm também no relacionamento internacional, nas geminações, por exemplo. É o caso de Brunoy, ou do Rio de Janeiro, onde há uma "Casa de Espinho" muito dinâmica. Outro dos países onde encontrei muitos espinhenses ilustres, dirigentes de grandes associações, foi a Venezuela. E não só em Caracas, também em Barquisimeto, em Valência, em Cumaná ... E aqui bem perto, temos algo de muito raro (que eu saiba, caso único!) que é um Centro Cultural criado por emigrantes regressados e inspirado nos que existem na Venezuela. O contrário é que é regra, que consiste na “exportação” de modelos associativos das terras de origem. Mas este vaivémmariamanuelaaguiar de influências, este aproveitamento de experiências de vida comunitária ganhas no estrangeiro, é de saudar e de estimular!.

fevereiro 24, 2010

EMIGRAÇÃO PORTUGUESA - OLHARES SOBRE A AUSÊNCIA

M((Intervenção feita na Universidade de Léon, no seminário organizado pelo CEPESE, em Nov. 2009)

RESUMO
A ausência significava, no paradigma “territorialista” tradicional, a ruptura com a sociedade do país e a perda de direitos de cidadania, direitos políticos, sociais e culturais. Os ausentes eram despojados da própria nacionalidade, se adquirissem uma outra. Porém, o carácter automático da recuperação da nacionalidade, em caso de retorno definitivo, indicava que o legislador oitocentista se dava conta da subsistência dos laços de ligação à pátria durante o período de ausência. Para a progressiva tomada de consciência das formas de vencer o distanciamento físico pela presença dos emigrantes na vida da sociedade portuguesa contribuíram, antes de mais, as remessas, os investimentos, as dádivas para a melhoria das suas terras. Mais tardio foi o reconhecimento de uma outra forma de presença, através da criação, no exterior, de espaços de língua e cultura portuguesa. A democratização do país, em 1974, veio permitir a transição progressiva para o paradigma "personalista", em que os expatriados gozam de um novo estatuto de direitos, tendencialmente igual aos dos residentes, e as comunidades do estrangeiro são vistas como parte integrante da nação portuguesa.
I - A EMIGRAÇÃO COMO AUSÊNCIA
«Não nos admiremos. Eram as ideias do tempo.» Affonso Costa
1 - A Ausência, na Sociedade e no Direito
O fenómeno das migrações envolve componentes muito diversas, em que as formas de ausência e de presença (presença física, mas não só, também afectiva, sentimental, económica, cultural...) se combinam, se interligam ou sobrepõem, no plano individual como colectivo, e vão sendo percebidas, ao longo de épocas ou de ciclos, muito diferentemente.
Numa abordagem tradicional, a ausência parece implicar fatalmente uma ruptura, conotada com o abandono ou a desistência de fazer vida e carreira na própria terra.
Olhada a emigração por parte de quem fica, assim foi e, em certa medida, ainda é na opinião pública, no sentir comum do povo, dos vizinhos, como nas correntes doutrinais mais resistentes aos ventos de mudança.
O universo jurídico é quase sempre permeável a estas influências, porque o legislador mais vezes reflecte conceitos e preconceitos preexistentes do que procura fazer pedagogia ou induzir transformações (intenção sempre ao seu alcance, mas mais denunciada em períodos de mudança radical de regime político e constitucional, como aconteceu em Portugal no pós 25 de Abril de 1974).
Creio que bem menos mutável, na transição de regimes ou de tempos, é o sentir comum dos próprios emigrantes. A sua atitude, a sua ligação ao País, visto de longe, com saudade e paixão, nele estando sempre em pensamento, terá sido uma constante na longa história das migrações portuguesas. Nas migrações dos últimos dois séculos e, a meu ver, também nos períodos antecedentes - visto que o móbil individual de procurar, longe, progresso e bem-estar é compatível com qualquer dos enquadramentos que conhecemos historicamente - o esforço de colonização ou a procura de trabalho em terras estrangeiras - como já reconheciam, no passado, Oliveira Martins, ou Afonso Costa (Costa, 1911:243), como parece admitir, na mesma linha de pensamento, o contemporâneo Joel Serrão (Serrão, 1974: 110).
Porém, essa postura dos expatriados ou era praticamente ignorada ou considerada pouco mais do que irrelevante e a saída para o estrangeiro vista, pura e simplesmente, como um corte, um voluntário afastamento, se não mesmo, como dissemos, uma deserção. Significados da ausência, ainda que temporária, da família e da comunidade, com repercussão imediata na esfera do Direito: a total suspensão do exercício de direitos políticos, principal atributo da cidadania; a cessação de quaisquer prestações e apoios do Estado, no campo social e cultural, para além da protecção consular, e, em casos extremos, do repatriamento.
O Estado começou por se preocupar em proibir o excesso dos fluxos migratórios, (Serrão, 1974:106) e, depois, com o acto ou momento da partida, fiscalizando as condições de transporte marítimo - como é sabido, causa de muitas queixas, sofrimentos e fatalidades, que faziam notícia frequente nos jornais.
Não obstante o peso que a emigração teve e tem na sociedade portuguesa, com cerca de um terço da população a viver fora do País, não é tradicionalmente dado tratamento autónomo e sistematizado aos efeitos da ausência dos cidadãos no exterior, com destino conhecido e ligação a família e à comunidade local e nacional. A temática da ausência, que ocupava o seu espaço no Código Civil de 1867, era apenas a que configurava o desaparecimento em parte incerta (artigos 55º a 96º do Código Civil de 1967). A "ausência", nesse sentido, tanto podia verificar-se no contexto da emigração como não, pois o facto de uma eventual "evasão", não se sabia para onde, em direcção a um país estrangeiro, não precludia a aplicação da lei geral. Aliás, ainda hoje não é, em primeira linha, no Código Civil, mas na Constituição e em outras leis, como as eleitorais, ou as que regem o regime de segurança social, de fiscalidade, de serviço militar ou de ensino, que terá de procurar-se, a regulamentação multifacetada de um "estatuto dos ausentes" . É artigo a artigo, em regulamentação dispersa, que se traça o quadro dos seus direitos - que o mesmo é dizer as formas de valoração jurídica da ausência ("hoc sensu"), incluindo a partida - questão não despicienda, pois a liberdade de emigrar, afirmada, como questão de princípio, desde a Carta Constitucional, era obstaculizada por expedientes vários, pela regulamentação prevendo taxas e alcavalas, ou o custo desmesurado de passaportes (Costa, 1911:166) e apenas se alcança real e incondicionalmente, com a Constituição de 1976. Aliás, a emigração clandestina só deixou de se configurar como crime no fim dos tempos do "Estado Novo".
O estatuto dos ausentes era de sinal negativo, consistia, praticamente, no esvaziamento total de direitos políticos e de direitos às prestações do Estado nacional, nos diferentes sectores, do social ao cultural.
A ida para o estrangeiro representava uma verdadeira "capitis diminutio" - com o interesse dos indivíduos, incluindo o seu direito de emigrar, a ser subordinado ou sacrificado ao interesse público, tal como foi, em concreto, entendido, quase sem contestação, até ao retorno do país à democracia em 1974.
Políticas da emigração de verdadeira protecção social e apoio cultural são da nossa época - coincidindo, em vários casos, com a descolonização, nos países do sul da Europa, como a França, a Itália, e, mais tardiamente, Portugal - aqui determinadas, também, pelo dramatismo que caracterizou o início do ciclo das migrações intra-europeias, a partir dos anos 60.
O Direito, sendo, essencialmente, uma decorrência da mentalidade de políticos, em particular, e da sociedade em geral, corresponde, em cada momento histórico, à sua leitura da realidade migratória e não necessariamente a essa realidade, tal como a vivem os seus protagonistas. O ajustamento faz-se, eventualmente, pela progressiva tomada de consciência das situações e dos problemas vividos ou das soluções queridas e merecidas pelas pessoas...
2- Do Paradigma “Territorialista" ao "Personalista"
No Código Civil de 1867, não haverá disposições mais reveladoras do modo de ver o emigrante, enquanto "grande ausente", do que as que determinam a perda e reaquisição da nacionalidade portuguesa. Perda automática, em caso de aquisição de nacionalidade estrangeira - uma cominação que era, então, a regra em direito comparado, com uma argumentação que ainda hoje sustenta, em muitos países do mundo, a mesma solução. Antes de mais, o dever de lealdade ao Estado, visto como "exclusivo" e "individual". O mesmo se diga da obrigação de prestar serviço militar. Uma partilha de sentimentos e afectos em relação a dois países, ironizam alguns autores, assumia um caracter semelhante à do crime de bigamia: "In this concept, dual nationality is viewed as analogous to bigamy, amounting to a kind of cheeting in both polities" (Aleinikoff e Klusmeyer, 2002:29).
Hoje, a tese contrária baseia-se na melhor compreensão da natureza humana, num contexto de diluição dos conflitos entre nações dadoras e receptoras de migrantes: privilegia-se a vontade de dupla pertença, da dupla cidadania, como a mais próxima do ser e querer das pessoas.
O princípio da unicidade da nacionalidade (que, sendo a única se conservava, por mais longa que fosse a estada no estrangeiro), manteve-se, em Portugal, através de reformas sucessivas, até 1981.
Na Europa, subsiste uma profunda divisão, no plano doutrinal e no direito interno dos Estados (em razão, como é óbvio, de experiências concretas muito diversas de países de origem e de destino das migrações) e, por isso,após um processo longo de negociação, em que foi impossível alcançar a convergência para a mudança, o Conselho da Europa se quedou numa posição de neutralidade, permitindo a cada Estado optar livremente pela admissibilidade ou pela proibição da dupla nacionalidade. Um passo em frente, apesar de tudo, pois a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade de 1997 revogou a Convenção de 5 de Maio de 1963 sobre a Redução dos Casos de Nacionalidade Múltipla, que impunha o princípio da unicidade nesta matéria.
Nada de extraordinário, pois, que, em oitocentos, o Código de Seabra se norteasse pela tese da unicidade. Extraordinário é, sim, o disposto no que respeita à reaquisição da nacionalidade. Após estipular que "perde a qualidade de cidadão português o que se naturalizar em país estrangeiro" diz o art.º 22º que "pode, porém, recuperar essa qualidade, regressando ao reino com ânimo de domiciliar-se nele, e declarando-o assim perante a municipalidade do lugar, que elegeu para domicílio".
O artigo seguinte, sobre os efeitos da recuperação da nacionalidade, não dá a esta reaquisição, eficácia retroactiva: "[...] as pessoas só podem aproveitar desse direito desde o dia da sua reabilitação".
Não fora a denegação da retroactividade, e o normativo mais pareceria enformado pela ideia de uma de "hibernação" ou hiato no exercício dos direitos de uma nacionalidade dormente, à espera de ser acordada. A não retroactividade acentua, assim, o carácter de ruptura temporária mas, de qualquer modo, irreparável da ausência.
O emigrante ficava praticamente desprovido dos seus direitos de cidadania, porque se reputava como pura "utopia" o poder concretiza-los à distância. Mas, verdadeiramente, não se "desnacionalizava", pois o retorno e uma simples manifestação da vontade o reinvestiam no exercício dos seus direitos de nacional, sem o que o Estado tivesse meios de se lhe opor.
É de salientar que não seria tão liberal a solução consagrada em futuras leis da nacionalidade, visto que introduziam, para além de complexa e quase sempre morosa tramitação burocrática, o "direito de oposição" do Estado à recuperação da nacionalidade. Poder discricionário que foi mantido na chamada "lei da dupla cidadania", a meu ver, contra a vontade do legislador inequivocamente expressa na letra da lei. Pela via da regulamentação, impôs-se uma leitura restritiva da Lei nº 37/81 de 3 de Outubro, que, em rigor, previa a reaquisição por "mera declaração do interessado" .
A aceitação incondicional do pedido de recuperação da nacionalidade só veio a ser reposta em 2004, pela Lei Orgânica nº 1/2004 de 15 de Janeiro. Anteriormente, o mecanismo de recuperação automática da nacionalidade ínsito no Código Civil de 1867 - alargado às situações de permanência no estrangeiro, dando à mera inscrição consular o mesmo efeito da declaração produzida, em caso de regresso, perante as autoridades locais - fora retomado no projecto de lei nº 140/VIII, que acabou sendo debatido em plenário, sem alcançar vencimento (Aguiar, 1999: 156). Nem por isso deixou de constituir um exemplo raro de procura da "modernidade" que pode vir do passado e da originalidade das nossas tradições - jurídicas, neste caso...
O "direito de oposição" (que uma tal tradição precludia ), tornando uma contingência e não uma faculdade livremente exercida a reaquisição da nacionalidade, foi abolido e garantidos os seus efeitos retroactivos, mas não sem controvérsia entre parlamentares de diferentes quadrantes políticos. Um resquício da ideia de prevalência do interesse público sobre o privado no condicionamento da emigração ou, simplesmente, a intenção encapotada de colocar entraves à reinserção dos cidadãos, contrariando as políticas tradicionais, que podiam dificultar a sua saída, mas não o retorno?
De facto, até 1974, o Estado fora pondo, sucessivamente, em prática políticas limitativas ou proibitivas das saídas, (Costa, 1911: 161) antes de mais, no interesse do Estado, da sua definição do "bem comum", com prevalência histórica de uma perspectiva predominantemente economicista.
O direito à emigração, consagrado no art.º 44º da Constituição, e bem assim os novos direitos que se englobam no "direito dos expatriados" (de que Barbosa de Melo foi, com argumentação convincente, o grande defensor no colóquio do Conselho da Europa sobre "Os laços entre os europeus residentes no estrangeiro com os seus países de origem", realizado em 1997), são uma construção jurídica em progresso, integrando normas constitucionais, legais e regulamentares de direito interno e regras de direito internacional - tratados, convenções e princípios gerais de direito. No relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa baseado sobre as reflexões e conclusões desse colóquio , o novo Direito é talhado à medida do cidadão face ao Estado: " the emerging law of expatriates has citizens interests at heart and not directly the interests of states" (Aguiar and Guirado, 1999).
O centro de gravidade deste Direito desloca-se da "totalidade" para a pessoa, e do Estado territorial para "Nação populacional": para o "cidadão", com a afirmação dos direitos inerentes à qualidade de nacional, viva ele onde viver; para a Nação, forçando à reestruturação do Estado, das suas instituições e das suas leis, para que correspondam à verdadeira dimensão nacional.
Segundo Bacelar de Gouveia, a nossa Constituição ensaia, desde 1976, gradualmente, esta transição do paradigma "territorialista" para um paradigma "personalista” ou “nacionalista”. Ao contrário do que ocorre em outros países com os quais actualmente partilhamos a vanguarda europeia (embora não em todos os aspectos, ou mais em uns do que em outros...) caminhamos, assim, nem sempre em linha recta, antes com episódicos retrocessos, para a "desterritorialização" dos direitos dos emigrantes (um neologismo muito utilizado no referido colóquio do Conselho da Europa, em qualquer das línguas oficiais).
A nossa Lei Fundamental denuncia pulsões contraditórias entre a vontade de aumentar os direitos de participação comuns a todos os cidadãos, e a de "dar menos direitos a quem está fora do território, porque não contribui para os impostos..." , como dizia Bacelar de Gouveia numa audição parlamentar organizado pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, onde se fez doutrina sobre os "Mecanismos Específicos de Representação de Emigrantes", (Gouveia, 2004:61).
De qualquer modo, aconteça o que acontecer, o carácter de "evidência" da privação do exercício de direitos políticos a partir do estrangeiro está perdido, definitivamente. Não seria possível repetir agora o curioso comentário de Emygdío da Silva sobre uma proposta de um autor italiano, seu contemporâneo: "[…]sem pretendermos erigir em sistema as fantasias de um deputado italiano que, na Revista Económica Internacional aventava a ideia de que ao parlamento do seu país viessem representantes das colónias italianas em países estrangeiros [...]" (Silva, 1917: 211).
Na verdade, as "fantasias" há muito se erigiram em sistema, no Direito de muitos países - incluindo Portugal e a Itália. Países de emigração antiga, do sul da Europa, muito mais receptivos à evolução do estatuto dos expatriados, enquanto os do norte se mantêm presos ao dogma da "territorialidade" - tal como no século XIX o teorizava Locke - e ao da "unicidade da nacionalidade". Podemos, pois, também nesta questão, nesta "vexata questio" ,constatar a existência de uma Europa "a duas velocidades", e sensibilidades...


II - EMIGRAÇÃO - FORMAS MÚLTPLAS DE PRESENÇA
"[...] Que ideia nos fazemos nós de Portugal: Somos o povo sediado no chão europeu, demarcado pelos nossos maiores, ou o povo que deve ser tomado e considerado independentemente do território que ocupa em cada tempo? Quem nos inspira na resposta: D. Francisco de Almeida e o seu império marítimo, apoiado em feitorias, nuns tantos lugares estratégicos, ou D. Afonso de Albuquerque e o seu império terrestre com um profundo e extenso “hinterland “ e aberturas para o mar?"
António Barbosa de Melo


1 - No Interior do País
A constatação das manifestações de presença, ou de pertença, dos expatriados foi irrompendo, cedo, despertada pelos "influxos financeiros" provocados pelos "fluxos migratórios" para o exterior - relação de causa e efeito não ignorada, a nível estatal, como a nível da sociedade. Para o que contribuem, decisivamente, as características do nosso emigrante tipo, o seu modo de se integrar num país sem perda de ligação ao outro, com isso, ganhando, em ambos, influência e visibilidade.
Primeira constante histórica: a emigração portuguesa envolvia quase exclusivamente homens, que partiam sós. Mas logo se tornou claro a decisão de expatriação não era um acto individual de distanciamento ou abandono, antes o meio adequado de execução de um plano familiar de melhoria das condições de vida, gizado, de comum acordo, por mulher e marido e por este levado a cabo na perfeição, com o sentimento de apego aos seus, à comunidade e à cultura de origem. A primeira modalidade de cumprimento do acordo é esse envio maciço de remessas: para as famílias a garantia de uma nova prosperidade, para o Estado uma inesgotável fonte de divisas, indispensável ao equilíbrio das contas externas. O reconhecimento da enorme importância para a economia do País deste comportamento padrão dos emigrados converte o enfoque económico no principal, a polarizar o discurso oficial, em matéria das migrações, ao longo de cerca de dois séculos, sem que, contudo, haja vontade de dar aos emigrantes uma qualquer contrapartida no plano dos direitos individuais.
No primeiro quartel do século XX, Fernando Emygdio da Silva escrevia: "...É da emigração de miséria que a Pátria tira, depois, o ouro com que salda a conta da sua desorientação económica e dos desperdícios financeiros. É da miséria que vem a nossa maior riqueza: do pária nostálgico e atavicamente aventureiro... é que vem o ouro [...] não se esquecem de nos enriquecer com as remessas, que ainda ali não representam um excesso, mas, a maior parte das vezes, a privação, ao menos nos primeiros anos." (Silva, 1917:107).
Oliveira Martins, Afonso Costa, Anselmo de Andrade, Artur Bello, Vieira da Rocha, Egmydio da Silva são alguns dos autores que nos dão, em estimativa, a expressão desses números fabulosos, em fins do século XIX e inícios do século passado (Silva, 1917: 105).
Estas prestações, tábua de salvação da economia pátria, configuram, assim, o modo mais antigo e mais reverenciado de os emigrantes aqui estarem presentes, não estando... E, por outro lado, vão condicionar as políticas de emigração familiar, a saída de mulheres e de menores, que é combatida em toda a medida do possível. Afonso Costa qualifica o êxodo de mulheres como "[…] uma depreciação do fenómeno migratório […]", porque: "[…] é quando a família do emigrante fica na Pátria, que ele envia mais regularmente as suas economias" (Costa, 1913: 182). Não anda longe desta preocupação Emygdío da Silva, para quem o número de mulheres expatriadas, que, se verifica entre 1906 e 1913 (127% de aumento) "é uma constatação tremenda". Com idêntica justificação:"[…] perigo de desnacionalização e cessação de remessas[…]” (Silva, 1917: 132).
Homens ausentes, remessas palpáveis... Com elas, de longe, deixam marcas no território, influenciando a modernização de costumes, do comércio, dos transportes, do consumo... Depois, no regresso, constroem ou reconstroem as casas, que, pelo seu porte, pelo gosto arquitectónico, inspirado em modelos estrangeiros se distinguem na paisagem rural ou na malha urbana, dando origem a críticas ambíguas ou díspares, a reacções de admiração, de mimetismo, de emulação, de inveja... Em qualquer caso, com elas conseguem testemunhar a "libertação" da pobreza antiga, e escrever na pedra das moradias (no cimento, no azulejo, no ferro...) uma história de sucesso individual, que, em si, é, porventura, a manifestação de presença subjectivamente mais desejada. "Pour ces immigrés de première génération, il importe, surtout de rester portugais en France, mais encore plus de réussir le projet d’émigration qui leur permette de s’affirmer au Portugal comme ayant eu une réussite exemplaire […]". " La réussite du projet n'est envisagée et n'a de sens que si elle est reconnue et donc traduite en réalisation - le plus souvent la construction d’une maison dans la communauté villageoise d'origine. […]" (Cunha, 1988:61).
Assim foi no caso dos palacetes dos "brasileiros" (Rocha Trindade, 2008: 143), assim é no das casas, que, desde 60 e 70, proliferam em todas as regiões de forte emigração - edificação de raiz ou modificação de fachadas e arranjos estruturais ou de pormenor, com benfeitorias e traços ostensivamente "estrangeirados" . Como que a dizer que a aventura pelo mundo fora valeu a pena, individual e colectivamente.
Nada de muito diverso do que ocorre, por exemplo, em Cabo Verde ou na vizinha Galiza (Mora: 2oo8:284).
A proverbial generosidade dos "brasileiros", no passado, hoje em dia, continuada por emigrantes de todos os continentes, em constantes provas de solidariedade para com as instituições ou iniciativas de melhoramento colectivo das terras, antes ou depois do retorno, englobam-se neste tipo de "chamada de atenção" para a realidade da sua "pertença" regional e nacional.

2 - No Exterior
A presença dos emigrados através do bem-fazer nas terras de origem, era reconhecida pelos conterrâneos, naturalmente. Não assim o que acontecia na sociedade de destino. A sua "descoberta" surpreende, quando chega avalizada pela autoridade intelectual dos primeiros estudiosos, que têm o privilégio de visitar as instituições fundadas pelos portugueses. Afinal, conclui-se, os emigrantes levavam consigo Portugal - não o deixavam, simplesmente, para trás...
Havia, aliás, experiências do passado, que poderiam ter levado a intuir este papel singular dos expatriados: a expansão universal da língua, e a fundação, pelo força colonizadora, de nações lusófonas, antes de todas, e a maior de todas, o Brasil. Obra de povo, mais do que do Estado ou das elites, como dizia Gilberto Freyre. Movimento de colonização, que, rapidamente deriva para a emigração espontânea. Logo, obra de emigrantes - crucial para a manutenção de um Brasil lusófono, quando, após a independência, a ele acodem, em massa imigrantes de outras falas, alemães, italianos, polacos, espanhóis, japoneses... O favorecimento do destino brasileiro por uma corrente da "inteligentzia" portuguesa tem certamente a ver com este entendimento. Oliveira Martins assume-o, com a clareza ou contundência costumeiras: "[...] a emigração para o Brasil não pode por forma alguma equiparar-se às saídas para países estrangeiros; pois o Brasil, embora politicamente independente, nem renega a sua filiação, nem enjeita a nossa língua. Somos ainda um mesmo povo, governando-se cada qual a seu gosto, por instituições diversas: mas somos ainda um mesmo povo". (Martins, 1994:207).
Previsível, pois, que o emigrante português perseverasse na intenção de criar, como era seu timbre, espaços novos da sua língua e cultura, em territórios distantes... Porém, poucos foram, no dealbar do século XX, os académicos ou os políticos que adivinharam outras "maneiras de estar na comunidade nacional", lá fora, graças à institucionalização dos meios de entreajuda e de convívio, que lhes daria a capacidade de resistir a mudanças de circunstâncias, ao decréscimo dos fluxos migratórios e até à fixação definitiva nas sociedades de destino. Assim se desenvolve o fenómeno de transplantação para novas terras de espaços de vivência própria, colectiva, nascida do impulso associativo ("um ímpeto de Portugal", como diria Pessoa).
No campo social e cultural, com ele se irá suprindo a absoluta falta de políticas de apoio dos governos pátrios. Constatando a omissão destes sucessivos governos, já Emygdio da Silva, defendia que o emigrante devia ser "protegido no local de destino por entidades diversas do cônsul". E Afonso Costa chegou a delinear o contorno de políticas sociais e culturais, que ainda hoje poderíamos subscrever (Costa, 1911:133). Porém, não foram prosseguidas... Teríamos de esperar até décadas recentes para que tal acontecesse - sempre subsidiariamente, quando muito, mal complementando a acção das organizações das comunidades. Estas organizações atingiram uma dimensão grandiosa, sobretudo, no Brasil, e, também nos EUA, animadas pelo espírito fraternalista e mutualista desse tempo: no primeiro destes países, com as Sociedades de Beneficência, os seus Hospitais, que são hoje dos melhores da América Latina, os seus lares de idosos; nos EUA, com as Sociedades Fraternais, incluindo duas das maiores fundadas por mulheres. Eram a fórmula jurídica de, à época corrente, de apoio mútuo e de socorro dos mais desprotegidos. Agora, na mesma linha de actuação, em todos os continentes do mundo, centros sociais, lares de idosos, lares de dia dão resposta a novos problemas, como o envelhecimento da primeira geração de emigrantes.
Na defesa da língua e da cultura e tradições portuguesas distinguem-se, desde o século XIX, os gabinetes de leitura, os grémios literários, os centros culturais, e, seguidamente, as escolas e liceus, os clubes recreativos e desportivos. Pertinente e plena de actualidade é a observação de Emygdio da Silva sobre a acção dos portugueses do Brasil, no campo cultural e social: "[...] A língua e a generosidade ficam para sempre, e talvez mesmo a generosidade fique menos adulterada do que a língua, atendendo aos múltiplos exemplos dados pela nossa colónia do Brasil. "[...]Têm os olhos postos no fazer bem... ao lembrar-se da sua pátria...".
A Pátria, por seu lado, habituou-se a receber doações e obras de grandes mecenas, para além da infinita quantidade de pequenos contributos e poupanças de milhões de expatriados. Talvez, por isso, a história de sucesso pessoal seja bem mais divulgada do que a do grupo - a imagem marcante dos "brasileiros" do passado, ou hoje, a dos "empresários de sucesso", de qualquer parte do mundo, que polariza o discurso político, desde os anos 90. O movimento associativo fica, imerecidamente, em segundo plano...
Entre os investigadores da emigração portuguesa do princípio de século XX, poucos são os que registam e comentam esta realidade. Entre as excepções, estão os que vimos citando, Afonso Costa e Emygdio da Silva. Afonso Costa informa: "... além disso, formaram-se colónias portuguesas em São Francisco, Oackland, em New Bedford e Providence, Boston e Brooklin, tendo com principal fonte da emigração os Açores". E caracteriza a sua agregação nestes termos: "As colónias portuguesas resistem, têm individualidade, mantêm o nome, a língua, os usos portugueses", acrescentando que a formação das "colónias": "[...] torna a emigração útil para a Pátria, perdendo o carácter de abandono da Pátria". É uma verdade, que intuiu antes de muitos na sua época: o "abandono da terra" cessa pela integração numa a "colónia" ou "comunidade" de vivência portuguesas. Por seu lado, Emygdio da Silva salienta "o sentimento associativo geral" entre os colonos portugueses do Brasil e tece interessantes considerações, como esta: "[…] a generosidade é a mais alta tradição da colónia portuguesa". (Silva, 1917: 278). Deixa-nos, também, uma relação circunstanciada das associações mais importantes, algumas das quais ainda hoje o são: a Caixa de Socorros Mútuos Dom Pedro V, o Gabinete de Leitura, o Clube Ginástico Português, no Rio de Janeiro, a Sociedade Portuguesa de Beneficência e o Centro Português de Santos, os Gabinetes de Leitura de Salvador e de Recife e outras notáveis instituições de Belém, Belo Horizonte, Manaus, São Luís de Maranhão, Curitiba.
Todavia, não creio que ambos estes grandes conhecedores das comunidades oriundas da emigração, na sua época - e muito menos quaisquer outros... - tenham tido plena consciência de que estavam perante formações capazes de sobrevivência para além do fim dos tempos da emigração, alicerçadas naquela emigração familiar que queriam evitar a todo o custo: a que não tinha retorno, a que se considerava inevitavelmente votada à "desnacionalização".
E, se os autores portugueses, que referimos, e que julgamos serem representativos de um pensar moderno no seu tempo, estavam certos quanto ao decréscimo de retornos no quadro da emigração familiar, ficariam, por certo, surpreendidos com a resistência à "dissolução cultural" das comunidades formadas por terceiras e quartas gerações de portugueses, que, por exemplo, na Califórnia - um destino de não regresso, por excelência - continuam a falar a nossa língua e a manter vivas as tradições portuguesas.
Esta outra e insuspeita da forma de presença - a das comunidades orgânicas, a que as mulheres e os jovens deram densidade e futuro - só vem a ser reconhecida, e a influenciar as políticas de emigração, nos anos seguintes ao 25 de Abril de 1974. Mais exactamente, a partir de 1980, com a criação do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), um órgão representativo das organizações dos portugueses do estrangeiro, destinado a ser um interlocutor privilegiado na definição e execução das políticas culturais e sociais, uma "[…] instituição medianeira entre a sociedade civil e o Estado" (Aguiar, 1986:83).

III - AS POLÍTICAS DE REENCONTRO
«Portugal é mais uma cultura do que uma organização rígida» Francisco Sá Carneiro
1 - A Representação das Comunidades da Diáspora
O reconhecimento da pertença dos emigrantes a uma Nação populacional ou "Nação de Comunidades", é coisa recente. Julgo que poderemos situar o ponto de viragem, nesta mundivisão de nós, no I Congresso das Comunidades Portuguesas, realizado pela Sociedade de Geografia, em Setembro de 1964, a que se seguiu, dois anos depois, um segundo congresso.
Na audição parlamentar de 2004 sobre esta temática da representação dos "ausentes", a que já aludimos, Adriano Moreira, o principal impulsionador desses Congressos, na altura em que era presidente da Sociedade de Geografia, foi convidado a traçar o quadro de preparação da iniciativa e dos seus objectivos. Ninguém o poderia, aliás, fazer melhor do que ele mesmo:
"A ideia traduziu-se numa espécie de sistematização do que era a presença de Portugal no mundo, do ponto de vista das comunidades. Utilizamos uns conceitos operacionais que as arrumavam em três espécies". A primeira era composta pelos emigrantes de 1ª geração, a segunda pelos seus descendentes , que mantinham ligação às raízes, a terceira pelas comunidades filiadas na cultura portuguesa - obra também dos emigrantes, que "[…] aculturavam os povos por onde passavam" (audição 2004:100).
Pelo empreendimento, inédito em Portugal, pela consciência da existência de um património histórico, que havia que preservar e potenciar, pela estratégia de criação de uma base institucional, para prosseguir esse intento (com a criação da União das Comunidades - que nunca chegaria a ter efectiva vida, por oposição dos poderes constituídos - e da Academia Internacional da Cultura Portuguesa), os dois congressos da Sociedade de Geografia (o de 1964 e o de 1966) são precursores das políticas ditas "de reencontro", empreendidas a partir do final da década seguinte.
O primeiro "Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas", depois do 25 de Abril de 1974, que não teria resultados práticos assinaláveis - sobretudo em razão do mesmo tipo de conflitualidade ou rivalidade política que determinara o impasse em que caiu a "União" dos anos 60... - começou, como recordava o deputado Carlos Luiz, a ser organizado por uma Comissão que integrava elementos do Conselho da Revolução, sob a presidência de Vitor Alves, com o apoio do Presidente Ramalho Eanes (audição 2004:36), mas viria a ser adiado para Junho de 1981, e levado a cabo por uma outra comissão organizadora, presidida por Rosado Fernandes, por indicação do Governo. Foi, se não efectivamente o primeiro de todos, o primeiro realizado sob a égide do Estado, com a presença de portugueses das sete partidas do mundo, dirigentes das instituições em que se estrutura o espaço universal da cultura portuguesa, muitos dos quais haviam também respondido à chamada da Sociedade de Geografia, na década de 60 (com esplêndidas comunicações, que se encontram publicadas pela revista da Academia Internacional da Língua Portuguesa, incluindo as de Adriano Moreira, Presidente do I Congresso, que, na sessão abertura, poria, justamente, o acento tónico no propósito que era o denominador comum de todos os participantes, falando de:"[...] manifestação de respeito da nação que peregrina pelo mundo alheio" (Moreira, 1973: 57).
E o seu conceito de "nação peregrina", com essa ou outra designação - o "Portugal maior" de Vitorino Magalhães Godinho ou a "nação de comunidades" de Francisco Sá Carneiro - entrou no léxico político a significar uma nova visão de nós, e de uma "emigração de omnipresença".
Em 1980, foi criado, como dissemos, um órgão consultivo de representação das comunidades, livremente eleito no interior do movimento associativo, cuja capacidade de agregação e autenticidade se pretendia potenciar. Na óptica governamental, "[…] para garantia dessa autenticidade se baseou o processo de eleição dos representantes nas associações, que são a estrutura organizacional e os centros de vida das comunidades portuguesas do estrangeiro" (Aguiar, 1986:84). Do preâmbulo da Lei nº 373/80, resulta claramente a intenção de aproveitar a força, o engenho e a autoridade de quem tem obra feita, respeitando a independência dessas instituições perante o Estado e face ao próprio "CCP", enquanto criação governamental: O Conselho " […] de modo algum pretende substituir-se aos movimentos preexistentes, pois se pressupõe ser condição de êxito deste projecto a vitalidade e capacidade de afirmação das próprias associações."
É na real autonomia da "sociedade civil" face ao Estado, trazendo ao fórum de debate os seus próprios projectos, assim como no enfoque dado à força do associativismo, que este CCP - ao contrário dos que mais tarde lhe haviam de suceder, sem olhar à herança que deixara, numa linha de descontinuidade - estava próximo do principal escopo e das preocupações metodológicas do movimento precursor de sessenta. Uma conclusão que não tenho visto assinalada, mas que resulta claramente da intervenção do Prof. Adriano Moreira, nesse memorável fórum parlamentar, que venho referenciando: "Qual foi o método que utilizamos? Foi partir em primeiro lugar da capacidade dessas associações e, por isso, o nosso ponto de referência foram as associações, sobretudo do Brasil, que era sempre o maior campo de observação" (Audição: 2004:63).
Num contexto político diverso, uma semelhante orientação estratégica para o universo associativo.
Na década de 60, se a "União" houvesse tido condições de ganhar vida própria, Portugal teria, como aconteceu - muito antes, de resto... - em quase todos os países europeus de emigração, consolidado o movimento federativo, ou a "federalização" das suas instituições da Diáspora.
Com o modelo associativo do CCP se pretendia, de algum modo, suprir a lacuna que subsistia, reunindo em convívio e em trabalho comum, dirigentes associativos de todos os continentes. E, do mesmo passo, iniciar um novo ciclo nas políticas para as comunidades portuguesas, como ressalta, inequivocamente, do discurso oficial, a partir de 1980. (Aguiar, 2009:259). Porém, nesta precisa configuração, em que foi concebido, duraria menos de uma década. Com a diluição da sua importância pela reiterada omissão de consulta e audição governamental, desde 1988/89, depois, na década de noventa, pela expressa adopção de um outro modelo de "Conselho", desprovido da sua matriz associativa, se encerrou a experiência.
A partir de 1996, o novo CCP é eleito por sufrágio directo e universal, à maneira de um parlamento, embora com meras funções consultivas. O CCP tem vivido em recorrente situação de crise existencial - pontuada por conflitos internos e afrontamentos com o próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros, do qual depende. Nem por isso se deve esquecer o insubstituível papel que pode desempenhar, em representação dos emigrantes e das diásporas culturais. O distanciamento do mundo associativo acrescido da ambiguidade da sua própria natureza dual (órgão representativo, eleito directamente pelos emigrantes, órgão consultivo do governo...) não lhe permita ter a mesma capacidade de implementação de projectos e de interacção com o Estado de que deu provas, naquela sua primeira encarnação (Aguiar, 2009:260).
É, em qualquer caso, o órgão de "presença" dos expatriados, por excelência, porque só ele lhes pode, dar, com uma base institucional, a voz e visibilidade que ambicionam ter no país. Por ter a perfeita consciência desse potencial, tão largamente desaproveitado, apesar da dedicação de tantos Conselheiros, que cuja crença tem resistido à falta de condições de trabalho e, sobretudo, de atenção dos poderes públicos é que a Subcomissão das Comunidades Portuguesas promoveu as duas sucessivas audições (a que, aqui, damos o devido relevo!) para reflexão sobre os modelos que melhor serviriam o seu futuro - o primeiro, em 2003, mais orientado para a procura de inspiração em soluções de direito comparado, o segundo, a que já fizemos várias referências, em 2004, para a possível "constitucionalização" do órgão, conferindo-lhe um carácter quase senatorial. Especialistas como Barbosa de Melo e Bacelar de Gouveia não excluíram o repto que lhes era lançado - na proposta de "constitucionalização" do órgão - tão cara à maioria dos conselheiros das comunidades, porque é portadora das maiores esperança s na valorização, na independência e na operacionalidade do” Conselho”- mas não a aceitaram incondicionalmente.
Para Barbosa de Melo, a consagração da existência e das competências do CCP no texto da Constituição Portuguesa pode ser uma vantagem: Constitucionalizar, sim, " mas constitucionalizar como órgão do Estado português e não como órgão de Governo ou como órgão da Assembleia da República. Do que se trata aqui é de um instrumento para o exercício dos direitos fundamentais e constitucionais dos nossos compatriotas emigrados perante o Estado no seu conjunto" . (audição 2004:33).
Igualmente aberto a uma possível aceitação de uma emenda constitucional, mas recomendando prudência, Bacelar de Gouveia: "É preciso não nos entusiasmarmos em demasia com a ideia da constitucionalização. Há muitas constitucionalizações e não só uma [...]" (audição, 2004: 63).
Outro tanto se pode dizer do "Conselho", independentemente da sua entrada no "santuário" que a Lei fundamental configuraria, colocando-o fora do alcance do poder discricionário dos governos...

2 - Novos Direitos dos Expatriados
A igualdade de direitos dos expatriados face aos residentes é hoje um reivindicação generalizada, ao menos nos países de "diáspora".
Na sua plenitude, a igualdade está longe de ser alcançada em Portugal. Faz parte do ideário de alguns partidos políticos, mas não, nos mesmos termos, nas de outros. Por isso, desde 1974, temos progredido, a par e passo, numa incessante procura de equilíbrios e de consensos, na Constituição e nas leis, consolidando em novos direitos culturais, sociais e políticos o "estatuto dos expatriados".
Direitos Culturais
O Estado, assume, no Capítulo III, art.º 74 da Constituição, a incumbência de " assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa", mas incumpre largamente esse dever, e mais em determinados quadrantes geográficos do que noutros... Mais nas comunidades transoceânicas do que na Europa, a levantar a suspeita de que se vem privilegiando a emigração temporária, na visão oitocentista, isto é, a emigração de retorno, como é (ou se pensava que fosse...) a do nosso continente. Por outras palavras: a língua parece ser ensinada, sobretudo, na perspectiva do apoio à reinserção dos jovens de 2ª geração e negligenciada como instrumento de preservação das comunidades de cultura portuguesa no mundo. Depois de uma primeira extensão do ensino oficial e gratuito, fora da Europa, na África do Sul, em fins de 70, anuncia-se agora idêntica cobertura, no norte do continente americano.
Se a nível individual não há igualdade de tratamento, nesta área estratégica, o mesmo acontece no plano institucional. O mundo associativo que destacámos, tendo embora finalidades semelhantes ao que lhe serve de modelo inspirador em Portugal, e prosseguindo, para além disso, em simultâneo, o singular escopo de alargar o espaço da presença portuguesa universal, deve-se inteiramente à iniciativa privada. Dentro de fronteiras poucas ONG's atingiriam os seus objectivos sem a robusta componente do apoio estatal, a ponto de se falar a seu respeito, frequentemente, de "subsídio - dependência". Fora do País, pelo contrário, a verdade é que nenhum centro social e cultural, grande ou pequeno, nenhum clube ou sociedade beneficente existiriam sequer, se tivessem esperado por verbas do erário público para avançar... Mesmo quando algum apoio acabaram por receber, no conjunto, ele foi, e é, praticamente negligenciável.
Direitos sociais
Ao contrário do que acontece no domínio cultural, a Constituição não faz, no capítulo II, dedicado aos "Direitos e Deveres Sociais", qualquer expressa referência aos emigrantes.
É certo que o art.º 63, no seu nº 1º, determina: "Todos têm direito à segurança social", tal como o art.º 74, no seu nº 1º, assegura: "Todos têm direito à educação e cultura". Todavia, neste outro capítulo, "todos" já são apenas todos os que residem no território... Uma das várias contradições flagrantes da nossa Lei Constitucional, no que às consequências da ausência do território respeita.
Tradicionalmente, como é sabido, o Estado quase se limitava a apoiar o repatriamento dos seus nacionais, em situações de extrema miséria. Um gesto de solidariedade que não configurava um direito, e ainda hoje se não encontra regulamentado como tal, apesar de ter sido, aprovado, na generalidade, um diploma que não chegou a ser apreciado em comissão e objecto de votação final global. (Aguiar, 2006:68).
Em anos recentes, pelo menos desde a década de 80, a Secretaria de Estado da Emigração concedia apoios pontuais em outras situações de necessidade, através dos seus serviços no estrangeiro, mas só em 1999 o Governo instituiu o Apoio Social a Idosos Carenciados (ASIC). Uma prestação de montante variável, de país para país, atribuída, com restrições, longe de ser o equivalente pensões não contributivas ou dos mínimos rendimentos que são garantidos dentro de fronteiras...
Em Direito comparado, há, actualmente, bons exemplos de sistemas de assistência na doença e na velhice, nomeadamente em países de emigração semelhante à nossa, caso da Espanha ou da Itália - o que aumenta o sentimento de abandono de que os portugueses mais pobres se queixam - e os outros por eles...
Direitos Políticos
O restabelecimento da democracia em 1974, veio dar aos emigrantes, pela primeira vez na história, direitos de participação na vida pública.
Eleger quatro deputados, em dois círculos eleitorais próprios - uma excepção ao princípio constitucional da proporcionalidade, pelo método de Hondt .
Com a adesão à CEE, na qualidade de cidadãos europeus, votam nas eleições para o Parlamento Europeu, embora só desde 2004 esse direito tenha sido alargado aos que vivem fora do espaço da União Europeia (Aguiar, 2006:85).
Foi preciso esperar pela revisão constitucional de 1997, e manter acesa uma luta prolongada, que o CCP encabeçou, para ser concedido, com restrições, aos expatriados o direito de voto na eleição do Presidente da República. Têm capacidade eleitoral passiva apenas aqueles que comprovem, nos termos do nº 2º do art.º 121, "laços de ligação efectiva à comunidade nacional."
A mesma exigência condiciona a participação dos emigrantes em "referenda" nacionais, e apenas quando "recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito". O entendimento sobre essa melindrosa qualificação da matéria (que reintroduz, de forma larvada, a ausência como fonte de discriminação) nunca foi pacífico - mostram as experiências havidas ser questão em que os partidos, a começar pelos dois maiores, costumam divergir.
Com dois cadernos eleitorais distintos, para os dois órgãos de soberania, estão, assim, do ponto de vista jurídico, criados dois conceitos de "comunidade nacional", dois universos eleitorais: um mais lato, que abrange todos os portugueses "de passaporte" e a todos, mediante o simples acto de inscrição no recenseamento, confere capacidade eleitoral passiva; outro, mais restrito - que alguns chamaram, sem lógica nem rigor, o da "comunidade política nacional", visto que para a qualificação tanto deve relevar um como outro dos órgãos de soberania em causa - exclui como eleitores do PR, e participantes em "referenda", os que tenham a nacionalidade do país estrangeiro onde residem, e os que estão ausentes há um certo número de anos - ainda por cima, número variável, conforme os continentes ou Estados para onde emigraram (art.º 1º-B da Lei Eleitoral do Presidente da República - com a redacção introduzida pela Lei Orgânica nº 5/2005 de 8 de Setembro).
Para além desta dualidade de universos eleitorais, há ainda a dualidade de modos de votação nas três eleições referidas; nas legislativas os emigrantes votam por correspondência, nas presidenciais e europeias, por sufrágio presencial. (Machado, 2009:41) Um sistema que prima pela falta de coerência e de unidade. A ausência passa, de novo, a implicar, em determinados condicionalismos, variáveis conforme as latitudes, uma notável diminuição dos direitos de cidadania. É um estado de coisas inaceitável, e sem solução à vista... Ao contrário do que acontece com as prestações sociais, ou da extensão da rede de ensino, que custam dinheiro, a concessão do voto não, pelo que as limitações estabelecidas só podem, evidentemente, resultar de visões antagónicas da emigração e do emigrante no seu relacionamento "político" com o país. Foi sempre difícil o consenso entre os dois partidos do "chamado "bloco central", que, por si só, perfaziam a maioria qualificada de dois terços, exigida para qualquer alteração constitucional ou para a aprovação de leis orgânicas, como são as eleitorais. PSD e PS mantêm viva a polémica em matéria eleitoral (bem mais do que em outros capítulos, devemos acrescentar...). Entre si - e, em certa medida, também no seu interior. No PSD, aparentemente mais unido na reivindicação de igualdade de direitos políticos para todos os portugueses - uma constante dos seus programas eleitorais - poderemos apontar, por exemplo, mudanças radicais na forma de conceber a representação específica dos emigrantes, o CCP.
3 - Um novo trato da emigração: da dominante economicista à cultural
De qualquer modo, no espaço de menos de meio século, estamos chegados à construção de discursos (no plural) absolutamente distintos daquele que anteriormente se impunha, a nível oficial, e, também, a nível doutrinal ou científico, sobre uma realidade migratória, que, no essencial, não é muito diversa: Homens e mulheres - estas hoje, cada vez mais, em pé de igualdade - que são obrigados a sair, porque a conjuntura económica a isso conduz, e a sair em massa, como dantes, contra todas as expectativas de um passado próximo; a manutenção de redes de relações de toda a ordem com o país de origem; a existência de formas de entreajuda e de vivência em "colónias", na designação antiga, ou "comunidades", na de agora.
De uma avaliação positiva das migrações pela orientação ou canalização dos seus ganhos materiais para o território e pelo desejado fim de ciclo com a reinserção dos homens na sociedade de origem, chegamos, no início dos anos 60, ao momento histórico da reavaliação do património cultural (constituído pela sedimentação de vagas sucessivas de emigração, convertida em diáspora), pelo menos, à sua incorporação no conceito de portugalidade - com a presença cultural a equivaler à presença física no território. E, a partir de 1974, à consagração constitucional do direito de livre circulação, ao delineamento de políticas de protecção em todo o ciclo migratório, à aceitação do princípio da igualdade entre todos os cidadãos, independentemente da residência (ainda, como é claro, sem o levar às últimas consequências...) e ao reconhecimento da importância da presença externa das comunidades oriundas da emigração, para a vida do País, com ela enriquecido na sua dimensão.
Francisco Sá Carneiro, dirigindo-se à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, em 21 de Abril de 1980, na qualidade de Primeiro-ministro, declarava: "Le Portugal est maintenant un petit pays de 90.000 kilométres carré, plus les iles atlantiques. Cependent, il est beaucoup plus que cela et il essaye de s’organiser comme nation en un petit territoire mais avec un peuple immense, dispersé sur tous les continents [...]" (versão oficial do Conselho da Europa, em língua francesa).
Na mesma linha de pensamento, se colocaram os governos que se sucederam ao seu, quer os da "Aliança Democrática", considerados de centro-direita, quer o do chamado "Bloco Central (PS/PSD) : "Só assumindo-nos como nação populacional que somos, poderemos no cultural como no social, no político como no económico, esperar resolver com êxito não apenas os problemas da emigração, mas, de um modo geral, os do desenvolvimento e transformação da sociedade portuguesa" (Aguiar, 1986:111).
Uma ênfase muito especial é dado a uma nova imagem do emigrante, nos anos que se seguiram à adesão à CEE: "A ideia matriz de Pátria de Comunidades - e não de emigrantes - enfatiza naturalmente, o orgulho de sermos portugueses e, através do apelo à nossa História, aos nossos valores, e às nossas tradições, traduz-se num combate permanente à visão miserabilista da emigração". (Jesus, 1990: 69).
Porém, convirá precisar que no "paradigma personalista" - na tipologia de Bacelar de Gouveia, aqui adoptada - me parece caberem, por igual, políticas mais orientadas por esta visão atomística do cidadão, predominante na linguagem corrente - no hábito generalizado de dar à palavra "comunidade" o seu conteúdo meramente estatístico, afirmando, por exemplo, "[…] a comunidade portuguesa de França é de cerca de um milhão de pessoas […]" - e uma outra mais institucionalista, que olha as comunidades organizadas, herdeiras dessas outras já referenciadas pelos tratadistas do início de novecentos.
Em suma, o movimento associativo, com a sua visão dinâmica do património cultural português, e a sua capacidade de lhe dar vivência colectiva e futuro.

Fevereiro, 2010
Manuela Aguiar






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